Fé e Cidadania

A crise atual e a superficialidade

Recentemente, foram publicados na internet o vídeo e o texto de uma palestra proferida em São Paulo por Dom Mauro Lepori, Abade-Geral dos monges cistercienses: “A responsabilidade da esperança cristã diante da crise global”. Trata-se de um maravilhoso exemplo de como a espiritualidade monástica não está isolada do mundo, fechada entre as paredes dos mosteiros, mas – pelo contrário – é uma luz que ilumina a realidade em redor.

Dom Lepori inicia sua caracterização da crise atual falando da falta de esperança de se encontrar uma certeza. O tema é polêmico, compramos um falso discurso segundo o qual ter certeza implica ser intolerante, sem percebermos que a intransigência é justamente uma resposta irracional de quem não tem uma certeza que o sustente e, por isso, se sente ameaçado e amedrontado diante de tudo o que é diferente.

Mas, voltando à palestra, Dom Lepori associa essa falta de certeza ao drama do frater fluctuans, o homem flutuante, segundo a Regra de São Bento (cf. RB 27,3). As pessoas vivem na superficialidade das coisas, em que são arrastadas pelas ondas, por mais que tentem nadar contra a corrente. Não sabem que, para vencer a corrente, precisariam mergulhar, aprofundar-se na realidade, pois é na profundidade da vida que se encontra a paz e a tranquilidade necessárias para vencer a corrente que nos arrasta no cotidiano.

Transcrevo suas palavras: “O verdadeiro problema do homem contemporâneo é, talvez, justamente a superficialidade, a superficialidade como cultura, a superficialidade como política, a superficialidade como religião, a superficialidade como moral de vida. Basta olhar em volta. Com que superficialidade se vive, se fazem escolhas que deveriam ser vitais! Com que superficialidade se casa ou se divorcia, se decide ter filhos ou abortar! Com que superficialidade se vota nas eleições políticas, escolhendo sempre flutuar sobre a correnteza mais forte! Já não se pensa muito em dar voto para criar uma corrente, para afirmar a força e o bem de um ideal político. Não, vota-se na corrente que arrasta mais neste momento”.

Com humildade, Dom Lepori sublinha que não faz essa descrição com desprezo ou com um julgamento, pois ele próprio e todos nós, de certa forma, vivemos essa condição de nosso tempo. Infelizmente, perdemos essa humildade típica do monaquismo! Frequentemente descrevemos os problemas do mundo para acusar os outros, para nos imaginarmos melhores por conseguirmos ver os erros em nossos irmãos.

Como, então, superamos essa superficialidade característica do nosso tempo? O leitor já deve ter percebido que este artigo não quer ser uma síntese da palestra de Dom Lepori, mas um convite para que veja seu vídeo ou leia seu texto. Sendo assim, aqui vai uma rápida síntese da resposta do monge.

Deus, por meio da experiência cristã, oferece a cada um de nós uma companhia, uma amizade humana que pode nos envolver e nos orientar, não só em teoria, mas com apoio concreto, afeto e correção, para que nos aprofundemos e encontremos aquilo que responde ao nosso coração, aquilo que pode nos dar a justa certeza, que não é intransigência, mas consciência de ter descoberto aquilo pelo qual vale a pena viver e se dedicar.

Essa companhia é pessoal, algo que ajuda a cada um, mas também é uma experiência que se amplia para estarmos perto de todos, tanto em suas necessidades espirituais quanto materiais. Sem dúvida, vale muito a pena conhecer essa sabedoria monástica, tão bem exposta por Dom Lepori.

Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo e biólogo, é coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP

As opiniões da seção “Fé e Cidadania” são de responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do O SÃO PAULO.

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