INTERNACIONAL

Irmã Xiskya Valladares

‘Redes sociais são pontes para chegar a outras pessoas’

Por Filipe Domingues
08 de mai de 2018

A religiosa espanhola é especialista em redes sociais e fundadora de uma associação que promove formação para a evangelização na internet

Arquivo Pessoal

Muitos usuários de redes sociais começam a perceber a necessidade de pensar melhor acerca da vida on-line. O recente escândalo do Facebook com a empresa Cambridge Analytica, no qual a rede social divulgou informações de pelo menos 87 milhões de usuários, desde 2014, veio reforçar essa preocupação. 

Por outro lado, há algumas décadas, a Igreja olha para a internet como ambiente profícuo para a evangelização. Nesse contexto, O SÃO PAULO conversou com a Irmã Xiskya Valladares, doutora em Comunicação e professora universitária no Centro de Ensino Superior Alberta Giménez, em Mallorca, na Espanha. 

Irmã Xiskya é especialista em redes sociais e fundadora da Associação iMision (www.imision.org), que promove formação para a evangelização na internet. Ela acaba de lançar um livro chamado “Buenas prácticas para evangelizar en Facebook” (Boas práticas para evangelizar no Facebook), que pode ser adquirido on-line. 

“As redes sociais são uma ponte para chegar às pessoas e encaminhá-las para algo mais além”, diz sobre as oportunidades de transmitir a mensagem de Cristo. “Levam a conhecer novas pessoas e a encarar comunicações fora da rede”, avalia. 

Realista, ela entende que o Facebook não é a melhor rede para ir ao encontro de pessoas diferentes, pois o sistema “não favorece que você saia do entorno das pessoas que pensam igual a você”. Ainda assim, defende que ter conhecimento técnico pode levar a estratégias de comunicação mais eficazes. 

 

O SÃO PAULO - POR QUE ESCREVER SOBRE A EVANGELIZAÇÃO NO FACEBOOK?

Irmã Xiskya Valladares -

Primeiro, escrevi um livro sobre como evangelizar no Twitter. Foi um pequeno capítulo da minha tese de doutorado. Depois, percebi que a maioria das pessoas católicas estão no Facebook. É a rede social com mais usuários católicos, e com mais usuários em geral, no mundo. Claro que há muita boa vontade por parte das pessoas que querem usá-lo, mas há pouco conhecimento da parte técnica. Por isso, livro tem linguagem simples, para ser útil a qualquer pessoa.

 

POR QUE A IGREJA TEM DE ESTAR PRESENTE NAS REDES SOCIAIS?

Porque as redes sociais são ambientes onde as pessoas estão. Creio que os últimos Papas nos convidam a ir ao encontro dessas pessoas. Bento XVI as chama de “continente digital”, como um paralelismo como quando foram evangelizar a América. O Papa Francisco também nos diz que temos que sair às “ruas digitais” sem medo. E acredito que as pessoas estão aí porque é um lugar de encontro. São as novas praças públicas. São areópagos do mundo moderno. A Igreja tem de não só transmitir informações, mas também escutar e compartilhar com as pessoas, com o povo, com suas emoções, preocupações, perguntas e inquietudes.

 

UMA DAS CRÍTICAS FEITAS ÀS REDES É QUE PROMOVEM A AUTORREFERENCIALIDADE. VOCÊ CONCORDA?

Creio que algumas pessoas se tornam muito autorreferenciais, mas a maioria não. No Facebook é diferente do Twitter. O Facebook é a rede social mais recíproca, e por isso há mais autorreferencialidade. Mais do que no Twitter. Esta é uma das coisas que o Papa Francisco nos pede que evitemos. Se você é muito autorreferencial, inclusive se você é uma marca grande e importante, internacional, as pessoas não querem seguir você. Mas se você vai lhes levar algo, um valor agregado, algo que lhes faça pensar, então as pessoas querem. A regra geral é que só 20% das suas publicações sejam próprias, informações da própria marca ou instituição, e que 80% seja mais para as pessoas. É preciso pensar na audiência, nos seguidores, amigos e fãs.

 

O CONTRÁRIO DA AUTORREFERENCIALIDADE É O TESTEMUNHO?

