Fé e Cidadania

Partir de Cristo Misericordioso

Neste início do novo milênio, diante do vasto horizonte pastoral da Igreja, “Partir de Cristo” foi a grande e renovada indicação de São João Paulo II (cf. Novo Millennio Ineunte, 29-41), visando “suscitar em nós um dinamismo novo” e permitir avançarmos para águas mais profundas (cf. Lc 5,4 ss).

Partir de Cristo pressupõe um verdadeiro cristocentrismo compreendido desde o próprio Mistério de Cristo, da “economia do mistério” (Ef 3,9), cuja essência é o “desígnio benevolente” do Pai, desígnio de amor e infinita misericórdia (cf. Ef 1,9). Partir de Cristo significa, em primeiro lugar, contemplar esse mistério no coração transpassado do Crucificado, do qual jorram sangue e água (cf. Jo 19,34 ss), pois é “a partir desse olhar contemplativo que o cristão encontra o caminho do seu viver e amar” (cf. Bento XVI, Deus Caritas Est, 12).

O Papa Francisco declarou esperar um “Pentecostes teológico”, no qual, antes de tudo, deve-se partir do Evangelho da misericórdia, da “centralidade da misericórdia”, uma vez que “a teologia depois da Veritatis Gaudium é querigmática, uma teologia do discernimento, da misericórdia...” (Discurso de 21 de junho de 2019).

Isso só pode acontecer mediante a via de sempre do cristocentrismo, isto é, do mistério de Cristo como um desígnio eterno de misericórdia: “De fato, o ‘Original’ que à sagrada doutrina importa conhecer antes de tudo e, portanto, o primeiro objeto de interesse teológico, é o Crucificado glorioso predestinado desde sempre, e, portanto, sua vida com seus acontecimentos, nos quais ocorre a manifestação detalhada do eterno plano gerado e motivado pela divina misericórdia. Neste sentido, a teologia cristã é originalmente crística” (Monsenhor Inos 
Biffi, Um método infalível para renovar a teologia. L’Osservatore Romano, 27 de julho de 2010).

Mas como no tempo da Igreja toda a economia da salvação é uma economia sacramental, também a economia da misericórdia exige uma abordagem teológico-litúrgica. Bento XVI, em seu discurso inaugural da V Conferência de Aparecida (n.4), afirmou: “Só da Eucaristia brotará a civilização do amor, que transformará a América Latina e o Caribe, para que, além de ser o continente da Esperança, seja também o continente do Amor!”. Para ele, “transformar-se em amor é a única adoração verdadeira” (Opera Omnia, Teologia della Liturgia, vol. XI, p. 58, LEV, 2010), uma humanidade que, transformada em amor, é uma glorificação viva de Deus, o culto verdadeiro que Deus espera. O homem vivo – isto é, que se tornou glória para Deus – é ele mesmo adoração, sacrifício. 

É uma compreensão cristocêntrica, que se dá em três níveis ou três passos:  mistério, celebração e vida (cultura). A partir dessa fórmula, podemos igualmente dizer que uma cultura da misericórdia brota da Eucaristia, até porque o Documento de Aparecida caminha sempre no sentido da transfiguração da cultura. Na verdade, é a “cultura” que está em situação escatológica; portanto, a anelada civilização do amor, que se coloca como a meta da Doutrina Social da Igreja, depende, obrigatoriamente, do florescimento de uma cultura da misericórdia, se quisermos ser coerentes com tudo o que foi exposto acima.

Para que amadureça como cultura, essa percepção cristocêntrica da misericórdia precisa se articular – metodologicamente – como experiência vivida do Mistério (o tempo), momentos litúrgicos (o culto) e construção de mentalidades e ações concretas no mundo (a cultura). Assim, caminhamos para cada vez mais “Partir de Cristo Misericordioso”.

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