Escolas aprofundam a Doutrina Social da Igreja

Por
24 de setembro de 2018

Entre outros processos de formação, a Comissão Episcopal Pastoral para o Laicato apresenta em Roma esta semana, em encontro promovido pelo Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, a experiência do Centro Nacional de Fé e Política Dom Helder Câmara (Cefep).

O secretário-executivo do Centro, padre José Ernanne Pinheiro, em entrevista ao Portal da CNBB, explica que o Centro Nacional de Fé e Política foi criado em 2004, na presidência de dom Geraldo Magela. “O Centro Nacional é uma homenagem da CNBB a um de seus primeiros secretários cuja influência muito se nota ainda hoje em diversos trabalhos da Igreja no Brasil”, disse.

A criação do centro se deu sob a inspiração da Doutrina Social da Igreja para a qual a justiça é parte integrante da evangelização. Segundo padre Ernanne, a cidadania e a questão social integram a ideia do “homem integral”, classificada por Paulo VI como desenvolvimento integral.

O centro se organiza a partir de três áreas de atuação: a) as Escolas de Formação; b) Um rede de assessoria, que presta serviço tanto às escolas locais quanto às publicações que foram feitas para a Igreja; e c) Animação das escolas locais. Hoje são mais de 60 Escolas de Fé e Política espalhadas pelo Brasil.

As escolas tem como objetivo formar pessoas nos níveis local, regional e nacional. O curso nacional, desenvolvido em parceria com PUC Rio, é de dois anos, dividido entre etapas presenciais e à distância e com a exigência de apresentação de uma monografia ao final para a certificação dos participantes. “Estamos na 7ª turma nacional. Normalmente as turmas são de cerca de 50 alunos para facilitar o acompanhamento da produção de conhecimento”, destaca padre Ernanne.

Algumas monografias já foram publicadas. Entre elas, a da ex-aluna Maria Isabel de Cruz de Campinas (SP) sobre “A Mulher na Igreja e na Política”, pela Editora Outras Expressões e também de um ex-prefeito de Brasópolis (MG) João Mauro Bernardo cujo título é “Uma experiência de fé e Política”, que avaliou os critérios éticos utilizados em sua administração.

Além disto, o Cefet também desenvolve publicações com reflexão sobre a formação política de cristãos leigos à luz da Doutrina Social e do Magistério da Igreja, entre elas destacamos “Cristãos em Ação na Política”, publicado pela editora Santuário; e “Democracia, Igreja e Cidadania, com os textos usados na educação à distância”. O Cefep é um organismo da CNBB, ligado à Comissão Episcopal Pastoral para o Laicato, cujo presidente atualmente é dom Severino Clasen, bispo de Caçador (SC).

Comente

‘Redes sociais são pontes para chegar a outras pessoas’

Por
08 de mai de 2018

Muitos usuários de redes sociais começam a perceber a necessidade de pensar melhor acerca da vida on-line. O recente escândalo do Facebook com a empresa Cambridge Analytica, no qual a rede social divulgou informações de pelo menos 87 milhões de usuários, desde 2014, veio reforçar essa preocupação. 

Por outro lado, há algumas décadas, a Igreja olha para a internet como ambiente profícuo para a evangelização. Nesse contexto, O SÃO PAULO conversou com a Irmã Xiskya Valladares, doutora em Comunicação e professora universitária no Centro de Ensino Superior Alberta Giménez, em Mallorca, na Espanha. 

Irmã Xiskya é especialista em redes sociais e fundadora da Associação iMision (www.imision.org), que promove formação para a evangelização na internet. Ela acaba de lançar um livro chamado “Buenas prácticas para evangelizar en Facebook” (Boas práticas para evangelizar no Facebook), que pode ser adquirido on-line. 

“As redes sociais são uma ponte para chegar às pessoas e encaminhá-las para algo mais além”, diz sobre as oportunidades de transmitir a mensagem de Cristo. “Levam a conhecer novas pessoas e a encarar comunicações fora da rede”, avalia. 

