NACIONAL

COM A PALAVRA

Edith Stein inspira as mulheres a assumir os desafios do tempo presente

Por Daniel Gomes
19 de março de 2020

Uma mulher que soube viver profundamente imersa nas questões que seu momento histórico lhe impôs, sem sucumbir a elas

A filósofa alemã Edith Stein (1891-1942) nasceu judia, converteu-se ao catolicismo após ler a autobiografia “Livro da Vida”, de Santa Teresa de Ávila, e ingressou no carmelo aos 42 anos de idade.
“A vida e obra de Edith Stein inspiram as mulheres a ter coragem de viver seu próprio caminho, com autenticidade, feminilidade, maternidade humana e/ou espiritual”, afirma, nesta entrevista, a pedagoga Magna Celi Mendes da Rocha, 41, mestre e doutora em Psicologia da Educação. Atual assessora da Pastoral Universitária da PUC-SP, Magna dedica-se ao estudo de Edith Stein – Santa Teresa Benedita da Cruz – e em 2014 apresentou a tese de doutorado “O sentido de formação em Edith Stein: fundamento teórico para uma educação integral”. 

O SÃO PAULO  – Judia de nascimento, batizada no catolicismo aos 30 anos e ingressante no carmelo aos 42 anos. Nos dias de hoje, em que se ressalta o protagonismo feminino, Edith Stein, que viveu na primeira metade do século XX, pode ser considerada uma mulher à frente de seu tempo?
Magna Celi Mendes da Rocha – Prefiro considerar que a grande marca de Edith Stein foi a de ser uma mulher “do seu tempo”. Uma mulher que soube viver profundamente imersa nas questões que seu momento histórico lhe impôs, sem sucumbir a elas. Tinha uma percepção muito apurada da realidade e utilizava todos os recursos que possuía para contribuir e transformar. Viveu durante as duas Guerras Mundiais, tendo servido como enfermeira da Cruz Vermelha durante a Primeira Guerra. Viveu como mulher em um período de lutas pela emancipação feminina, pelo direito ao voto, abertura das universidades para as mulheres, entre outras conquistas. Viu o surgimento e crescimento do nazismo, sofreu forte perseguição, mas em cada um desses acontecimentos procurou dar sua contribuição a partir de seus escritos, seu trabalho, seu ser mulher, sua vida colocada a serviço até as últimas consequências.   

A partir da biografia de Edith Stein, como pode ser entendido este protagonismo feminino? Em que difere do que alguns grupos radicais feministas dão a essa expressão?
Edith Stein, em sua história de vida, foi influenciada por três grandes mulheres: sua mãe, Teresa de Ávila e Nossa Senhora. A senhora Auguste Stein ficou viúva, com sete filhos, com idades variando entre 1 e 17 anos, e com dívidas a serem pagas. Os familiares, com quem tinha um relacionamento muito estreito, especialmente os irmãos, aconselharam-
-na a vender o comércio, pagar as dívidas e contar com o apoio familiar para o que fosse necessário.  Contrariando a todos, ela decidiu tocar os negócios do marido e os fez prosperar, tornando-se uma grande comerciante de madeira da região. Com sua mãe, Stein aprendeu o valor da fé, do trabalho e a importância da família. Teresa de Ávila tinha vivacidade, bom humor, coragem e determinação, que marcaram profundamente a vida de Stein, a ponto de, mais tarde, tornar-se carmelita. Em Nossa Senhora, via a expressão mais profunda de maternidade, não restrita apenas ao círculo familiar, mas uma maternidade espiritual, como a Mãe de Misericórdia, arraigada do amor universal. Marcada pelo testemunho dessas mulheres, Edith Stein acreditava no protagonismo e na emancipação femininas. Participou do movimento feminista alemão, do movimento sufragista (em defesa do voto feminino), acreditava no potencial feminino para além do ambiente doméstico, mas não aderia a todas as pautas indiscriminadamente, sobretudo as que negavam as diferenças entre homens e mulheres e propagavam a aversão ao Matrimônio e aos filhos. Para ela, a contribuição que a mulher poderia dar à sociedade seria a partir de sua singularidade feminina, não como uma sósia ou inimiga dos homens, mas em sua feminilidade, maternidade e empatia. 