Claro. É o testemunho pensando nos demais. O que precisam os demais? O testemunho não se faz sozinho. Falando de instituições, para estar nas redes sociais de maneira eficaz é preciso pensar bem, planejar bem. O testemunho, sobretudo, é essa escuta, esse diálogo, esse levar algo que seja útil para os outros.

 

O TESTEMUNHO É APRESENTAR-SE COMO CRISTÃO?

Sim, mas não só compartilhando mensagens expressamente religiosas. Porque não existe uma pessoa que esteja o tempo todo falando só de religião na vida real. E assim é também no digital. Compartilhar continuamente mensagem religiosas não ajuda nada. E isso também acaba sendo autorreferencial. Creio que é preciso ser você mesmo, como você é nas ruas, com os amigos, com a família, com as pessoas, transmitindo valores. Se acontece algo, em nível mundial, é interessante fazer uma leitura dessa realidade. Isso leva muito mais do que copiar uma citação do Evangelho, pois está conectado com os interesses das pessoas. Ou seja, não dar respostas demais, mas lançar perguntas.

 

É POSSÍVEL QUE ALGUÉM TENHA UMA VERDADEIRA EXPERIÊNCIA DE CONVERSÃO POR CAUSA DE ALGO QUE VIU NA INTERNET?

Sim, e posso contar a você uma experiência, de um diretor de um jornal que morreu há dois anos. Ele me encontrou nas redes, muitos anos antes, e a partir desse momento tivemos diálogos muito profundos. Ele era ateu e marxista. No entanto, quando morreu, ele estava reconciliado com a Igreja, havia se confessado, comungava e rezava o Terço todos os dias. Isso é uma experiência que ninguém imagina, mas é muito real.

 

ENTÃO, AS REDES PODEM LEVAR A UMA REFLEXÃO...

Leva a diálogos fora das redes, que são mais profundos. Isso leva a conhecer novas pessoas e a encarar comunicações fora da rede, mas que começaram na rede. As redes são um trampolim, uma ponte para chegar nas pessoas e encaminhá-las para algo mais além.

 

SEU LIVRO DIZ QUE O FACEBOOK NÃO É A REDE MAIS IDÔNEA PARA CHEGAR ÀS PESSOAS DISTANTES. POR QUÊ?

Porque quando se trata de contas pessoais, as conexões são recíprocas. Então, normalmente se tornam seus amigos as pessoas que já simpatizam com as suas ideias. Se você cria uma página (fanpage) os algoritmos do Facebook não favorecem que você saia do entorno das pessoas que pensam igual. A principal dificuldade é como funciona o Facebook e como faz seus algoritmos. Isso dificulta muito se conectar com pessoas mais distantes ou que pensam diferente de você.

 

O MOTIVO PARA O FACEBOOK FAZER ISSO É SABER O QUE VENDER AOS USUÁRIOS, CERTO?

Sim, sim.

 

O QUE É O “ALGORITMO” DO FACEBOOK?

É um código informático pelo qual se dá visibilidade às mensagens que as pessoas publicam. Esse código vai automatizar as mensagens e dizer “esta aqui tem mais pontos” ou “esta tem menos pontos”, em termos de visibilidade. É uma máquina que decide, não uma pessoa. Como o Facebook está pensado para a publicidade, eles precisam desse tipo de segmentação. Se quero vender uma moto, vou escrever para as pessoas que querem uma moto. Não vou mandar para senhoras idosas, por exemplo. O algoritmo favorece que a moto seja apresentada só para as pessoas que estão interessadas: gente mais jovem, mais meninos do que meninas. Isso funciona em tudo no Facebook.

 

 

O MESMO PARA MENSAGENS RELIGIOSAS?

Se vou publicar algo relacionado ao Evangelho, ele vai apresentar mais facilmente para pessoas que mostraram um interesse religioso, católico ou cristão. Não para outros. Por que eu nunca leio o que escrevem os muçulmanos? Porque o Facebook sabe que sou católico. Isso não favorece o encontro.

