SÃO PAULO

Bastidores da política

Políticos querem convencer que ter caixa 2 é normal

Por Daniel Gomes
28 de março de 2017

Lideranças de diferentes partidos articulam nos bastidores a descaracterização da prática do caixa 2 como corrupção

O avanço das investigações da operação Lava Jato tem revelado o possível envolvimento de políticos de diferentes partidos – não obstante em diferentes proporções – em operações de caixa 2 eleitoral, com movimentações irregulares de recursos ao longo das campanhas, com repasses feitos por fora da contabilidade oficial que todo candidato deve enviar à Justiça eleitoral.

Desde o segundo semestre de 2016, há articulações na Câmara dos Deputados e no Senado para anistiar a prática do caixa 2. Em novembro, parlamentares tentaram inclui-la no projeto das Dez Medidas Contra a Corrupção, que, inicialmente proposto pelo Ministério Público Federal, postulava justamente o contrário: a criminalização de tal prática, incluindo a responsabilização dos partidos políticos.

À época, a tentativa encontrou resistência na sociedade. A CNBB, por exemplo, divulgou nota em novembro manifestando “veemente repúdio a qualquer iniciativa que vise anistiar o crime de ‘caixa 2’, ou mesmo, abrandar suas penalidades”. A conferência dos bispos enfatizou: “Essa prática macula as eleições e estimula a corrupção, corroborando para a confusão entre interesse público e particular” e desejou “que os membros do Congresso Nacional não apoiem tamanha afronta à dignidade do país. Seria inaceitável, para um parlamento que preza pela honestidade e respeita o mandato recebido, aprovar tal projeto”.

A proposta de anistia ao caixa 2 e a tentativa de descaracterizar essa prática como corrupção voltou com toda força ao discurso dos políticos nas últimas semanas após Rodrigo Janot, procurador-geral da República, ter enviado ao Supremo Tribunal Federal pedidos de abertura de inquérito, no âmbito da Lava Jato, de políticos citados nas delações da Odebrecht.

José Eduardo Cardoso (PT), ex-ministro da Justiça, por exemplo, disse reconhecer que o caixa 2 é ilegal, mas que nem sempre é sinal de corrupção, pois, “às vezes, se doa o dinheiro sem que você efetivamente saiba a origem. Há situações distintas: a corrupção tem uma origem, caixa 2 tem outra”, afirmou. Também Fernando Henrique Cardoso (PSDB), ex-presidente da República, declarou que “há uma diferença entre quem recebeu recursos de caixa 2 para financiamento de atividades político-eleitorais, erro que precisa ser reconhecido, reparado ou punido, daquele que obteve recursos para enriquecimento pessoal, crime puro e simples de corrupção”. E até o ministro Gilmar Mendes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), chegou a afirmar que o caixa 2, em alguns casos, pode ser uma opção das empresas para que suas doações sejam desconhecidas, a fim de eviter desgastes com outros políticos.

Imoral

Atualmente, não há uma legislação que tipifique o caixa 2 como crime. No entanto, tal prática pode ser punida, com prisão de até cinco anos, com base no artigo 350 do Código Eleitoral, que proíbe a movimentação de recursos de campanha sem a correta prestação de contas. Além disso, se o recurso de caixa 2 for ilícito, a transação pode ser enquadrada em outros crimes, como peculato (desvio de dinheiro público) e lavagem de dinheiro.

Em entrevista ao O SÃO PAULO, o jurista Luiz Flávio Gomes, doutor em Direito Penal, explicou que caixa 2 e corrupção são coisas diferentes, mas igualmente graves. “Caixa 2 significa uma ajuda financeira não declarada na justiça eleitoral, que é diferente de corrupção. Corrupção sempre tem uma troca: você me ajuda e eu lhe dou em troca algum benefício público – contrato, empréstimo subsidiado, por exemplo. Na minha opinião, o Congresso está querendo aprovar um ‘suicídio coletivo’, pois é uma imoralidade, um absoluto desprezo dos políticos pela população, que será o estopim que levará a população para as ruas”, afirmou.

Ainda segundo o jurista, a proposta dos parlamentares de anistiar o caixa 2 é inconstitucional. “Viola o artigo 37 da Constituição, que cuida da moralidade e da impessoalidade dos atos públicos. Uma lei de anistia, neste caso, viola completamente a moralidade, porque eles estão fazendo a lei para eles mesmos”, detalhou.

Paulo Camargo, doutor em Política e professor nas Faculdades Integradas Rio Branco, também lamenta que o Congresso esteja legislando em causa própria e acredita que, caso a anistia ao caixa 2 seja aprovada, haverá poucas perspectivas de mudanças políticas.

“O caixa 2 é como um grande balcão de negócios, em que aqueles que representam poderes econômicos muito grandes, têm maior facilidade de adquiri-lo, enquanto novas lideranças de outros segmentos da sociedade civil não têm esse poder. Fica um jogo muito desigual, em que estes não têm possibilidade de fazer uma campanha eleitoral para ser conhecidos, e assim serem eleitos”, opinou à reportagem.

Tipificação

Sem a certeza de que conseguirão a anistia explícita na lei à prática de caixa 2, alguns políticos já afirmam que uma nova legislação não poderá retroceder para atos já cometidos.

No entender do jurista Luiz Flavio Gomes tais discursos não têm fundamento. “Esse argumento é mentiroso, porque parte do princípio de que hoje o caixa 2 não é crime. Isso é mentira. Atualmente, o caixa 2 é crime, está no artigo 350 do Código Eleitoral. Se uma lei nova vier, a regulamentação nova vai valer para os fatos novos, mas os antigos continuam regidos pelo artigo 350 do Código Eleitoral”, garantiu.

O jurista também considera que a tipificação do crime de caixa 2 até pode ser dispensável, caso se melhore a redação do artigo 350. “Hoje está muito mal escrito. Então, o que se deve fazer: melhorar a redação dele para fatos futuros e os antigos seguem pelo o que hoje está”.

Já Paulo Camargo defende a tipificação do crime. “É importante, porque quanto mais você tipifica, coloca critérios jurídicos, mais argumentos você tem para cercear alguma prática ilegal”, disse, considerando a anistia ao caixa 2 um retrocesso para o país.

(Com informações da BBC, Folha de S.Paulo, Agência Brasil, Congresso em Foco e MPF)

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