Realista, ela entende que o Facebook não é a melhor rede para ir ao encontro de pessoas diferentes, pois o sistema “não favorece que você saia do entorno das pessoas que pensam igual a você”. Ainda assim, defende que ter conhecimento técnico pode levar a estratégias de comunicação mais eficazes. 

 

O SÃO PAULO - POR QUE ESCREVER SOBRE A EVANGELIZAÇÃO NO FACEBOOK?

Irmã Xiskya Valladares -

Primeiro, escrevi um livro sobre como evangelizar no Twitter. Foi um pequeno capítulo da minha tese de doutorado. Depois, percebi que a maioria das pessoas católicas estão no Facebook. É a rede social com mais usuários católicos, e com mais usuários em geral, no mundo. Claro que há muita boa vontade por parte das pessoas que querem usá-lo, mas há pouco conhecimento da parte técnica. Por isso, livro tem linguagem simples, para ser útil a qualquer pessoa.

 

POR QUE A IGREJA TEM DE ESTAR PRESENTE NAS REDES SOCIAIS?

Porque as redes sociais são ambientes onde as pessoas estão. Creio que os últimos Papas nos convidam a ir ao encontro dessas pessoas. Bento XVI as chama de “continente digital”, como um paralelismo como quando foram evangelizar a América. O Papa Francisco também nos diz que temos que sair às “ruas digitais” sem medo. E acredito que as pessoas estão aí porque é um lugar de encontro. São as novas praças públicas. São areópagos do mundo moderno. A Igreja tem de não só transmitir informações, mas também escutar e compartilhar com as pessoas, com o povo, com suas emoções, preocupações, perguntas e inquietudes.

 

UMA DAS CRÍTICAS FEITAS ÀS REDES É QUE PROMOVEM A AUTORREFERENCIALIDADE. VOCÊ CONCORDA?

Creio que algumas pessoas se tornam muito autorreferenciais, mas a maioria não. No Facebook é diferente do Twitter. O Facebook é a rede social mais recíproca, e por isso há mais autorreferencialidade. Mais do que no Twitter. Esta é uma das coisas que o Papa Francisco nos pede que evitemos. Se você é muito autorreferencial, inclusive se você é uma marca grande e importante, internacional, as pessoas não querem seguir você. Mas se você vai lhes levar algo, um valor agregado, algo que lhes faça pensar, então as pessoas querem. A regra geral é que só 20% das suas publicações sejam próprias, informações da própria marca ou instituição, e que 80% seja mais para as pessoas. É preciso pensar na audiência, nos seguidores, amigos e fãs.

 

O CONTRÁRIO DA AUTORREFERENCIALIDADE É O TESTEMUNHO?

Claro. É o testemunho pensando nos demais. O que precisam os demais? O testemunho não se faz sozinho. Falando de instituições, para estar nas redes sociais de maneira eficaz é preciso pensar bem, planejar bem. O testemunho, sobretudo, é essa escuta, esse diálogo, esse levar algo que seja útil para os outros.

 

O TESTEMUNHO É APRESENTAR-SE COMO CRISTÃO?

Sim, mas não só compartilhando mensagens expressamente religiosas. Porque não existe uma pessoa que esteja o tempo todo falando só de religião na vida real. E assim é também no digital. Compartilhar continuamente mensagem religiosas não ajuda nada. E isso também acaba sendo autorreferencial. Creio que é preciso ser você mesmo, como você é nas ruas, com os amigos, com a família, com as pessoas, transmitindo valores. Se acontece algo, em nível mundial, é interessante fazer uma leitura dessa realidade. Isso leva muito mais do que copiar uma citação do Evangelho, pois está conectado com os interesses das pessoas. Ou seja, não dar respostas demais, mas lançar perguntas.

 

É POSSÍVEL QUE ALGUÉM TENHA UMA VERDADEIRA EXPERIÊNCIA DE CONVERSÃO POR CAUSA DE ALGO QUE VIU NA INTERNET?

