NACIONAL

Economia doméstica

É hora de ajustar as contas do mês

Por Daniel Gomes
03 de abril de 2020

Com o isolamento social recomendado para evitar a proliferação do novo coronavírus, as receitas de muitas famílias sem renda fixa caem. Elencar prioridades de pagamentos, negociar algumas dívidas e evitar empréstimos bancários são algumas das saídas.

Reprodução da internet

O Governo Federal promete iniciar na próxima semana o pagamento de uma renda básica emergencial de R$ 600 a trabalhadores informais, autônomos e pessoas sem renda fixa. Aproximadamente 54 milhões de pessoas devem ser beneficiadas com os recursos que ajudarão a compensar a redução da renda familiar em tempos de isolamento social para evitar a proliferação do novo coronavírus.

Apesar de a medida que prevê o pagamento emergencial ter sido sancionada na quinta-feira, 2, ainda não há detalhes sobre como será a operacionalização dessa transferência de renda. Assim, não é improvável que para muitas dessas famílias as contas do mês cheguem antes do recurso emergencial e que com o dinheiro que dispõem não seja possível saldar os todos os compromissos, como as contas de água, energia elétrica, plano de telefone celular, a prestação do imóvel ou aluguel do mês.  

Para auxiliar no planejamento das conta domésticas mensais, o jornal O SÃO PAULO conversou com a economista Cristiane Mancini, que também é mestre em Economia pela PUC-SP. “A primeira medida a ser feita é reavaliar todas as contas da família”, e elencar “aquilo que é de fato necessário, os bens que podem ser substituídos ou os que podem ser dispensados no momento atual”.

Priorize o pagamento das contas de água e de energia elétrica

Neste mês e também em maio e junho, por determinação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), mesmo que um consumidor deixe de pagar a conta de energia elétrica, ele não terá o fornecimento interrompido. Isso não significa que as dívidas serão perdoadas: multas e juros sobre valores não pagos continuarão sendo aplicados.

A Aneel estuda conceder a famílias de baixa renda isenção no pagamento. A medida beneficiaria aproximadamente 10 milhões de famílias, mas ainda não está oficializada.

Em São Paulo, o Governo do Estado já concedeu isenção no pagamento da conta de água e de esgoto a 506 mil famílias de baixa renda. Anteriormente, elas pagavam a tarifa social, o valor mais baixo cobrado pela Sabesp.

Cristiane avalia que apesar dos recursos mais escassos, as famílias devem priorizar o pagamento das contas de água e de energia elétrica. “Mesmo que haja a possibilidade de pagar em outro momento, o cenário para muitos é ainda mais incerto, não conhecendo se haverá a mesma receita, se estará empregado, dentre outras variáveis que precisam ser consideradas. Além disso, uma vez que se deixa de liquidar essa conta neste mês, ela deverá ser paga a posteriori, somando-se à do novo mês. Essa família precisará ter muito controle financeiro para que saiba poupar este montante, não gastando-o para que o tenha no momento futuro”, alertou.

Pause o pagamento do imóvel apenas se não houver outra alternativa

Por causa da pandemia do novo coronavírus, a Caixa Econômica Federal, que financia a maior parte dos empreendimentos imobiliários do País, já anunciou que os clientes podem requerer uma pausa no pagamento das prestações por até três meses.

Quando a situação econômica for normalizada, essas prestações pausadas serão incorporadas ao saldo devedor. Na prática, apesar do alívio imediato nas contas, o custo final do imóvel será mais caro, pois a dívida demorará mais para ser paga com o banco.

Cristiane afirma que se a prestação do imóvel “couber no orçamento mensal”, ainda que com “apertos”, é melhor que já seja paga.

“Recomendo que essa família quite sim a sua parcela, honre seus compromissos neste momento. Muitas vezes, a família tem a ilusão de que dada a possibilidade de pagamento posterior, ela pode usufruir desse montante gastando-o em outras aquisições, independente quais sejam. Isso traz uma ilusão de aporte financeiro, mas a dívida ainda existe, somente criou-se a possibilidade de pagamento posterior que será incrementado por uma taxa de juros que não seria se assim não o fizesse”, orienta.

Negocie os valores e as condições do aluguel

Parte significativa do orçamento das famílias de baixa renda está comprometida com o pagamento do aluguel do imóvel onde vivem. Neste momento, a regra é negociar.

Em recente nota à imprensa, o sindicato da habitação do estado de São Paulo, Secovi-SP, indicou que “muitos inquilinos começam a solicitar flexibilidade dos proprietários para o pagamento dos aluguéis em decorrência da diminuição ou mesmo estagnação da atividade econômica do setor em que atuam”. A entidade afirma que tem recomendado a proprietários e locatários que negociem os contratos e que “uma das alternativas mais recorrentes é a postergação dos aluguéis em parte ou na sua totalidade, conforme a dificuldade momentânea do inquilino, e por um período curto. Ao final do mês subsequente, as partes devem rever a situação e definir possível prorrogação do prazo”.