 

AINDA ASSIM, TEMOS QUE TENTAR USAR O MECANISMO A NOSSO FAVOR…

Exato. Para isso, falta transformar nossa linguagem, transformar nossas imagens, e apresentar algo mais real, o que as pessoas querem ver. Pensar no público a que nos dirigimos. Os grupos são muito importantes, pois o algoritmo não é tão duro com os grupos quanto com as fanpages.

 

QUAL É A DIFERENÇA, NO FACEBOOK, ENTRE GRUPO, PÁGINA E CONTA PESSOAL?

As contas pessoais só podem ser de pessoas concretas, com nome e sobrenome, e são mais limitadas nas estatísticas. Os grupos se parecem com contas pessoais, mas são de muitas pessoas, e não têm estatísticas. As páginas são as únicas que estão pensadas para instituições, marcas comerciais, ONGs, qualquer tipo de marca que não é uma pessoa, inclusive personagens públicos. Oferecem, portanto, um monte de estatísticas. Você pode jogar com elas para melhorar a sua visibilidade no Facebook. Já nos grupos, não. Acredito que não podemos ficar só com a página, mas é necessário ter um grupo também, pois ajuda a visibilizar o que publica a página; e a página, para medir as estatísticas, usar mais ferramentas, e dar a informação mais oficial da sua marca.

 

 

O QUE VOCÊ PENSA DA MANEIRA COMO O FACEBOOK USA OS DADOS DOS USUÁRIOS? RECENTEMENTE, O FUNDADOR, MARK ZUCKERBERG, TEVE QUE DAR EXPLICAÇÕES NO SENADO DOS ESTADOS UNIDOS

 

O problema está em que somos nós mesmos que cedemos nossos dados, mas não temos a educação suficiente para saber que dados estamos dando. Ninguém obriga o Facebook a publicar todos os nossos dados. Somos nós mesmos que o fazemos. O Facebook só pede um nome de usuário e e-mail, obrigatórios. Porém, todo mundo coloca todos os dados. E voltamos a cedê-los cada vez que damos permissão a um aplicativo para que se conecte por meio da conta do Facebook. E nem sempre somos conscientes disso. O que falta é educação digital para que as pessoas saibam o que estão dando, onde e para quê.

 

É ALGO QUE JÁ VEM ACONTECENDO HÁ ALGUNS ANOS…

Não é uma questão nova, não é algo que só o Facebook faz. Todas as redes sociais fazem o mesmo, inclusive o Google. Quando temos nossos dados no Google, Gmail, no Google Drive, estamos dando um monte de dados e informações que podem ser aproveitadas para a publicidade. Proibir ou censurar o Facebook de obter dados também limita a liberdade das pessoas. Mas falta educação para que as pessoas saibam o que estão dando, onde e para quê. Esse é o problema principal. Os governos têm que se preocupar, não só com a privacidade, mas que nas escolas haja educação digital

 

MAS A EMPRESA TEM QUE SER MAIS ABERTA SOBRE COMO USA OS DADOS?

A empresa quer a publicidade. Pode-se exigir que seja um pouco mais transparente em conhecer que dados estão usando para entregar a terceiros. Mas as pessoas abrem uma conta e aceitam as condições sem ler nada. O Facebook agora te pergunta se você quer compartilhar dados, de forma mais evidente, mas já fazia isso.

 

QUE SUGESTÕES PODE DAR ÀS PESSOAS PARA MELHORAR A PRESENÇA NO FACEBOOK?

Sobretudo, subir vídeos diretamente no Facebook, e não links por meio de outras plataformas, como YouTube. Utilizar Facebook Live, para transmitir vídeos ao vivo. Tudo isso ajuda muito a melhorar a visibilidade. Também cuidar muito da parte estética da conta, porque há pessoas que não colocam a foto, que não querem pôr o nome real… isso dá falta de credibilidade. Também evitar colocar só mensagens religiosas e, portanto, lançar mensagens de qualidades, não besteiras do tipo “estou comendo isso, essa é a foto do meu gato”. Isso não promove nada. E, depois, responder e compartilhar as coisas de outras pessoas. Não só publicar, mas levar ao mural o que é interessante dos outros. Não só emitir, mas realmente entrar em diálogo.

 

As opiniões expressas na seção “com a Palavra” são de responsabilidade do entrevistado e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do jornal O SÃO PAULO.


 

 

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