Editorial

A opção pelos pobres não é ideologia

Para nós, brasileiros, que recentemente fomos divididos e confundidos muitas vezes por querelas ideológicas e confrontos políticos, a Mensagem do Papa Francisco para o II Dia Mundial dos Pobres (18 de novembro de 2018), intitulada “Este pobre clama e o Senhor o escuta”, representa uma ocasião para recolocarmos a opção pelos pobres em seu devido lugar, que é central no Cristianismo.

Segundo São João Paulo II, “trata-se de uma opção, ou de uma forma especial de primado na prática da caridade cristã, testemunhada por toda a Tradição da Igreja. Ela concerne à vida de cada cristão, enquanto deve ser imitação da vida de Cristo” (Sollicitudo rei socialis, SRS 42). Bento XVI também esclarece que “a opção preferencial pelos pobres está implícita na fé cristológica, naquele Deus que Se fez pobre por nós, para enriquecer-nos com sua pobreza” (Discurso inaugural da Conferência de Aparecida).

É verdade que muitas vezes essa opção pelos pobres foi tratada de forma ideológica, identificada a uma visão partidária, explicada unicamente por critérios sociológicos e propondo a realização do Cristianismo por meio de uma nova utopia política que reduz a pessoa humana a suas dimensões materiais. Contudo, ela também foi muitas vezes erroneamente negada por pessoas que usavam esses desvios ideológicos para não reconhecer que todos devemos estar comprometidos com os mais pobres se quisermos realmente seguir a Cristo.

O Compêndio da Doutrina Social da Igreja salienta ainda que, desde os primeiros séculos da Igreja, entendia-se que dar aos pobres aquilo que lhes era necessário é um dever de justiça, antes de um ato de caridade (CDSI 184). Explicita, também, que essa opção preferencial pelos pobres não pode se reduzir a ações assistencialistas, mas implica o compromisso por substituir as chamadas “estruturas de pecado” por “estruturas de solidariedade”, num verdadeiro trabalho de transformação social (CDSI 193, 332, 566).

Essas considerações, contudo, ainda poderiam permanecer abstratas e apenas teóricas, reforçando ainda mais o debate no plano ideológico. Contra esse perigo, o Papa Francisco vem descrevendo em suas mensagens para o Dia Mundial dos Pobres, tanto na deste ano, já citada, quanto na do último ano “Não amemos com palavras, mas com obras”, um percurso espiritual para nos ajudar a um posicionamento cristão justo diante do desafio da pobreza.

Nas duas mensagens, o Papa se detém na afirmação de que Deus ouve o clamor do pobre e o atende. Existe uma posição de fé, um clamor cheio de dor, mas também de esperança, daquele que sofre e que busca a Sua resposta. Não é um ato ideológico, não é redutível a uma posição social. Muitas vezes, nós mesmos somos os pobres – em recursos materiais, saúde, afetos, sentido para a vida – que clamam a Deus. O Papa reafirma nossa esperança, Deus há de nos ouvir, mas também nos lembra que, se Deus nos ouve, como podemos nós mesmos não ouvir os nossos irmãos?

Por isso, a opção pelos pobres não pode ser apenas teórica ou espiritualista. Ela tem de se concretizar em obras e num compromisso efetivo com os mais pobres.

 

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