NACIONAL

AMAZÔNIA

Um Sínodo que se desenvolve em torno da vida dos povos, da Igreja e do planeta

Por Fernando Geronazzo e Nayá Fernandes
26 de junho de 2019

Com o tema “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e por uma ecologia integral”, o Sínodo acontecerá de 6 a 27 de outubro, no Vaticano

A Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos apresentou, na segunda-feira, 17, o Instrumentum Laboris (Instrumento de Trabalho) da Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Amazônia. O texto foi apresentado aos jornalistas na Sala de Imprensa da Santa Sé pelo Cardeal Lorenzo Baldisseri, Secretário Geral do Sínodo dos Bispos; Dom Fábio Fabene, Subsecretário do Sínodo dos Bispos; e o Padre Humberto Miguel Yáñez, professor ordinário de Teologia Moral da Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma.

O Documento é resultado de um processo de escuta que teve início com a visita do Papa Francisco a Puerto Maldonado, no Peru, em janeiro de 2018; prosseguiu com a consulta ao povo de Deus em toda a Região Amazônica por todo o ano e se concluiu com a segunda reunião do Conselho Pré-Sinodal, em maio passado.

Com o tema “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e por uma ecologia integral”, o Sínodo acontecerá de 6 a 27 de outubro, no Vaticano.

“O material, oriundo desta ampla consulta, foi objeto de um estudo atento e seleção por parte da Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos, que, com ajuda de especialistas qualifica dos, trabalhou na elaboração de um projeto de Instrumento de Trabalho. O grupo de redação deste texto foi formado por alguns especialistas provenientes da Região Pan-Amazônica e de outros residentes em Roma, mas com competência sobre a temática sinodal”, disse o Cardeal Lorenzo Baldisseri, da Secretaria da Congregação para os Bispos, um dos dicastérios da Cúria Romana, no Vaticano, durante a apresentação do Documento.

 O celibato não está em questão

Um dos temas tratados pelo Instrumento de Trabalho do Sínodo para a Amazônia que ganhou destaque nos noticiários internacionais diz respeito à busca de alternativas para assegurar a celebração dos sacramentos nas comunidades, especialmente da Eucaristia. “Afirmando que o celibato é uma dádiva para a Igreja”, o Documento destaca que, para as áreas mais remotas da região, seja estudada a possibilidade da ordenação sacerdotal de homens idosos, de preferência indígenas, conhecidos em sua comunidade, “mesmo que já tenham uma família constituída e estável”. Na apresentação do texto, o Subsecretário do Sínodo dos Bispos, Dom Fábio Fabene, esclareceu aos jornalistas que o Instrumento de Trabalho expõe o que as consultas sinodais revelaram sobre o “grande sofrimento” que os povos amazônicos vivem com a falta do sacramento da Eucaristia.

DÁDIVA PARA A IGREJA

Nesse sentido, Dom Fábio salientou que não se está em discussão o celibato, tanto que o parágrafo do documento começa ressaltando- -o como uma dádiva para a Igreja. “O que se aborda é a possibilidade, em caráter excepcional, de ordenar homens idosos da comunidade, que eventualmente já tenham famílias constituídas, como existe, por exemplo, nas Igrejas de rito oriental, com a finalidade de assegurar os sacramentos”, reforçou.

O Bispo recordou, ainda, a afirmação feita pelo Papa Francisco aos jornalistas a bordo do voo de retorno do Panamá, em 28 janeiro, quando foi questionado sobre esse assunto. O Pontífice enfatizou que, pessoalmente, não concorda com a permissão do celibato opcional. Embora tenha reconhecido que existe alguma possibilidade dessa permissão em lugares distantes, quando há necessidade pastoral.

O Santo Padre reiterou que não mudará a disciplina sobre o celibato dos padres. “É algo que está em discussão entre os teólogos, não há decisão minha [...]. Não me sinto à vontade diante de Deus com essa decisão”, ressaltou Francisco, na ocasião.

                                                                                         

O Instrumento de Trabalho afirma que o Sínodo da Amazônia é um “sinal dos tempos” no qual o Espírito Santo abre novos caminhos que são discernidos por meio de um diálogo recíproco entre todo o povo de Deus. “Trata-se de uma grande oportunidade para que a Igreja possa descobrir a presença encarnada e ativa de Deus: nas mais diferentes manifestações da criação; na espiritualidade dos povos originários; nas expressões da religiosidade popular; nas diferenciadas organizações populares que resistem aos grandes projetos; e na proposta de uma economia produtiva, sustentável e solidária que respeita a natureza”, continua o texto.

