Amazônia representa urgente desafio missionário para a Igreja

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02 de fevereiro de 2018

Após retornar de sua visita de dez dias a comunidades da Diocese de Alto Solimões (AM), no início de janeiro, o Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo, falou das suas impressões sobre a realidade eclesial da Amazônia e destacou que é necessário intensificar a evangelização e a formação do povo para que a Igreja na região tenha um verdadeiro “rosto amazônico”. Dom Odilo ressaltou, ainda, a importância da assembleia especial do Sínodo dos Bispos para a Pan-Amazônia, convocada pelo Papa Francisco para 2019. Confira a entrevista. 

 

O SÃO PAULO – ESSA NÃO FOI A PRIMEIRA VEZ QUE O SENHOR VISITOU A AMAZÔNIA. COMO FORAM AS VISITAS ANTERIORES?

Dom Odilo Pedro Scherer – Tenho muito interesse em conhecer a Amazônia, sua natureza, seu povo e a Igreja presente nessa imensa região. Já tive a oportunidade de passar temporadas em várias dioceses, sempre em áreas diferentes, de Rondônia ao Pará. Sempre foram ocasiões interessantes para conhecer e apreciar a grande região amazônica.

 

QUE REALIDADE O SENHOR ENCONTROU NESSA ÚLTIMA VISITA?

Estive por dez dias na Diocese de Alto Solimões (AM), na fronteira com a Colômbia e o Peru, a cerca de 1.500 km de distância a oeste Manaus. Impressiona a vastidão e a exuberância da floresta intocada, a imensidão dos rios, a escassez da população, a diversidade de etnias indígenas, as distâncias a percorrer dentro da Diocese, o trabalho missionário dos Capuchinhos realizado ali com enorme dedicação e o heroísmo por mais de cem anos, a vivacidade e a alegria das comunidades eclesiais e dos missionários ali presentes, primeiro dos quais é o bispo, Dom Adolfo Zon Pereira, missionário xaveriano.

 

COMO VIVE O POVO DESSA REGIÃO AMAZÔNICA?

O povo é formado de caboclos ribeirinhos e de indígenas; esses vivem, na maior parte, nas suas reservas delimitadas e conservam sua língua e seus costumes, mesmo mantendo contatos constantes com o restante da população. Ainda há alguns grupos indígenas isolados, sem contato, sobretudo na região do rio Javari, na divisa com o Peru. Há também um bom número de peruanos na área. O povo vive de maneira simples, mas já possui certo nível de conforto nas casas; não falta a televisão, o telefone celular é acessível em todas as cidadezinhas e aldeias maiores, mas o acesso à internet já é bem menos eficiente. Nas cidadezinhas, o ar condicionado está por toda parte. Em Tabatinga, sede da Diocese, há um comércio básico bastante bom, como também os serviços básicos de educação e saúde.

 

QUAL É A SITUAÇÃO DA IGREJA NA DIOCESE DE ALTO SOLIMÕES?

A evangelização começou ali já no início do século XVII, com os missionários jesuítas, que organizaram reduções com os indígenas também naquelas regiões extremas da Amazônia, que ainda não pertenciam ao Brasil. Mas, com a expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal, a evangelização e a presença da Igreja perdeu força na região e só foi retomada com maior vigor no início do século XX, com a criação do Vicariato Apostólico de Alto Solimões, confiado à Ordem dos Franciscanos Capuchinhos. Por mais de cem anos, os bispos foram sempre capuchinhos; o bispo atual é o primeiro que não é dessa Ordem religiosa. Há uma evangelização de base bastante estendida, com comunidades organizadas por toda parte. O clero, os religiosos e religiosas são escassos, e a Diocese depende de ajuda externa, inclusive material. Há um fervilhar de grupos neopentecostais, aos quais aderem 32% da população.  Os católicos são 56% da população. A Diocese está investindo na formação de mais comunidades nas áreas urbanas, com igrejas e lideranças formadas. Percebe-se um discreto otimismo em relação à ação da Igreja católica, que goza de credibilidade e da estima geral do povo, também por causa da proximidade do povo e da sua ação social.