Sim, e posso contar a você uma experiência, de um diretor de um jornal que morreu há dois anos. Ele me encontrou nas redes, muitos anos antes, e a partir desse momento tivemos diálogos muito profundos. Ele era ateu e marxista. No entanto, quando morreu, ele estava reconciliado com a Igreja, havia se confessado, comungava e rezava o Terço todos os dias. Isso é uma experiência que ninguém imagina, mas é muito real.

 

ENTÃO, AS REDES PODEM LEVAR A UMA REFLEXÃO...

Leva a diálogos fora das redes, que são mais profundos. Isso leva a conhecer novas pessoas e a encarar comunicações fora da rede, mas que começaram na rede. As redes são um trampolim, uma ponte para chegar nas pessoas e encaminhá-las para algo mais além.

 

SEU LIVRO DIZ QUE O FACEBOOK NÃO É A REDE MAIS IDÔNEA PARA CHEGAR ÀS PESSOAS DISTANTES. POR QUÊ?

Porque quando se trata de contas pessoais, as conexões são recíprocas. Então, normalmente se tornam seus amigos as pessoas que já simpatizam com as suas ideias. Se você cria uma página (fanpage) os algoritmos do Facebook não favorecem que você saia do entorno das pessoas que pensam igual. A principal dificuldade é como funciona o Facebook e como faz seus algoritmos. Isso dificulta muito se conectar com pessoas mais distantes ou que pensam diferente de você.

 

O MOTIVO PARA O FACEBOOK FAZER ISSO É SABER O QUE VENDER AOS USUÁRIOS, CERTO?

Sim, sim.

 

O QUE É O “ALGORITMO” DO FACEBOOK?

É um código informático pelo qual se dá visibilidade às mensagens que as pessoas publicam. Esse código vai automatizar as mensagens e dizer “esta aqui tem mais pontos” ou “esta tem menos pontos”, em termos de visibilidade. É uma máquina que decide, não uma pessoa. Como o Facebook está pensado para a publicidade, eles precisam desse tipo de segmentação. Se quero vender uma moto, vou escrever para as pessoas que querem uma moto. Não vou mandar para senhoras idosas, por exemplo. O algoritmo favorece que a moto seja apresentada só para as pessoas que estão interessadas: gente mais jovem, mais meninos do que meninas. Isso funciona em tudo no Facebook.

 

 

O MESMO PARA MENSAGENS RELIGIOSAS?

Se vou publicar algo relacionado ao Evangelho, ele vai apresentar mais facilmente para pessoas que mostraram um interesse religioso, católico ou cristão. Não para outros. Por que eu nunca leio o que escrevem os muçulmanos? Porque o Facebook sabe que sou católico. Isso não favorece o encontro.

 

AINDA ASSIM, TEMOS QUE TENTAR USAR O MECANISMO A NOSSO FAVOR…

Exato. Para isso, falta transformar nossa linguagem, transformar nossas imagens, e apresentar algo mais real, o que as pessoas querem ver. Pensar no público a que nos dirigimos. Os grupos são muito importantes, pois o algoritmo não é tão duro com os grupos quanto com as fanpages.

 

QUAL É A DIFERENÇA, NO FACEBOOK, ENTRE GRUPO, PÁGINA E CONTA PESSOAL?

As contas pessoais só podem ser de pessoas concretas, com nome e sobrenome, e são mais limitadas nas estatísticas. Os grupos se parecem com contas pessoais, mas são de muitas pessoas, e não têm estatísticas. As páginas são as únicas que estão pensadas para instituições, marcas comerciais, ONGs, qualquer tipo de marca que não é uma pessoa, inclusive personagens públicos. Oferecem, portanto, um monte de estatísticas. Você pode jogar com elas para melhorar a sua visibilidade no Facebook. Já nos grupos, não. Acredito que não podemos ficar só com a página, mas é necessário ter um grupo também, pois ajuda a visibilizar o que publica a página; e a página, para medir as estatísticas, usar mais ferramentas, e dar a informação mais oficial da sua marca.