Cristiane Mancini recomenda que o locatário negocie com o proprietário do imóvel, explicando a situação atual da família e suas necessidades. “Caso não haja acordo para a reavaliação do valor, sugiro procurar um novo local que ‘caiba no orçamento’ e não sacrifique a família”, afirma.

Na sexta-feira, 3, o Senado aprovou regras transitórias para a locação de imóveis, com vistas a preservar contratos e servir de base para futuras decisões judiciais. Um dos pontos do projeto de lei é que não se concederá liminar para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo ajuizadas até 30 de outubro de 2020. O projeto também original previa a permissão para o atraso no pagamento de aluguel por conta de demissão, redução de carga horária ou diminuição de remuneração do locatário, mas este artigo foi vetado pelo Senado. O texto agora segue para nova apreciação da Câmara dos Deputados.

Seja rigoroso com a lista de supermercado

Gastos com alimentação também são parte significativa dos custos mensais das famílias. Em época de orçamento mais enxuto, pesquisar preços e evitar a compra de itens desnecessários são uma boa medida de economia doméstica.

“Um conselho é fazer uma lista de bens de primeira necessidade, ou seja, aqueles que não há possibilidade de se manter em sua ausência. Aqueles que são supérfluos, como cremes, lácteos mais custosos, salgadinhos, bolachas, tortas e alguns congelados podem ser retirados da lista. É a possibilidade de uma economia saudável, sobrando para as outras contas que a família tem a pagar”, afirma Cristiane.

“Pesquisar também é sempre uma ótima recomendação. Não comprar o primeiro produto visto no mercado, observar os mesmos produtos, mas de marcas diferentes, não circular por muitas gôndolas para que não ‘caia na tentação’ de comprar produtos desnecessários”, complementa a economista.

Ajuste os planos de tevê por assinatura e do telefone celular

Outras contas que podem ser reduzidas em época de contenção de gastos são as dos planos de telefonia celular e dos pacotes de tevê por assinatura. Nestes casos, renegociar é novamente o verbo do momento.

“No caso de celulares, opte por solicitar a adesão a um plano controle, que permitirá acesso à internet, a um vasto número de mensagens e chamadas, o que é bastante suficiente. No caso da tv a cabo, o mesmo. Solicite um plano que caiba em sua realidade, como um plano com acesso a um número menor de canais. Sabemos que os consumidores não assistem a todos os canais. Opte por um pacote que de fato usufrua neste momento. Essas ações certamente auxiliaram a reduzir em 50% os gastos de telefonia e assinaturas. Além da opção por assinaturas digitais, com preços reduzidos. E se tratando de negociação, sim é possível. O indicado é ligar para a sua operadora e propor uma negociação. Neste momento, todas as empresas estão bastante abertas para negociação com o intuito de manter seus clientes”, orienta Cristiane.

Empréstimo bancário: só em último caso

Os cinco maiores bancos do País - Banco do Brasil, Bradesco, Caixa, Itaú Unibanco e Santander já se comprometeram a prorrogar por até 60 dias os vencimentos de dívidas de clientes pessoas físicas e micro e pequenas empresas para os contratos vigentes em dia e limitados aos valores que já foram usados pelo consumidor.

A Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) orienta que os clientes entrem em contato com o banco em que têm conta para se informar sobre as condições oferecidas para prorrogar as dívidas.

Se renegociar dívidas já existentes pode ser uma boa alternativa, adquirir um empréstimo com o banco não é o mais aconselhável, de acordo com Cristiane Mancini.  “Se existe a real necessidade de adquirir empréstimos é uma opção, no entanto, ainda vemos taxas de juros extremamente elevadas. Recomendo empréstimos sempre em último caso”.

Não se iluda com o limite do cartão de crédito

A economista também alerta que não se deve pensar no limite do cartão de crédito como alternativa para conseguir pagar todas as contas mensais.

“O limite do cartão de crédito te oferece o falso dever cumprido, a ideia de que foi paga a conta, o que na verdade não ocorre, pois no mês seguinte ou no outro a família ou o indivíduo terá que pagar da mesma forma. E essa família ou esse indivíduo sabe com 100% de certeza se está garantido em seu emprego nesses meses à frente? Terá esse montante a pagar nesses próximos meses? Ou simplesmente está jogando para a frente algo que não conseguirá arcar mesmo no futuro?”, observa.

Cristiane aconselha que todas as contas da família sejam centralizadas em um único cartão de crédito, “optando por aquele que isenta o pagamento da anuidade. O mesmo vale para contas correntes”.

Um dia a dívida precisará ser paga, portanto, planeje-se!

Por fim, um alerta fundamental: a dívida que não for paga neste momento um dia precisará ser saldada. Assim, é indispensável já se programar para isso.

“Há maneiras de se programar. Por exemplo: calcular os juros que virá embutido nessa conta no futuro. Assim, se o valor da conta é X e o 5%, o indivíduo precisará ter em mente que além dos X, precisará ter mais 5% quando for sanar a dívida. Em qualquer renegociação ou postergação de pagamento é necessário conhecer todas as cláusulas, opções que serão dadas, para que no futuro se tenha a clareza do montante a ser pago”, conclui a economista Cristiane Mancini.

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