 

O PAPA BEATO PAULO VI UMA VEZ AFIRMOU QUE CRISTO APONTA PARA AMAZÔNIA. POR QUE A IGREJA PRECISA VOLTAR AS ATENÇÕES PARA ESSA REGIÃO?

Essa palavra do Papa Beato Paulo VI foi um grande incentivo para o desenvolvimento de iniciativas missionárias da Igreja do Brasil inteiro para a Amazônia. No passado, as prelazias e dioceses da Amazônia contaram quase exclusivamente com a ajuda de missionários vindos de fora do Brasil, por meio das congregações e ordens missionárias. Atualmente, esse quadro está muito mudado, e as dioceses da Amazônia já não recebem mais essa ajuda externa com a mesma intensidade. Por isso, foi necessário, e continua sendo, que a Igreja do Brasil assumisse um compromisso eclesial solidário em relação às Igrejas missionárias da Amazônia. E isso continua e deverá intensificar-se ainda mais com a realização do sínodo da região Pan-amazônica. A região amazônica representa um urgente desafio missionário para a nossa Igreja. Ali, perdemos muitos fieis para o proselitismo neopentecostal e para o indiferentismo religioso, que também chegou lá...

 

FALA-SE DA NECESSIDADE DE UMA IGREJA COM “ROSTO AMAZÔNICO”. NA OPINIÃO DO SENHOR, O QUE SIGNIFICARIA ISSO?

A Igreja tem o rosto do seu povo e da cultura desse povo. Creio que, em boa parte, esse rosto já existe. Na minha visita, encontrei traços muito próprios desse “rosto amazônico”, inclusive com celebrações e catequeses feitas nas línguas indígenas locais. O próprio bispo emérito, Dom Alcimar, é filho de seringueiros, nascido em Benjamim Constant (AM), na fronteira com o Peru. Há diversos padres e religiosos também nascidos na Amazônia. De toda forma, ainda é preciso avançar mais e isso significa, a meu ver, que o clero, os religiosos e os agentes pastorais sejam membros das próprias populações locais. Para chegar a isso, é necessário intensificar a evangelização e a formação do povo e das lideranças eclesiais.

 

O PAPA CONVOCOU UMA ASSEMBLEIA ESPECIAL, PARA A PAN-AMAZÔNIA, DO SÍNODO DOS BISPOS. O QUE SE ESPERA QUE SEJA TRATADO NESSA ASSEMBLEIA?

Por enquanto, temos apenas o anúncio do sínodo e ainda falta o tema e o lema dessa assembleia do sínodo, que imprimem, geralmente, uma orientação para este. Há muitas expectativas ainda vagas, mas se espera muito que ele possa dar novo impulso à Igreja na Amazônia. Na minha opinião, o sínodo para a Amazônia terá três focos principais: o homem na Amazônia; a natureza e o ecossistema amazônico; a vida e a missão da Igreja na Amazônia.

 

As opiniões expressas na seção “com a palavra” são de responsabilidade do entrevistado e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do jornal O SÃO PAULO.
 

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Igreja da Amazônia se reúne em Brasília para Seminário 'Laudato si'

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17 de novembro de 2017

A Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam) realiza entre os dias 17 e 19, em Brasília (DF), o Seminário Geral Laudato Si. Representantes dos 16 Seminários realizados em todos os Regionais da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) da Amazônia Legal, desde 2016 e convidados farão uma síntese dos trabalhos e será prospectado a caminho a seguir.

A Repam foi fundada oficialmente em setembro de 2014 e abrange os nove países do bioma amazônico, incluindo os nove estados da Amazônia Legal. Os Seminários Laudato Sì foram realizados nos vários cantos desse território, dialogando com as realidades locais a partir da encíclica Laudato Sí do Papa Francisco. 