 

 

O QUE VOCÊ PENSA DA MANEIRA COMO O FACEBOOK USA OS DADOS DOS USUÁRIOS? RECENTEMENTE, O FUNDADOR, MARK ZUCKERBERG, TEVE QUE DAR EXPLICAÇÕES NO SENADO DOS ESTADOS UNIDOS

 

O problema está em que somos nós mesmos que cedemos nossos dados, mas não temos a educação suficiente para saber que dados estamos dando. Ninguém obriga o Facebook a publicar todos os nossos dados. Somos nós mesmos que o fazemos. O Facebook só pede um nome de usuário e e-mail, obrigatórios. Porém, todo mundo coloca todos os dados. E voltamos a cedê-los cada vez que damos permissão a um aplicativo para que se conecte por meio da conta do Facebook. E nem sempre somos conscientes disso. O que falta é educação digital para que as pessoas saibam o que estão dando, onde e para quê.

 

É ALGO QUE JÁ VEM ACONTECENDO HÁ ALGUNS ANOS…

Não é uma questão nova, não é algo que só o Facebook faz. Todas as redes sociais fazem o mesmo, inclusive o Google. Quando temos nossos dados no Google, Gmail, no Google Drive, estamos dando um monte de dados e informações que podem ser aproveitadas para a publicidade. Proibir ou censurar o Facebook de obter dados também limita a liberdade das pessoas. Mas falta educação para que as pessoas saibam o que estão dando, onde e para quê. Esse é o problema principal. Os governos têm que se preocupar, não só com a privacidade, mas que nas escolas haja educação digital

 

MAS A EMPRESA TEM QUE SER MAIS ABERTA SOBRE COMO USA OS DADOS?

A empresa quer a publicidade. Pode-se exigir que seja um pouco mais transparente em conhecer que dados estão usando para entregar a terceiros. Mas as pessoas abrem uma conta e aceitam as condições sem ler nada. O Facebook agora te pergunta se você quer compartilhar dados, de forma mais evidente, mas já fazia isso.

 

QUE SUGESTÕES PODE DAR ÀS PESSOAS PARA MELHORAR A PRESENÇA NO FACEBOOK?

Sobretudo, subir vídeos diretamente no Facebook, e não links por meio de outras plataformas, como YouTube. Utilizar Facebook Live, para transmitir vídeos ao vivo. Tudo isso ajuda muito a melhorar a visibilidade. Também cuidar muito da parte estética da conta, porque há pessoas que não colocam a foto, que não querem pôr o nome real… isso dá falta de credibilidade. Também evitar colocar só mensagens religiosas e, portanto, lançar mensagens de qualidades, não besteiras do tipo “estou comendo isso, essa é a foto do meu gato”. Isso não promove nada. E, depois, responder e compartilhar as coisas de outras pessoas. Não só publicar, mas levar ao mural o que é interessante dos outros. Não só emitir, mas realmente entrar em diálogo.

 

As opiniões expressas na seção “com a Palavra” são de responsabilidade do entrevistado e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do jornal O SÃO PAULO.


 

 

Comente

‘Sou uma apaixonada por Deus e pela vida que eu abracei’

Por
08 de fevereiro de 2018

Formada em Filosofia, História, Pedagogia, Mestra em Educação com especialização em Pastoral Juvenil e Doutora em Psicologia pela USP, Irmã Adair Aparecida Sberga, 54, falou ao O SÃO PAULO sobre aquilo que dá realmente sentido à sua vida: ser religiosa consagrada. Há 32 anos na Congregação das Filhas de Maria Auxiliadora (Salesianas), Irmã Adair, que atualmente é Diretora Executiva da Rede Salesiana de Escolas do Brasil e Vice-Presidente da Associação Nacional das Escolas Católicas (ANEC), afirmou que a vida religiosa “é um sinal para o mundo de que as pessoas podem ser felizes quando se voltam para o seu interior, onde está o amor, onde está Deus”. 