Antes da entrada de Edith Stein no carmelo, ela teve intensa produção pedagógica e acadêmica. Quais os traços essenciais dos escritos que ela produziu?
Edith Stein tinha forte interesse pela formação humana. Desejava uma educação que formasse o ser humano em todas as dimensões (corpo, psique e espírito), não apenas uma pseudo formação, voltada somente para a aquisição de conteúdos, o que ela chamava de “formação enciclopédia.” Embora ainda não utilizasse a expressão educação integral, era assim que concebia uma formação autêntica. São, ainda hoje, comuns propostas formativas reducionistas que visam preparar “para o mercado de trabalho”, “para o vestibular”, “para o pensamento crítico.” Isoladamente, nenhuma dessas propostas é suficiente. Sua obra pedagógica sofreu forte influência de São Tomás de Aquino, de modo que não concedia uma formação apenas para essa vida, mas buscava formar homens e mulheres em vista da eternidade. 

Esse olhar para a educação que ajude a uma formação humana integral teve ramificações em outras áreas do saber ao longo do século XX? 
Esse olhar integral ou holístico sobre o ser humano tem sido valorizado nas mais diversas áreas do conhecimento. O Papa João Paulo II, na Encíclica 
Fides et ratio, recorda a necessidade de se alcançar uma “visão unitária e orgânica do saber”, uma vez que “a subdivisão, enquanto comporta uma visão parcial da verdade com a consequente fragmentação do seu sentido, impede a unidade interior do homem de hoje” (1998, 84).  

Na cerimônia de canonização de Edith Stein, São João Paulo II afirmou que ela conseguiu compreender que o amor de Cristo e a liberdade do ser humano se entretecem, porque o amor e a verdade têm uma relação intrínseca. Quais passagens da vida de Edith Stein reforçam o que disse o Papa? 
A busca pela verdade foi um grande motor da vida de Stein. Ela afirmava que quem busca a verdade, ainda que não saiba, busca a Deus. Em sua vida adulta, mesmo quando esteve distante de questões religiosas, tinha uma abertura às pessoas e suas necessidades. Esse compromisso com os outros e às questões do tempo presente colocaram Edith Stein em um compromisso renovado e livre que foram forjando sua personalidade.
Ela vivenciou tempos sombrios, situações-limite. Sabemos que em tempos de crises profundas, é necessário separar o essencial do acessório, o que é precioso do que é vil. Stein foi sendo conduzida a uma busca cada vez mais profunda a respeito da essência das coisas, seguindo o método fenomenológico e, pela via da fé, a uma busca incessante pela verdade sobre o ser humano, sobre si mesma. Suas vivências vão forjando sua personalidade, conduzindo-a por caminhos não planejados, mas livremente assumidos, até as últimas consequências. Edith Stein é uma autora que personifica a coerência entre vida e obra.

O quão importante é atualmente falar de uma mulher com tantas virtudes?
O protagonismo de Edith Stein é fruto de uma vivência autêntica de fé, primeiramente herdada de seus antepassados, depois assumida como algo pessoal. O sentido de pertencimento ao povo judeu e responsabilidade social, ampliadas pela experiência cristã, potencializaram suas marcas de coragem, ousadia e determinação. Ela é um testemunho que inspira muitas mulheres ao redor do mundo a assumir os desafios próprios de seu tempo e comprometer suas vidas, assumindo sua missão pessoal, a serviço do bem comum, onde quer que estejam inseridas: na família, no trabalho, na política, nos estudos etc. 

O que as mulheres de hoje têm a aprender desse itinerário de fé vivido por Edith Stein?
A vida e obra de Edith Stein inspiram as mulheres a ter coragem de viver seu próprio caminho, com autenticidade, feminilidade, maternidade humana 
e/ou espiritual, sabendo que cada pessoa é única e um dom a serviço dos outros. Sua vida nos ensina a não nos deixar aprisionar por extremismos, modismos, visões ultrapassadas que desfiguram ou menosprezam as nossas potencialidades femininas.

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