Encontro com o Pastor

A perseverança dos mártires

Dia 16 de julho, a convite de Dom Jaime Vieira Rocha, Arcebispo de Natal, tive a graça de celebrar em Cunhaú (RN), lugar do martírio do primeiro grupo dos Mártires do Rio Grande do Norte em 16 de julho de 1645. Outro grupo foi martirizado em 3 de outubro em Uruaçu, município de São Gonçalo do Amarante (RN). Ao todo, são 30 mártires, tendo à sua frente o Padre André de Soveral, nascido em São Vicente (SP), e o Padre Ambrósio Ferro. Mateus Moreira e os demais eram todos leigos, adultos, crianças e jovens. Foram beatificados em 5 de março de 2000 e canonizados em Roma, em 15 outubro de 2017 pelo Papa Francisco. A comemoração litúrgica é feita no dia 3 de outubro a cada ano. 

O martírio ocorreu no contexto da ocupação holandesa no litoral do Nordeste do Brasil, tendo por base Recife, fundada por eles. Eram reformados calvinistas huguenotes, perseguidos na Europa por causa de seu radicalismo; em terras brasileiras, porém, mostraram-se intolerantes e reprimiram os católicos que já viviam na área. Dessa forma, os dois grupos de mártires do Rio Grande do Norte sofreram ameaças e, finalmente, foram mortos por causa de sua fé, após terem sofrido cruéis torturas..

Morreram por causa de sua fé católica, de sua pertença à Igreja reunida em torno dos legítimos sucessores dos apóstolos, com o Papa como sucessor de Pedro e referência visível da unidade da Igreja e da fidelidade à herança da fé apostólica. Morreram por sua fé nos Sacramentos, sinais da salvação, especialmente na Eucaristia, sacramento da última ceia de Jesus e do seu sacrifício na cruz pela nossa redenção. Morreram mártires como tantos outros, antes deles, em vez de reagirem com violência contra seus perseguidores, e preferiram entregar a sua vida em testemunho do Evangelho e da sua firme confiança na recompensa de Deus.

Por isso, ainda hoje, são lembrados com admiração e veneração. Sua firmeza e constância na fé, apesar dos duros sofrimentos padecidos, é exemplo que pode inspirar a tantos, em nossos dias, diante de novas formas de perseguição e violência por causa da fé. Quem se lembra de seus perseguidores e algozes, a não ser pela vilania do delito cometido contra o próximo? Quem encontra inspiração nos algozes e deseja imitar sua ação violenta, condenada por todas as pessoas de bom senso? 

O tempo dos mártires ainda não acabou. Mesmo desaprovando de maneira decidida toda forma de discriminação de pessoas por causa da fé que professam e protestando contra toda violência praticada por causa de sua fé religiosa, devemos exclamar: graças a Deus, ainda há mártires em nossos dias, que não renegam a fé em Deus e nos princípios mais sagrados de sua existência! Não trocam sua confiança em Deus e nas suas promessas, mesmo diante do perigo extremo de perderem a vida por causa da fé. 

São fanáticos obcecados por sua crença religiosa? São alienados da realidade da vida, preferindo a morte violenta a renunciarem às suas convicções religiosas? São pessoas tão iluminadas, a ponto de irem contra a cultura que coloca o gozo da vida acima de qualquer coisa, para fugir de todo sofrimento? Que será que os mártires conhecem de tão importante que vale mais que a vida neste mundo? Onde encontram forças para ficar firmes até o extremo sacrifício da vida? 

Os mártires nem sempre foram pessoas de grande instrução doutrinal, nem sempre foram pessoas ilustres, que tinham a pretensão de serem exemplo para os outros. Os mártires do Rio Grande do Norte, na sua maioria, foram pessoas comuns, agricultores, pais e mães de família, gente simples. Mas tinham a noção da preciosidade de sua fé em Deus e em Cristo Salvador e da própria pertença à Igreja Católica. Conheciam as promessas de Jesus para quem é fiel a Ele e persevera até o fim. Amavam a Deus e à Igreja Católica e queriam permanecer unidos a ela e aos santos e mártires, que entregaram sua vida por Cristo e são felizes, bem-aventurados.

Os mártires confiavam em Deus e lhe pediam a firmeza na fé e a coragem de ficarem fiéis até o fim. Mais que seu heroísmo humano, foi a graça de Deus que os sustentou e lhes deu firmeza e coragem. Sem isso, não teriam sido capazes de enfrentar o martírio. Em tempos de diluição dos valores religiosos e morais e de indiferentismo, na realização do sínodo arquidiocesano de “conversão e renovação pastoral e missionária”, o testemunho dos mártires pode ser um auxílio poderoso para aprendermos de novo a valorizar mais a nossa fé e nossa pertença à Igreja Católica.
 

Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo Metropolitano de São Paulo
Publicado em O SÃO PAULO, na edição de 18/07/2018

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