Sínodo buscará ‘rosto amazônico’ da Igreja

Neste Seminário participam o Cardeal Cláudio Hummes, Arcebispo Emérito de São Paulo e Presidente da Repam, lideranças dos povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas, seringueiros, camponeses, agentes de Pastoral, religiosas/os, Padres e Bispos de toda a Amazônia Legal.

O objetivo é refletir sobre a realidade da Amazônia no contexto nacional e internacional, busca-se construir as perspectivas de articulação da Rede no Brasil, e contribuir com o debate sobre o Sínodo para Pan-Amazônia, recentemente anunciado pelo Papa Francisco.

(Com informações de Repam-Brasil)

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Seminário Geral Laudato Sì

Local: Nova Sede da CNBB – Sgan 905, bloco C

Data: de 17 a 19 de novembro de 2017

Contato: Osnilda Lima, fsp (61) 98366-1235 - repamcomunica@gmail.com

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Lideranças assumem compromisso em defesa da Bacia do Tapajós

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17 de outubro de 2017

Os participantes do encontro organizado pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e pelo Eixo Povos Indígenas da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repan), em Ituiutaba (PA), entre os dias 6 e 8, assinaram uma carta em que assumiram compromissos de ações conjuntas. Dentre essas ações, prevê-se  a construção de um protocolo dos Povos da Bacia do Tapajós e continuação na articulação dos povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas e entidades parceiras que apoiam a causa, entre elas a Igreja Católica por meio Repam.

“Diante desse cenário de retrocessos dos nossos direitos, entendemos que apenas com a união e a coletividade dos Povos da Bacia do Tapajós e de toda a Amazônia e com a presença solidária da Igreja como aliada, vamos continuar impedindo a destruição de nossos rios, matas e de toda vida existente no planeta terra. Por isso somos contra qualquer tipo de negociações que colocam em risco todos os direitos conquistados durante anos de lutas por aqueles que entregaram suas vidas para que a nossa pudesse existir”, diz a carta. 

No documento, também exige-se para toda a Bacia do Tapajós: “A demarcação imediata dos Territórios Indígenas; a titulação e demarcação dos projetos de assentamentos da Reforma Agrária das comunidades ribeirinhas e tradicionais; a imediata paralisação dos grandes empreendimentos na Bacia do Tapajós”. 

Leia a carta a seguir: 

Carta do encontro de diálogo dos povos indígenas e ribeirinhos da Bacia do Rio Tapajós e Repam

