SÃO PAULO

Pandemia

Como está a rede de atenção básica de saúde da capital um mês depois das mudanças?

Por Daniel Gomes
25 de abril de 2020

Consultas, exames, procedimentos e cirurgias de rotina estão suspensos na cidade de São Paulo desde 23 de março em decorrência do novo coronavírus

Agência Brasil

A chegada do novo coronavírus na capital paulista fez com que a Prefeitura de São Paulo editasse a Portaria 154/2020, em vigor desde 23 de março, determinando a suspensão parcial e temporária de consultas, exames, procedimentos e cirurgias de rotina nos ambulatórios hospitalares e na rede de atenção básica na cidade de São Paulo.

Desde então, seja por ligação telefônica, seja por comunicações nas unidades hospitalares, as pessoas têm sido avisadas sobre a suspensão dos procedimentos.

A Prefeitura assegura que a medida é necessária para garantir o atendimento adequado à população e “diminuir a cadeia de transmissão do novo coronavírus, por meio do distanciamento social” e “pela necessidade de prevenir e reduzir os riscos de infecção pelo novo coronavírus de servidores e usuários que frequentam os equipamentos de saúde”.

Nem todos os atendimentos, porém, estão suspensos. Na atenção básica continuam as consultas de Pré-Natal, de puerpério, o acompanhamento de doenças infecto-contagiosas, como tuberculose, sífilis e HIV; além das urgências clínicas e odontológicas, coleta de exames, curativo, inalação e medicação. Também as farmácias permanecem em funcionamento durante todo o horário de atendimento de cada unidade.

Na rede hospitalar de atendimento, de acordo com a Prefeitura, continuam os atendimentos que chegam via SAMU, as urgências e emergências, a atenção a gestantes, parturientes, pacientes oncológicos, além das cirurgias e procedimentos de urgência e emergência e as avaliações ambulatoriais pós-cirúrgicas ambulatoriais.

Medo de ser infectado

Médicos ouvidos pela reportagem do O SÃO PAULO, sob a condição de anonimato, contaram detalhes de como tem sido esse período de trabalho após a edição da Portaria 154.

Uma das constatações é a menor quantidade de pessoas que procuram os serviços nas unidades básicas de saúde (UBS). “O fluxo de atendimento está baixo nos postos de saúde, por isso, recebemos uma convocação de remanejamento para ir para UPAs [Unidades de Pronto Atendimento] e AMAs [Assistência Médica Ambulatorial], que tem maior procura de pessoas com suspeita do novo coronavírus”, relata uma médica que atua na zona Sul da cidade.

“Muitas gestantes estão com medo de ir ao posto de saúde. O movimento caiu muito. De uma agenda que eu tenho de, em média, 16 pessoas para atender por dia, tem ido 8, 9 gestantes”, conta um obstetra que atende em uma UBS na zona Noroeste.

Atendimento a crianças e gestantes

Na Portaria 154 consta que as consultas de puericultura, voltadas para crianças com até 2 anos de idade, devem ser realizadas em domicílio a cada dois meses pelas equipes das UBSs.

Mulheres grávidas continuam sendo atendidas na rede de atenção básica em consultas mensais, quinzenais ou semanais, conforme a fase de gestação. Para as com gravidez de alto risco ou que estejam prestes a dar à luz, os médicos ouvidos pela reportagem dizem que precisam comunicar a Secretaria Municipal de Saúde para saber onde essas mulheres serão atendidas, pois muitos hospitais de referência, sejam municipais, sejam estaduais, têm a maioria das estruturas voltadas para pacientes com a COVID-19.

Um dos médicos obstetras citou o caso de uma gestante em trabalho de parto que foi a três hospitais da zona norte, mas só conseguiu dar à luz em um hospital público na zona Sul. 

O Diretor do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp), José Erivalder Guimarães de Oliveira, afirma ser compreensível que a maior parte da estrutura de saúde esteja voltada para o atendimento dos casos de COVID-19, mas ressalta que deve haver um equilíbrio.

“Temos dialogado com a Prefeitura para que haja leitos específicos para a COVID-19 e outros para as demais emergências. No caso do infarto agudo do miocárdio, de um Acidente Vascular Cerebral (AVC), por exemplo, os hospitais precisam suprir essa demanda. Os leitos não podem ser apenas para COVID-19”, afirmou Oliveira.

