Encontro com o Pastor

Testemunhas da esperança

A Igreja, na sua pedagogia da fé, tem as celebrações de Finados e Todos os Santos bem próximas uma da outra. No Dia de Finados, ela nos faz olhar com realismo para a finitude da vida neste mundo. Na festa de Todos os Santos, descortina-nos o horizonte luminoso e esperançoso da nossa existência.
A morte para a vida neste mundo é tão certa como a claridade do sol do meio-dia. Só não sabemos quando. Mesmo que não queiramos morrer, deveremos enfrentar este passo um dia, assim como já o enfrentaram tantos outros que conviveram conosco e cujos túmulos visitamos no Dia de Finados. Os habitantes dos cemitérios nos passam uma mensagem que ouvimos em silêncio, sem comentarmos com ninguém: “Ó tu, que passas entre os nossos túmulos, não esqueças: o que tu és, nós já fomos também. O que nós somos, tu serás um dia”.
Os falecidos, contudo, passam-nos outras mensagens também, que convém recordar nesse dia: a vida é breve e passa depressa. Ninguém sabe quantos anos ou dias ainda terá para viver. Ninguém se iluda, fazendo de conta que isso não lhe diz respeito. Não é bom desperdiçar a vida com futilidades, ao passo que convém aproveitar cada dia, cada instante, para fazer coisas boas. Não nos apeguemos aos bens deste mundo, que não levaremos conosco depois de morrer. Como Jesus ensinou, com esses bens façamos “amigos para a vida eterna”, socorrendo as necessidades do próximo, especialmente de quem sofre.
Sem pronunciarem palavras, os falecidos ainda nos lembram de que a morte pode sobrevir de improviso, a qualquer momento. Jesus disse que ela pode entrar em nossa casa como um ladrão, sem avisar antes... Precisamos ser como quem está sempre pronto para embarcar, de malas arrumadas. Não devemos arrastar pela vida afora coisas mal arrumadas, como brigas, desavenças, ódios, dívidas para com o nosso próximo. Jesus ainda nos lembrou de que precisamos ter sempre as contas em dia para nos apresentar diante do grande Juiz, ao deixarmos esta vida.
Se é assim, significa que o cristão deve viver numa contínua neurose, com medo da morte e sem se ocupar com as tarefas desta vida? É claro que não. A fé cristã não nos quer aterrorizar, mas nos ajuda a viver um sadio realismo. O pensamento da morte nos ajuda a viver bem cada um dos nossos dias. A recordação frequente de que deveremos dar conta de nossa vida a Deus pode nos prevenir contra a prática de desatinos e ações más e nos estimular à prática do bem com generosidade.
Para os cristãos, no entanto, a comemoração do Dia de Finados possui mais um lado importante: o testemunho da esperança. Na fé, nós recordamos os falecidos diante de Deus, rezando por eles e entregando-os mais uma vez à sua misericórdia. Cremos no Deus da vida, Senhor dos vivos e dos mortos, que prometeu a participação na sua vida eterna a todos os que Nele creem e esperam. A fé que professamos com toda a Igreja proclama a ressurreição de Jesus dentre os mortos e a nossa participação na sua ressurreição: “Creio na ressurreição da carne e na vida eterna. Amém”.
A fé na ressurreição de Cristo dentre os mortos é a base da fé cristã. E a nossa ressurreição futura, para a participação na vida eterna, também é parte firme da fé cristã, da qual não podemos duvidar. Não se trata de voltar a esta vida e a este mundo, mas da ressurreição para a participação na vida eterna, prometida por Deus. Nossa vida não está destinada a terminar num túmulo, na morte eterna. Os mortos são sepultados na esperança da feliz ressurreição e da salvação plena, da qual também participará o nosso corpo. Como se dará isso? Deus, criador deste mundo, é poderoso para nos redimir das limitações e imperfeições desta vida e para nos dar parte no mundo novo de sua glória eterna. Não será obra do homem, mas de Deus!
A festa de Todos os Santos ajuda-nos a pensar neste “mundo novo” dos redimidos, do qual queremos participar um dia. “Creio na comunhão dos Santos” significa: creio que terei parte na vida com os santos, em sua companhia, na companhia de Deus. Este lado realista e luminoso de nossa fé cristã precisa ser anunciado mais uma vez com convicção e alegria. O mundo precisa da boa notícia da esperança cristã!

Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo Metropolitano de São Paulo
Publicado em O SÃO PAULO, na edição de 30/10/2019

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