VATICANO

Comunicação

A reforma da comunicação no Vaticano

Por Filipe Domingues - Especial na Cidade do Vaticano
30 de março de 2017

Monsenhor Dario Edoardo Viganò, Prefeito da Secretaria para a Comunicação do Vaticano, em entrevista exclusiva ao O SÃO PAULO

 

As rápidas mudanças na tecnologia e nos sistemas de comunicação exigem da Igreja uma perspicaz adaptação. O mundo digital, descrito pelos papas como cheio de oportunidades e perigos, é uma realidade da qual já não se pode escapar. Mas ainda feita de incertezas. A reforma das estruturas de comunicação do Vaticano é uma resposta a essas transformações. À frente dela, está o Monsenhor Dario Edoardo Viganò, que concedeu entrevista exclusiva ao O SÃO PAULO na sede da Secretaria para a Comunicação, da qual é Prefeito, em 30 de janeiro, no Vaticano.

Embora nascido no Rio de Janeiro, pois seus pais passaram dez anos no Brasil, Monsenhor Viganò tem nacionalidade italiana. Após três anos como diretor do Centro Televisivo Vaticano (CTV), foi encarregado pelo Papa Francisco, em 2015, para conduzir uma profunda reformulação das mídias da Santa Sé. Além disso, é também professor de Comunicação e autor de vários livros.

A reforma de Viganò pretende unificar os vários departamentos de comunicação do Papa, como a Rádio Vaticano, o jornal L’Osservatore Romano, o CTV, a Sala de Imprensa, os sites e aplicativos. O Monsenhor explica que uma única central de informações permitirá um melhor “fluxo” das notícias, uma presença multimídia coordenada e uma simplificação das estruturas administrativas.

Na entrevista a seguir, ele fala em detalhe sobre essa reforma. Explica, por exemplo, como pretende aplicar à Santa Sé um famoso modelo de mercado: o da Disney. Também analisa o estilo de comunicação do Papa Francisco e a comunicação na Igreja de forma geral.
Com bom humor, o sacerdote procura aplicar uma gestão baseada em valores do Evangelho, mas rigorosa e mais eficaz no uso do dinheiro. Aplicar mal o dinheiro da Igreja é como “roubar dos pobres”, diz. “Não é possível usar o que as pessoas dão à caridade e aos pobres para cobrir os nossos custos.” Viganò demonstra, em seu forte vocabulário gerencial, que é necessário “transformar custos em investimentos”. Mas, no fim das contas, para ele a comunicação deve ser fruto de um verdadeiro “deixar-se seduzir pelo Evangelho”.

Quais são os pontos principais da reforma das comunicações da Santa Sé que o senhor está liderando?

É muito simples: como indicado no início do motu proprio [do Papa Francisco, quando criou a Secretaria para a Comunicação], o motivo para a reforma é o contexto de comunicação atual. Com mudanças no contexto, deve-se mudar o sistema de comunicação. Os meios de comunicação da Santa Sé, enraizados em uma grande, gloriosa e antiga tradição, devem se renovar conforme a cultura digital. Porém, a reforma nasceu nos anos 90. O Papa Francisco a está implementando, mas já falamos disso há mais de 20 anos.

O senhor costuma falar de dois critérios que os orientam...

O primeiro é apostólico. A mídia do Vaticano existe para comunicar, para tornar disponível, dentro das nossas possibilidades, que não são infinitas, a mensagem do Evangelho e o magistério do Papa. O segundo critério é uma prioridade na utilização de recursos econômicos, isto é, uma atitude de grande cautela no uso do dinheiro. Não é possível usar o que as pessoas dão à caridade e aos pobres para cobrir os nossos custos.

Pode explicar as mudanças estruturais mais significativas?

Aqui as palavras são importantes: diminuem-se as estruturas, permanecem os serviços. Caminhamos em direção ao estabelecimento de um grande e único content hub [central de conteúdo], o que já está acontecendo. Ele é composto por profissionais dos diferentes setores. Os jornalistas são das várias redações do que era a Rádio Vaticano, mas também do Centro Televisivo Vaticano e do que será o jornal L’Osservatore Romano. Falo também do apoio tecnológico, os técnicos, e quem faz edição de vídeo. Tudo em um content hub. Isso permitirá processar as notícias em maneira multimídia e seguir o fluxo do começo ao fim. Mas ao menos dois segmentos continuam reservados à supervisão da Secretaria de Estado: as comunicações oficiais da Sala de Imprensa da Santa Sé e os artigos de política do L’Osservatore Romano.