VIDA AMEAÇADA

Chama-se a atenção para a ameaça que a vida vem sofrendo pela destruição e exploração ambiental e pela violação sistemática dos direitos humanos elementares de sua população. “De modo especial, a violação dos direitos dos povos originários, como o direito ao território, à autodeterminação, à demarcação dos territórios e à consulta e ao consentimento prévios”, diz o texto. “Atualmente, a mudança climática e o aumento da intervenção humana (desmatamento, incêndios e alteração no uso do solo) estão levando a Amazônia rumo a um ponto de não retorno, com altas taxas de desmatamento, deslocamento forçado da população e contaminação, pondo em perigo seus ecossistemas e exercendo pressão sobre as culturas locais”, destaca o Documento.

PERIFERIAS

O Instrumento de Trabalho analisa também a situação dos Povos Indígenas em Isolamento Voluntário (PIAV). Segundo dados de instituições especializadas da Igreja, como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), no território da Amazônia existem de 110 a 130 diferentes “povos livres”, que vivem à margem da sociedade ou em contato esporádico com ela.

MIGRAÇÃO

O Documento constata que, na Amazônia, o fenômeno migratório em busca de uma vida melhor tem sido uma constante histórica. As causas apontadas são sociopolíticas, climáticas, de perseguição étnica e econômicas. “A agressão contra o meio ambiente, em nome do ‘desenvolvimento’, piorou dramaticamente a qualidade de vida dos povos amazônicos, tanto das populações urbanas como rurais, devido à contaminação e perda de fertilidade do território”, enfatiza o Instrumento.

URBANIZAÇÃO

A Amazônia se encontra entre as regiões com maior mobilidade interna e internacional na América Latina. De acordo com as estatísticas, a população urbana da Amazônia aumentou de modo exponencial; atualmente, de 70% a 80% da população reside nas cidades que recebem permanentemente um elevado número de pessoas e não conseguem proporcionar os serviços básicos dos quais os migrantes necessitam. Não obstante tenha acompanhado esse fluxo migratório, a Igreja deixou no interior da Amazônia vazios pastorais que devem ser preenchidos.

ROSTO AMAZÔNICO

“Os novos caminhos para a pastoral da Amazônia exigem que se ‘relance com fidelidade e audácia’ a missão da Igreja no território e que se aprofunde o ‘processo de inculturação’”, afirma o Instrumento de Trabalho, ao falar da necessidade de haver um “rosto amazônico” para essa região. “A [Constituição] Sacrosanctum Concilium (nn. 37-40, 65, 77 e 81) propõe a inculturação da liturgia nos povos indígenas. Sem dúvida, a diversidade cultural não ameaça a unidade da Igreja, mas expressa sua catolicidade genuína, mostrando ‘a beleza deste rosto pluriforme’”, diz o texto, citando a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, do Papa Francisco.

VOCAÇÕES AUTÓCTONES

As consultas sinodais chamaram a atenção para a necessidade de promover vocações autóctones de homens e mulheres, como resposta às necessidades de atenção pastoral e sacramental. “Trata-se de indígenas que anunciem a indígenas a partir de um profundo conhecimento de sua cultura e de sua língua, capazes de comunicar a mensagem do Evangelho com a força e a eficácia de quem dispõe de uma bagagem cultural.”

O Documento ressalta, ainda, o pedido de valorização do papel dos leigos como protagonistas de uma Igreja em saída, de modo especial as mulheres, cuja presença não é sempre adequadamente considerada. O texto reconhece que, também no âmbito da vida consagrada, as religiosas são uma presença significativa na região amazônica.

ECUMENISMO

O texto ressalta o fenômeno do crescimento das recentes igrejas evangélicas de origem pentecostal, especialmente nas periferias. Também sublinha que determinados grupos “propagam uma teologia da prosperidade” e tendências fatalistas, que, por meio do medo ou mediante a busca do sucesso, “influenciam negativamente os grupos amazônicos”. Sugere-se, ainda, a necessidade de “procurar elementos comuns por meio de encontros periódicos para trabalhar juntos pelo cuidado da Casa Comum, e para lutar de forma conjunta pelo bem comum face às agressões externas”.

CONCLUSÃO

O Documento termina expressando o desejo de que o Sínodo para a Amazônia “seja uma expressão concreta da sinodalidade de uma Igreja em saída, para que a vida plena que Jesus veio trazer ao mundo (cf. Jo 10,10) chegue a todos, especialmente aos pobres”.

(Com informações de Vatican News

Para pesquisar, digite abaixo e tecle enter.