Opinião

Quando a pessoa se encontra com a misericórdia

Um padre comentou comigo que as filas no confessionário de sua paróquia aumentaram na Quaresma deste ano, depois que ele divulgou os horários de atendimento de confissão nas redes sociais.

O movimento não era, como alguém poderá pensar maldosamente, devido “aos de sempre”. Pelo contrário, as filas cresceram com pessoas que não se confessavam há tempos, muitas distantes da Igreja, que viram uma oportunidade quando receberam a informação do horário da confissão nesses circuitos imprevistos das redes sociais.

As pessoas estão ansiosas pelo sacramento da Confissão. Fato desconcertante dentro da própria comunidade católica, em que, muitas vezes, a confissão individual é vista como pietismo ultrapassado ou imposição clerical.

Anos atrás, um jornalista ateu, de família não católica, teve de fazer uma grande reportagem sobre a Igreja na Quaresma. Depois de ouvir várias pessoas falarem do assunto, veio perguntar-me o que era a confissão.

Após ouvir a explicação, disse-me, numa ingenuidade absoluta: “Que coisa inteligente! A Igreja inventou isso depois de estudar as ideias de Freud?”

Um bom católico pode considerar risível (e até perigoso, tanto do ponto de vista religioso quanto psicológico) comparar a confissão à terapia. Contudo, o comentário mostra a genialidade antropológica que se esconde sob a forma simples da confissão.

O ser humano anseia por perdão. A noção do bem e do mal, o peso dos erros passados, o medo de falhar consigo mesmo e com aqueles que ama sempre assombram a nossa consciência.O hedonismo, o ritmo frenético da vida, a distração nos entretenimentos e, até mesmo, muitas sessões de terapia são formas modernas de exorcizar essas assombrações. Podem ser bemsucedidas, particularmente quando se referem a tratamentos voltados a processos traumáticos na formação da pessoa. Contudo, nas questões morais, nas quais a consciência do certo e do errado não pode ser iludida, é impossível eliminar a dor pelo erro sem mutilar algo da própria humanidade.

Assim, todos nós ansiamos por um amor que nos perdoa, que dá a última palavra, superando nossos limites e nossos erros. Em última análise, todos ansiamos pela misericórdia de Deus.

No entanto, como somos seres humanos, não nos basta um perdão abstrato, uma declaração genérica ou uma afirmação de princípios. Precisamos ouvir aquela declaração precisa “hoje, aqui e agora, Deus o perdoa”. Não nos basta saber que “os pecados são perdoados”, precisamos saber que aquele pecado que nos enche de dor e de vergonha foi perdoado.

A forma atual da confissão, tal como a praticamos, desenvolveu-se na Igreja Católica ao longo da história, firmando-se no século XI. Poderia ser um pouco diferente, como foi em outros períodos históricos. Mas essa forma (a confissão individual feita ao padre confessor) se consolidou, porque se mostrou a mais adequada para a estrutura pessoal de cada um de nós.

Se lemos a história da confissão em paralelo com a história da cultura ocidental, vemos que a acusação individual dos pecados, em segredo, a um padre, representa justamente a valorização da pessoa frente ao coletivo. Deus não apenas perdoa a todos indistintamente, mas me perdoa, a mim particularmente, sabendo muito bem quais são os meus pecados e minhas traições.

Numa sociedade cada vez mais massificada, em que há uma luta para ser reconhecido em sua individualidade, a ser aceito tal como é, a confissão individual dos pecados não é um traço do passado, mas, sim, uma necessidade do presente e para o futuro.

Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo e biólogo, é coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

 

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