Nós, Povos indígenas da Bacia do Tapajós Munduruku, Munduruku Cara Preta, Arapiun, Tupinambá, Sateré-Mawé, Manoki, Myky, Apiaka, Rikibaktsa, Kayabi, Arara Vermelha, Tupaiú, Borari, Juruna, Comunidade de São Luiz do Tapajós, Comunidade de São Francisco-Periquito, Movimento Tapajós Vivo, Franciscanos OFM, Membros da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), Prelazia de Itaituba, Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e Comissão Pastoral da Terra/Prelazia de Itaituba (CPT), reunidos nos dias 06 a 08 de outubro no Centro de Formação São José Laranjal, município de Itaituba, Estado do Pará, para discutir estratégias e resistência na Bacia do Tapajós e ampliar as alianças na Pan-Amazônia. Reunidos neste encontro sentimos a importância da liberdade dos Rios, e nós como um todo precisamos ser livres, pois o Rio é vida e parte de nós. O Rio é a nossa dispensa porque é de lá que tiramos nosso alimento, água e a nossa sobrevivência, ele não pode ser motivo de exploração para os lucros de uma minoria de empresas e do capital. Entendemos que os Rios é um bem comum da humanidade. O governo não sabe o que e o significa Tapajós, a floresta e a natureza, o governo acha que floresta não faz nada, mas ela dá a vida para a humanidade. O Rio é como nosso corpo, ele tem nervos por todo canto, mas se desmatam nossas nascentes matam nosso Rio, e nos matam. Nesse sentindo, nós Povos da Bacia do Tapajós entendemos que somos raízes que formam o Tapajós e unidos seremos mais fortes para continuar a nossa resistência pelo Tapajós. Somos partes do Rio Tapajós; ele nos interliga com outros rios e povos da Bacia Amazônica na esperança de luta e resistência em defesa da vida. Atualmente, com o processo de licenciamento ambiental sem consulta prévia, livre e informada conforme diz a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), nós nos sentimos ameaçados com a invasão sobre nossos territórios tradicionais, Unidades de Conservação, Projetos de Assentamento da Reforma Agrária e Comunidades Tradicionais com grandes empreendimentos como 43 Hidrelétricas e mais de 160 Pequenas Centrais Hidrelétricas na Bacia do Tapajós, 24 Estações de Transbordo e Cargas (ETC) nos municípios de Aveiro, Itaituba e Rurópolis, Ferrovia Ferrogrão, Hidrovias, Mineração, Madeireiras, Duplicação da Rodovia Santarém Cuiabá, Redução das Unidades de Conservação, Agrotóxicos, Contaminação dos Rios e peixes no Tapajós pelo Mercúrio e Soja. Embora nossos direitos sejam reconhecidos constitucionalmente, os mesmos não são respeitados pelos órgãos do Estado brasileiro, entregando nossos territórios e nossos rios a empresas multinacionais, agronegocio, mineradoras, madeireiras, empreiteiras. Além disso, no atual cenário político brasileiro circula iniciativas legislativas como a PEC 215, a Tese do Marco Temporal, o Parecer 001/17 da AGU entre outros, que impedem e violam nossos direitos originários de viver conforme nossos costumes tradicionais retirando da natureza apenas o necessário para o bem viver de nossos povos, pois acreditamos que tirando só que precisamos da natureza para nosso bem viver pode existir o equilíbrio entre a natureza e o ser humano. Diante desse cenário de retrocessos dos nossos direitos, entendemos que apenas com a união e a coletividade dos Povos da Bacia do Tapajós e toda a Amazônia e com a presença solidária da Igreja como aliada vamos continuar impedindo a destruição de nossos rios, matas e de toda vida existente no planeta terra. Por isso somos contra qualquer tipo de negociações que colocam em risco todos os direitos conquistados durante anos de lutas por aqueles que entregaram suas vidas para que a nossa pudesse existir. A mãe terra não se negocia, o direito a vida não se vende. Portanto, exigimos para toda a Bacia do Tapajós:

• A demarcação imediata dos Territórios Indígenas;

• A Titulação e demarcação dos Projetos de Assentamentos da Reforma Agrária das comunidades ribeirinhas e tradicionais;

• A imediata paralisação dos grandes empreendimentos na Bacia do Tapajós.

 Nossa luta é uma Luta só, e a nossa palavra é uma palavra só. Juntos continuaremos na defesa da vida dos Povos na Bacia do Tapajós!

 

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Repam e Comissão para a Amazônia criticam decreto que extingue Renca

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01 de setembro de 2017

A Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam) e a Comissão Episcopal para a Amazônia, ligadas à CNBB, publicaram na segunda-feira, 28, uma nota na qual denunciam as consequências do decreto do Governo Federal que extingue a Reserva Nacional de Cobre e seus Associados (Renca). No entanto, na terça-feira, 29, a Justiça do Distrito Federal determinou a suspenção imediata de qualquer ato administrativo que possa levar à extinção da Renca. 