 

O SÃO PAULO – COMO FOI O DESPERTAR DA SUA VOCAÇÃO PARA A VIDA CONSAGRADA?

Irmã Adair Aparecida Sberga – Eu participava do grupo de jovens de minha paróquia, onde nós desenvolvíamos atividades como catequese, visitas a asilos e atividades de solidariedade. Certa vez, o nosso pároco nos falou sobre se apaixonar por Jesus Cristo. Isso me tocou profundamente. Um dia, em uma procissão, eu vi uma religiosa de hábito e comecei a pensar que também poderia ser igual a ela. O desejo que sentia era de estar a serviço. No lugar de me dedicar a uma pessoa só, a uma família, queria estar disponível para servir a outras pessoas. Eu comecei a frequentar encontros vocacionais e procurei uma religiosa para conversar. Eu já havia concluído o ensino médio, tinha um bom emprego, mas deixei tudo para seguir ao chamado. No início, foi muito difícil, porque minha família não aceitava minha decisão. Aos poucos, eles foram percebendo que era um chamado de Deus. 

 

COMO A SENHORA DEFINE A VIDA CONSAGRADA A PARTIR DA SUA PRÓPRIA EXPERIÊNCIA?

É uma entrega de consagração a Deus, um serviço de doação naquilo que fazemos com total gratuidade. Não é uma fuga do mundo, mas um compromisso maior que assumimos com o mundo e com a humanidade. As palavras serviço e disponibilidade são muito fortes para mim, além do amor às crianças, adolescentes e jovens. Tanto que, por isso, sou uma irmã salesiana. Sou muito feliz. Sinto a bondade e o amor de Deus me conduzindo para dar testemunho da santidade, da radicalidade das bem-aventuranças. Quando eu decidi seguir a vida religiosa, eu manifestei a um padre minha dúvida de que se tratava mesmo de um chamado de Deus ou era só uma vontade minha. Então, ele me disse: “Minha filha, se você quer é porque Deus também quer”. Deus não vai pedir para mim algo que vá contra minha natureza. A correspondência ao chamado de Deus é justamente se sentir feliz naquilo que está fazendo. A vida religiosa é uma das formas de viver a vocação universal à santidade. 

 

COMO EXPLICAR OS VOTOS DE POBREZA, CASTIDADE E OBEDIÊNCIA NOS DIAS DE HOJE?

A obediência não significa ser uma pessoa subserviente. Mas é obedecer ao próprio Deus que se manifesta na nossa vida. O voto de obediência é estar atento àquilo que a própria vida nos coloca e deixar que Deus conduza a nossa história. Muitas vezes queremos fazer a nossa vontade, do nosso jeito. Porém, quando me coloco na perspectiva de Deus, ele me conduz para que eu possa dar os frutos que ele espera que eu dê. Portanto, é uma abertura para a ação de Deus. A castidade é a radicalidade do amor. Às vezes, as pessoas relacionam a castidade somente com sexualidade, mas ela é muito mais ampla. É a capacidade de amar e crescer no amor ao próximo. Por isso, estamos abertas a amar a todos e não somente a uma pessoa. É ter um coração indiviso que ama com mais intensidade a todas as pessoas nas suas condições de vida. Já a pobreza é a grande disponibilidade à gratuidade. O meu tempo não é só para mim, aquilo que temos, dividimos. Não é só não ter, mas a possibilidade de uma partilha maior. 

 

O QUE SUSTENTA A SUA VOCAÇÃO?

Em primeiro lugar, a oração. Nem sempre eu estou na capela, por conta da missão exigente que desempenho atualmente. Mas o tempo todo eu estou rezando. Tudo o que faço coloco na presença de Deus. Eu sinto sua presença. É essa proximidade com o divino que me sustenta. Sou uma apaixonada por Deus e pela vida que eu abracei.