Grupos vulneráveis e pacientes crônicos

Em nota à reportagem, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) informou que “foram instituídos mecanismos para monitoramento semanal das populações mais vulneráveis, dentre elas, as pessoas com doenças crônicas, através de contatos telefônicos ou presencialmente, com o intuito de dar continuidade a este acompanhamento e identificar precocemente situações de risco que necessitam de intervenção ou atendimento para avaliação clínica. Se acontecer essa necessidade, o paciente é atendido e todas as medidas para o seu cuidado são tomadas”.

Segundo a SMS, neste grupo de monitoramento estão idosos, gestantes, puérperas, recém-nascidos, pessoas com deficiência física ou com doença mental, pessoas em risco nutricional, pacientes em assistência domiciliar e as emergências em odontologia.

“Eu tenho uma relação dos meus doentes crônicos. No posto de saúde, fazemos a renovação de receita médica deles, mas se precisarem de um exame de sangue, temos pedido para que só façam daqui 30, 60 dias, exceto se for um caso muito urgente. A receita dos crônicos foi postergada, passando a ter validade de 6 meses para 9 meses. Já uma receita dada para um paciente crônico hoje, vale por um ano, pra evitar que ele venha à unidade de saúde apenas para isso”, relatou a médica que atua na zona Sul.

O diretor do Simesp aponta que "no caso de doenças crônicas com necessidade de acompanhamento, as consultas não podem ser canceladas. Uma pessoa que tem um problema cardíaco, por exemplo, ou um diabético, eles precisam de medicamento, devem ir à unidade de saúde pra isso. O mesmo vale para alguém com problema psiquiátrico”. Ele também observa que “cada caso é um caso, e o médico que está acompanhando o paciente precisa avaliar. Por exemplo, o atendimento de alguém com um cisto de ovário simples não é nenhuma urgência, pode aguardar, mas de alguém com um câncer não pode ser cancelado”, complementa.

Teleatendimento

Em muitas situações, para evitar o aumento do fluxo de pessoas nas unidades de saúde, o teleatendimento têm sido uma das opções.

“Eu ligo para o paciente, converso com ele, vejo se está sentindo algo e o oriento. Se for preciso mudar a medicação, faço a receita e a agente comunitária de saúde leva na casa dele. Em alguns casos, mais extremos, o médico vai nas residências. Portanto, não está se deixando de fazer o acompanhamento dos crônicos, mas buscando se evitar que venham na unidade de saúde”, diz a clínica geral que atua na zona sul.

Outra médica que trabalha em hospitais da rede pública avalia que o teleatendimento é também uma medida de proteção aos pacientes em tempos de pandemia: “Boa parte dos médicos não faz só o ambulatório. O médico trabalha na emergência, é plantonista em algum lugar, então o risco de ele ser uma pessoa que transmita a COVID-19 para esses pacientes da consulta ambulatorial é muito grande”.

Triagem nas unidades de saúde

A maioria dos médicos e outros profissionais da saúde ouvidos pela reportagem asseguraram que tem havido redobrados cuidados para que nos ambientes de espera para atendimentos ocorra a separação entre as pessoas com suspeitas da COVID-19 e as que chegam com outras demandas, como para se vacinar ou fazer a retirada de medicamentos.

Uma das medidas é a entrada por portas diferentes da unidade de saúde, sempre que possível. Outra é o enfermeiro da triagem avisar prontamente o médico quando alguém apresenta sinais e sintomas da COVID-19.

“Os pacientes que procuram a rede de atenção básica ou hospitalar passam por serviço de triagem de profissionais treinados quanto aos critérios para identificação dos casos suspeitos para a COVID-19. São recepcionados por funcionários que lhes entregam uma máscara e os encaminham para área separada até o atendimento, que será prioritário, limitando sua movimentação fora da área de isolamento. Eles são orientados a fazer higienização das mãos com sabonete líquido ou álcool em gel 70%, evitando tocar os olhos, nariz e a boca com as mãos antes de lavá-las. Também recebem informações adicionais sobre a etiqueta da tosse (cobrir a boca com a parte interna do braço ao tossir ou espirar). O fluxo do atendimento é otimizado, possibilitando menor tempo de presença do usuário na unidade”, informou a Secretaria Municipal de Saúde à reportagem.

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