A nota está assinada pelo Cardeal Cláudio Hummes, Presidente da Repam e da Comissão Episcopal para a Amazônia, e por Dom Erwin Kräutler, Presidente da Repam-Brasil e Secretário da Comissão Episcopal para a Amazônia. “A Renca é uma área de reserva, na Amazônia, com 46.450 km2 – tamanho do território da Dinamarca. A região engloba nove áreas protegidas, sendo três delas de proteção integral: o Parque Nacional Montanhas do Tumucuma
que, as Florestas Estaduais do Paru e do Amapá; a Reserva Biológica de Maicuru, a Estação Ecológica do Jari, a Reserva Extrativista Rio Cajari, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru e as Terras Indígenas Waiãpi e Rio Paru d`Este. A abertura da área para a exploração mineral de cobre, ouro, diamante, ferro, nióbio, entre outros, aumentará o desmatamento, a perda irreparável da biodiversidade e os impactos negativos contra os po
vos de toda a região”, consta na nota.

O texto chama atenção também para o fato de que “a extinção da Renca representa uma ameaça política para o Brasil inteiro, impondo mais pressão sobre as terras indígenas e Unidades de Conservação, e abrindo espaço para que outras pautas sejam flexibilizadas, como a autorização para exploração mineral em terras indígenas, proibida pelo atual Código Mineral”. (Com informações da Repam

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'Extinção da Renca vilipendia democracia brasileira', afirma Repam em nota

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28 de agosto de 2017

A Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam) divulgou nota nesta segunda-feira, 28, na qual repudia a extinção da Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), feita pelo Governo Federal na última quarta-feira. No texto, o organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) considera que o decreto baixado pelo Executivo “vilipendia a democracia brasileira, pois com o objetivo de atrair novos investimentos ao país o Governo brasileiro consultou apenas empresas interessadas em explorar a região”.

De acordo com a Repam, nenhuma consulta aos povos indígenas e comunidades tradicionais foi realizada, como manda o Artigo 231 da Constituição Federal de 1988 e a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). “O Governo cede aos grandes empresários da mineração que solicitam há anos sua extinção e às pressões da bancada de parlamentares vinculados às companhias extrativas que financiam suas campanhas”, lê-se no texto.

A manifestação da Repam ainda cita como consequências à extinção da área o aumento do desmatamento; a perda irreparável da biodiversidade; a impossibilidade de garantir a proteção da floresta, das unidades de conservação e das terras indígenas; além de representar uma ameaça política para o Brasil inteiro, “impondo mais pressão sobre as terras indígenas e Unidades de Conservação”.

Leia o texto na íntegra, que é assinado pelo presidente da Comissão Episcopal para a Amazônia da CNBB e também da Repam, cardeal Cláudio Hummes, e pelo Presidente da Repam-Brasil e Secretário da Comissão Episcopal para a Amazônia da CNBB, dom Erwin Kräutler:

 

Brasília, 28 de agosto de 2017

Nota de repúdio ao Decreto Presidencial que extingue a RENCA

Ouvimos o grito da terra e o grito dos pobres

A Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), ligada ao Conselho Episcopal Latino-Americano e do Caribe (CELAM), e no Brasil organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), juntamente com a Comissão Episcopal para a Amazônia, da CNBB, por meio de sua Presidência, unida à Igreja Católica da Pan-Amazônia e à sociedade brasileira, em especial aos povos das Terras Indígenas Waãpi e Rio Paru D’Este, vem a público repudiar o anúncio antidemocrático do Decreto Presidencial, altamente danoso, que extingue a Reserva Nacional de Cobre e seus Associados (RENCA) na última quarta-feira (23).

A RENCA é uma área de reserva, na Amazônia, com 46.450 km2 – tamanho do território da Dinamarca. A região engloba nove áreas protegidas, sendo três delas de proteção integral: o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, as Florestas Estaduais do Paru e do Amapá; a Reserva Biológica de Maicuru, a Estação Ecológica do Jari, a Reserva Extrativista Rio Cajari, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru e as Terras Indígenas Waiãpi e Rio Paru d`Este. A abertura da área para a exploração mineral de cobre, ouro, diamante, ferro, nióbio, entre outros, aumentará o desmatamento, a perda irreparável da biodiversidade e os impactos negativos contra os povos de toda a região.