As igrejas particulares estão acompanhando a sua reforma. Vocês pensam sobre o impacto nas realidades locais?

Entendo que haja uma grande atenção para a Santa Sé, para a reestruturação do sistema comunicativo. Porém, em vez de duplicar nosso modelo, as igrejas são encorajadas a mergulhar numa reforma própria. Porque, hoje, não unificar [os departamentos de comunicação] é não ser capaz de fazer um bom serviço. Em um contexto digital, é natural que os profissionais, os recursos humanos sejam em sharing [compartilhamento]. Claro, o dinheiro não é nosso e deve ser bem gasto. Devemos transformar custo em investimento. Mas também é importante que vivamos uma experiência de serviço à Igreja. Uma diocese pode unificar rádio, jornal, possivelmente TV. Vão diminuir as figuras burocráticas e administrativas. Não estão olhando nossa reforma para fazer o mesmo, mas dizem: “Se até eles estão fazendo, nós também podemos fazer”.

O senhor diz que adotou o modelo Disney de comunicação. É um modelo forte, de mercado, muito conhecido...

Que funciona.

Funciona, com a diferença que a Disney é uma empresa. E existe para ganhar dinheiro...

E então? Ai de uma empresa se ela não ganhar dinheiro. É o seu primeiro dever moral. Como também é dividir, compartilhar. No entanto, é ganhar dinheiro.

A questão é como aplicar esse modelo de mercado à Igreja, mantendo o espírito apostólico que o senhor mencionou.

Um modelo é um modelo. Falei do modelo da Disney porque, do ponto de vista da formação do content hub, é o que mais me satisfaz. Com os nossos ajustes, é claro. O problema seria não ter um modelo. O critério apostólico nunca pode justificar a ignorância na gestão. Isso deve ser muito claro. A boa vontade e o critério apostólico não autorizam ninguém a desperdiçar dinheiro. Ter um modelo, mesmo que venha de um ambiente altamente comercial, ajuda a construir uma visão do working flow [fluxo de trabalho], maximizar as habilidades, o profissionalismo, tornar a comunicação mais eficaz, e conter custos. A ideia aqui é ter um modelo. Não é óbvio que seja o melhor, mas para mim é o melhor.

Então o modelo será adaptado...

Claro. Eu me preocupo muito com isto. Existe uma retórica de auto consolação na mídia católica: “No fundo temos que anunciar, mesmo que tenhamos prejuízo.” Não é verdade. De modo algum. Uma coisa é a comunicação institucional, que é um investimento na imagem. Não é um prejuízo. Outra coisa são as estruturas que produzem comunicação. No Brasil, por exemplo, não acho que a Canção Nova tenha como objetivo só falar da Igreja. Fala da Igreja tentando obter lucro. A retórica do auto consolo é para quem não consegue fazer bem o seu trabalho. Isto deve ser claro: se tem prejuízo, fechamos. O dinheiro é difícil de ganhar. Se não, estamos roubando dos pobres.

O que acontece com a Rádio Vaticano? Continua, não continua, continua de forma diferente?

Quando me fala de Rádio Vaticano, a que se refere?

Da rádio como a estrutura de transmissão por ondas de rádio.

Muitos me fazem essa pergunta, mas não sabem o que é a Rádio Vaticano hoje. A rádio radiofônica é uma experiência marginal da Rádio Vaticano. É uma coisa pequena, desde o Jubileu do ano 2000. A rádio se transformou em uma série de sites. Algumas redações não fazem nenhum serviço de rádio. A grande maioria é de 12 minutos por dia. Depois, há redações como a do Programa Brasileiro, que faz mais. “Diminuem-se as estruturas, continuam os serviços.” O que para nós é o rádio, de acordo com os manuais permanecerá na 105 FM, em Roma e arredores. No DAB [Digital Audio Broadcasting, a rádio digital], provavelmente vai em digital terrestre, nacional. E um app [aplicativo]. A rádio será em italiano, com notícias de última hora em algumas outras línguas. Ponto. Todo resto são redações linguísticas do famoso content hub. O que vão fazer? Depende do que vão ser capazes de fazer, mas não será distribuído nas ondas. Vai como podcasts [transmissão via internet], que, além dos custos têm uma grande vantagem: é possível colocá-los nas rádios locais como bem entenderem.

