Comportamento

A força do berço

Recentemente, ouvi a expressão do título do texto de um sacerdote falando sobre a educação dos filhos. Duas palavras carregadas de sentido e que, atualmente, a pediatria valoriza cada vez mais: a importância dos três primeiros anos de vida de uma criança. Um período em que se armazena uma “memória oculta”. Praticamente ninguém se recorda de fatos dessa época. Talvez alguns tenham recordações pontuais. Um período ímpar na vida de uma pessoa. Nunca mais ocorrerá um período tão intenso de transformações em suas vidas.

Nessa fase, deixa-se de ser uma criança totalmente dependente, que não fala, não anda, não conversa, não come só, dorme a maior parte do tempo. Chega-se aos três anos como alguém que fala, comunica-se, entende, come sem ajuda, corre, convive na escola interagindo, participa de brincadeiras, reconhece pessoas e ambientes, consegue expressar ideias... Se pararmos para pensar, é um fenômeno impressionante! Tudo se processa “naturalmente”. Contudo, ocorre continuamente uma percepção sobre tudo o que rodeia a criança, e desenvolvem-se sentimentos por quem a envolve. Como uma semente que se nutre do solo onde foi colocada e fica sujeita às condições climáticas da região, essa pequena “muda” vai crescendo...

A maneira como essa “muda” for tratada nos seus primeiros tempos determina, muitas vezes, a sua trajetória de vida. Isso não é “destino”. Sabe-se que crianças desnutridas, nos seus primeiros 2 anos de vida, poderão ficar com sequelas significativas para o aprendizado, ainda que depois venham a ser bem alimentadas. Alguns distúrbios do crescimento, que podem passar despercebidos nos primeiros meses, da mesma forma podem trazer implicações para o desenvolvimento futuro. Mas, se o desenvolvimento físico pode ser mais facilmente detectado, as interações do meio na formação intelectual e dos sentimentos nem sempre são notadas na criança a ponto de chamar a atenção dos pais e de seus cuidadores. Não se quer aqui falar de doenças, mas do berço.

Qual berço estamos oferecendo aos nossos filhos pequenos? Com que material está construído? Não me refiro à matéria física, mas, sim, a algo fundamental, que nunca pode ser esquecido pelos pais: nossos filhos estão sendo acolhidos ou simplesmente foram recebidos na família?

Receber e acolher são verbos que apresentam diferenças importantes. Podemos receber alguém ou alguma coisa, sem envolvimentos maiores, mas só podemos acolher pessoas. O acolhimento implica dar atenção, importar-se com o outro, saber se está bem, ocupar- -se em estar presente o tempo possível, manifestar alegria e bom humor, transmitir esperança de felicidade naquele ambiente. Nossos filhos se sentem amados, mesmo sem saber ainda o que é isso? Exigente, sem dúvida. Nunca a paternidade e a maternidade foram sinônimo de vida fácil. Mas, como fruto dessa exigência, deixamos um registro de uma “memória” em nossos filhos de um berço que dará força para puxar o crescimento de uma pessoa. Está sendo construído na família um porto seguro, uma referência, a que se retorna nas dificuldades, e em que se compartilham as conquistas com alegria. Quando os pais não se preocupam com esse período, porque os filhos “são muito pequenos”, estão abandonando as suas “mudinhas” no seu momento mais frágil, quando certas marcas poderão surgir e ficar para sempre. Um período em que, frequentemente, os pais são jovens, e, apesar do trabalho externo intenso, há energia para dar atenção aos pequenos.

As características da sociedade moderna, contemporânea, têm dificultado essa dedicação de muitos pais, por motivos variados. Isso é bem conhecido. Contar com a colaboração de terceiros, a partir dos familiares próximos, se possível, torna-se, em algumas situações, imprescindível. A alternativa mais comum que encontramos, atualmente, está nos berçários e creches, além das babás, que recebem as crianças com poucos meses. Uma responsabilidade enorme para os profissionais que lá trabalham, no esforço de transformar o local num ambiente de acolhimento a essas crianças. Isso não dispensa a responsabilidade intransferível e a dedicação dos pais. Esforcem-se por esse objetivo. Não é hora de poupar sacrifícios pessoais. Ajudem-se mutuamente, pai e mãe. A força do berço é uma vacina na infância para grandes dificuldades futuras. Animem-se pelos primeiros anos de cada um de seus filhos! Vale a pena!

Dr. Valdir Reginato é médico de família. E-mail: vreginato@uol.com.br
 

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