Opinião

A SÁBIA DISTÂNCIA DAS COISAS

Os monges vivem rezando diariamente, meditando sobre como vivem e agindo de modo a ter tempo suficiente e lugares adequados (mesmo que seja apenas um cantinho em casa) para fazer isso. A fé, quando vivida assim, com verdade, permite que tudo se torne mais doce e fácil na vida. Esta sabedoria não nasceu teoricamente, mas é fruto do buscar viver a fé no quotidiano em modo simples e prático. Com esse seu estilo de vida, descobriram duas características muito úteis e necessárias para viver bem. Os primeiros monges as exprimiram com duas palavras gregas (pois vinham da cultura grega): xenitèia e amerimnía.

Xenitèia significa agir como se fossemos sempre peregrinos e de passagem nessa terra (é sábio quem nunca se esquece disso). Esta lembrança permite que estejamos sempre no nosso próprio lugar, fiéis à discrição e sem querer aparecer, não procurando os primeiros lugares, mas estando sempre na condição de hóspede ou estrangeiro que acabou de chegar (não somos peregrinos nesta terra?). Quem vive assim, aprecia falar das coisas que encontra e não de si mesmo, buscando agradar e ser gentil com todos. Não se relaciona com as coisas de modo a se justificar ou buscar subterfúgios para as próprias opiniões ou ações, pois, se está sempre de passagem e acabou de chegar, o que ele conhece a fundo ou totalmente? Não há sempre coisas novas e desconhecidas a serem descobertas?

O peregrino carrega poucas coisas, é cidadão das coisas essenciais, estrangeiro que não pode carregar aquelas inúteis e muito pesadas. Ele está totalmente presente no lugar e no momento onde estiver, mas de passagem onde mora. E estando sempre de passagem e em viagem, não tem inimigos, pois toca a realidade onde vive com a delicadeza de quem está ali temporariamente, fugindo sempre da lógica de poder. Tem diante dos olhos o quanto é ridícula esta lógica, pois sabe que dura pouco para quem está de passagem. Por isso, sabe ser insensato qualquer tipo de posse e carreirismo. Diz a si mesmo: passará, ou melhor, já está passando, pois não estou aqui por muito tempo. Para que sofrer ou afanar-se por algo que durará tão pouco e logo estarei de mãos vazias de novo? Quem tem a graça de ter vivido o tempo suficiente para olhar a realidade na sua complexidade, com certeza, teve a oportunidade de observar tantos chefes ou poderosos que depois de no máximo algumas décadas, perderam seu esplendor, justamente e invariavelmente passageiro?

Amerimnìa significa não ter preocupações que nos dominam ou, em outras palavras, não ser dominado por elas. É uma consequência natural de sentir-se sempre de passagem e como estrangeiro. Depois que a percepção de que somos peregrinos retira de nós a ânsia de controlar, esta condição pobre e justa impele-nos para entregar a Deus cada preocupação para com as coisas, pessoas e a própria vida. Em consequência, não somos mais dominados pela experiência de rivalidade com alguém, nem pelo medo do futuro (que já sei qual é), nem pelo que falam sobre nós ou de nós (eu e eles não estamos de passagem?), pelos defeitos dos outros, pela ânsia de salvar o mundo, pela agitação típica do perfeccionista... Não nos engana mais toda a percepção errônea e equivocada que temos da realidade, e que nos faz viver como pessoas que não conhecem nem a providência divina nem a senhoria de Deus sobre a história.

Quem vive assim, provavelmente, passa meio desconhecido no próprio ambiente. Não é aquele que chega, impõe-se e aparece (mas como dissemos antes, essa condição é, invariavelmente, enganadora, porque passageira), nem é muito aclamado no próprio ambiente, pois não faz absolutamente nada para atrair a atenção sobre si e passa, vive, mais despercebido do que percebido. Mas um olhar mais agudo, ensina-nos que com o tempo sua suavidade e docilidade de vida será cada vez mais apreciada. De qualquer forma, reconhecido ou não, já é cidadão do céu e construirá mais do que quem busca sucessos mundanos e faz programas pastorais (extraído do livro Vestirsi di Luce de G. Forlai, Paoline, 2018).

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