Deus nos fala muito também por meio da vida comunitária. Não é simples viver em comunidade, pois convivemos com pessoas de todos os tipos. Mas a comunidade me ajuda a me constituir cada vez mais como pessoa. O tempo todo, a comunidade me dá a possibilidade de confronto para saber se estou vivendo com radicalidade aquilo que professo. Uma sustenta a vocação da outra. A vida comunitária é fundamental na vida religiosa para que não nos percamos na estrada. 

 

EM MEIO AOS MUITOS TRABALHOS, NÃO EXISTE O PERIGO DE CAIR NO ATIVISMO?

São muitas as exigências do mundo contemporâneo e muitas as atividades a serem realizadas pelos religiosos. Realmente, nós podemos cair no ativismo. Mas não é o fazer muitas coisas que conduz ao ativismo, e, sim, o modo como fazemos. Precisamos dar sentido a tudo o que realizamos. Quando trabalhamos na presença de Deus, aquilo não nos esgota. No entanto, precisamos ter consciência de que, como seres humanos, temos um limite de natureza física. Por isso, temos que ir até onde nossa saúde suporta. Porque, se nós nos esgotarmos demais, vem a irritação, o cansaço, a perda do entusiasmo e até do amor que sustenta a vida. E necessário cuidar da saúde física para ter uma boa espiritualidade. 

 

COMO FILHA DE MARIA AUXILIADORA, QUAL É O PAPEL DA NOSSA SENHORA NA SUA CONSAGRAÇÃO?

Nossa Senhora é uma presença muito especial em minha vida. Quando eu era irmã bem jovenzinha, uma religiosa me disse: “Quer salvar a famílias, reze o Terço todos os dias”. Aquela foi uma palavra de Deus em minha vida. Com essa oração, eu já alcancei muitas graças da Mãe de Jesus. Uma vez, rezando o Terço, eu vi Nossa Senhora. Isso não é impossível, quando nos abrimos para Deus, tudo é possível. Ela é uma mediadora de Deus, intercessora. Ela é uma boa mãe que nos acompanha. 

 

A SENHORA TEVE EXEMPLOS QUE A INSPIRARAM NA VOCAÇÃO?

Muitas irmãs com quem eu convivi foram mulheres muito fiéis, estudiosas, de uma grande doação, com uma sabedoria de vida que nos provocava. Elas nos davam o testemunho de coerência. Recentemente, em Natal (RN), encontrei-me com uma religiosa de 97 anos, muito lúcida, com um enorme desejo de viver a santidade. Esses exemplos de abertura de vida, desejo de viver na bondade, na pureza e nobreza de vida nos inspiram muito.

 

QUAL É A CONTRIBUIÇÃO DA VIDA CONSAGRADA PARA MUNDO?

A vida religiosa consagrada é marcada pelo despojamento e pela vivência da radicalidade e daquilo que é essencial. Nós vivemos em uma sociedade que fez a opção pelo consumo, pela materialidade e pelo individualismo. Cada vez que as pessoas vão em busca disso, se afastam do encontro com a sua interioridade. A vida consagrada nos ajuda a encontrar essa interioridade. A vida religiosa é um sinal para o mundo de que as pessoas podem ser felizes quando se voltam para o seu interior, onde está o amor, onde está Deus.

 

ENTÃO, VALE A PENA SER UMA CONSAGRADA?

Sim! Cada um tem que descobrir para o que Deus o chama e ter a abertura para esse chamado. Não dizer logo “isso não é para mim”. Deus chama, mas as pessoas precisam responder. E, se alguém recebeu o chamado à vida religiosa consagrada, será feliz assim, correspondendo ao dom que Deus lhe deu. 

 

As opiniões expressas na seção “Com a palavra” são de responsabilidade do entrevistado e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do jornal O SÃO PAULO.
 

Comente

Para pesquisar, digite abaixo e tecle enter.