É uma grande mudança.

Mudanças sempre geram temores. Mas temos que ver a crise do trabalho na Europa e no mundo e ser conscientes do que significa ter um salário, o que não é insignificante aqui. Em segundo lugar, no mundo da comunicação, os grandes jovens profissionais têm grandes skills [habilidades] tecnológicas. Andam com um smartphone, editam sozinhos, fazem reportagens. Queremos essas pessoas. Há uma grande oportunidade para profissionais que estão confiantes na sua capacidade.

Como a Igreja pode tirar vantagem das novas mídias para espalhar suas mensagens?

As mídias digitais permitem que qualquer um seja um storyteller [contador de histórias]. O problema é a seriedade. Por exemplo, descontextualizar é um grande problema. Temos que aprender a discernir bem também no contexto digital. É claro que os meios digitais oferecem oportunidades para encontrar as pessoas. A Igreja é composta por homens e mulheres, e por isso está capacitada. Agora, se isso também pode ser um ambiente de evangelização, sou cauteloso. A evangelização tem a ver com o Evangelho e, é claro, com o encontro pessoal com o Senhor Jesus. Certamente ajuda conhecer, embarcar em um caminho de aprendizado. Mas ler não é suficiente para saber tudo.

A comunicação da Igreja deve ser mais pastoral ou mais do tipo Relações Públicas?

São coisas diferentes. Relações Públicas nesse sentido é a Comunicação Institucional, o que é importante. Por exemplo, para o orçamento de uma diocese, uma fundação... isto é, toda a comunicação importante para a transparência e a clareza. Diferente, no entanto, é a comunicação pastoral, que tem um elemento de engajamento. No Brasil, penso na Pastoral Carcerária, com todas as histórias dos agentes, dos capelães. É uma bela experiência para se contar. Em Salvador, na Bahia, eu conheci gente que, apesar de criminosos, tinha no coração um grande desejo de perdão de Deus. É preciso contar essas histórias.

Como o senhor descreve o estilo de comunicação do Papa Francisco?

Quem escuta o Papa percebe a verdade da história. É alguém que diz poucas palavras, mas conta a vida. Como Madre Teresa: mesmo quem não sabia a sua língua, percebia pelo som o poder da verdade de uma vida apaixonada pelo Evangelho e pelos pobres. O segundo aspecto do Papa Francisco é que não dá a ninguém o papel de antagonista do Evangelho. Qualquer experiência humana, de qualquer homem e qualquer mulher, em qualquer situação, pode encontrar o Evangelho. Claro que isso inclui uma conversão. Mas cada um, ao não se sentir excluído, se sente envolvido.

Papa Francisco diz que é preciso romper o ciclo vicioso de “más notícias”. Como é possível?

Quando ele fala isso, não diz: “Contem um mundo de contos de fadas”. O mundo, o Brasil, os jornais, o dia é marcado pelo mal. O mal que vemos na natureza, com terremotos, desastres, inundações. O mal da violência nas ruas, dia e noite. O mal existe. Mas o Papa nos diz que falar só do mal pode anestesiar as nossas consciências. Então, é claro que temos que dizer o que acontece, mas também falar ao mundo de bons homens e mulheres, jovens e velhos. Haverá violência em São Paulo, mas também as pessoas que acompanham as vítimas, que acolhem, que recuperam. Há tanto bem. De verdade.

O que o senhor diria às pessoas que trabalham em comunicação na Igreja, mesmo nas paróquias e pequenas comunidades?

Quanto mais alguém é apaixonado pelo Evangelho da misericórdia, mais se sente à vontade para contar a beleza e o fascínio do encontro com o Evangelho. Deixar-se seduzir pelo Evangelho. Porque, se nos deixamos pertencer a Deus, nos tornamos seus pés, suas mãos, e seu olhar.
 

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