O Decreto de extinção da RENCA vilipendia a democracia brasileira, pois com o objetivo de atrair novos investimentos ao país o Governo brasileiro consultou apenas empresas interessadas em explorar a região. Nenhuma consulta aos povos indígenas e comunidades tradicionais foi realizada, como manda o Artigo 231 da Constituição Federal de 1988 e a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O Governo cede aos grandes empresários da mineração que solicitam há anos sua extinção e às pressões da bancada de parlamentares vinculados às companhias extrativas que financiam suas campanhas.

Ao contrário do que afirma o Governo em nota, ao abrir a região para o setor da mineração, não haverá como garantir proteção da floresta, das unidades de conservação e muito menos das terras indígenas – que serão diretamente atingidas de forma violenta e irreversível. Basta observar o rastro de destruição que as mineradoras brasileiras e estrangeiras têm deixado na Amazônia nas últimas décadas: desmatamento, poluição, comprometimento dos recursos hídricos pelo alto consumo de água para a mineração e sua contaminação com substâncias químicas, aumento de violência, droga e prostituição, acirramento dos conflitos pela terra, agressão descontrolada às culturas e modos de vida das comunidades indígenas e tradicionais, com grandes isenções de impostos, mas mínimos benefícios para as populações da região.

Riscos ambientais e sociais incalculáveis ameaçam o “pulmão do Planeta repleto de biodiversidade” que é a Amazônia, como nos lembra Papa Francisco na carta encíclica Laudato Si, alertando que “há propostas de internacionalização da Amazônia que só servem aos interesses econômicos das corporações internacionais” (LS 38). A política não deve submeter-se à economia e aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia, pois a prioridade deverá ser sempre a vida, a dignidade da pessoa e o cuidado com a Casa Comum, a Mãe Terra. Em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, em 9 de julho de 2015, o papa Francisco não hesitou em proclamar: “digamos não a uma economia de exclusão e desigualdade, onde o dinheiro reina em vez de servir. Esta economia mata. Esta economia exclui. Esta economia destrói a mãe terra”.

Na LS, o papa Francisco alerta ainda que “o drama de uma política focalizada nos resultados imediatos (…) torna necessário produzir crescimento a curto prazo” (LS 178).

Ao contrário, para ele “no debate, devem ter lugar privilegiado os moradores locais, aqueles mesmos que se interrogam sobre o que desejam para si e para os seus filhos e podem ter em consideração as finalidades que transcendem o interesse econômico imediato” (LS 183).

A extinção da Renca representa uma ameaça política para o Brasil inteiro, impondo mais pressão sobre as terras indígenas e Unidades de Conservação, e abrindo espaço para que outras pautas sejam flexibilizadas, como a autorização para exploração mineral em terras indígenas, proibida pelo atual Código Mineral.

Por todos esses motivos, nos unimos às Dioceses locais do Amapá e de Santarém, aos ambientalistas e à parcela da sociedade que, por meio de manifestações nas redes sociais e de abaixo-assinados, pedem a imediata sustação do Decreto Presidencial que extingue a Reserva.

Convocamos as senhoras e os senhores parlamentares a defenderem a Amazônia, impedindo que mais mineradoras destruam um dos nossos maiores patrimônios naturais.

Não nos resignemos à degradação humana e ambiental! Unamos esforços em favor da vida dos povos que vivem no bioma amazônico. O futuro das gerações vindouras está em nossas mãos!

Que Deus nos anime no mais fundo de nossos corações e nos ilumine e confirme na busca da tão sonhada Terra Sem Males.

Dom Cláudio Cardeal Hummes
Presidente da REPAM e da Comissão Episcopal para a Amazônia

Dom Erwin Kräutler
Presidente da REPAM-Brasil e Secretário da Comissão Episcopal para a Amazônia

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