Fé e Cidadania

Subsidiariedade: proposta de um novo paradigma social

Em artigo anterior (Antropologia positiva: berço da sociabilidade, O SÃO PAULO , 17/01/2018), encerrei afirmando que a subsidiariedade parte de uma Antropologia positiva e permite correções virtuosas ao liberalismo e ao estatismo. Esse princípio encontra sua formulação mais adequada na Doutrina Social da Igreja. Sua primeira formulação data da Encíclica Quadragesimo anno (QA), de Pio XI: “Assim como é totalmente errado tirar dos indivíduos aquilo que eles podem realizar por sua própria iniciativa e trabalho e dar à comunidade, também é uma injustiça designar a uma associação maior e mais alta o que organizações menores e subordinadas podem fazer”, porque “toda atividade social deve, por sua própria natureza, fornecer ajuda aos membros do grupo social, e nunca destruí-los e absorvê-los” (QA 79).

Desde o início, o principio é, portanto, caracterizado pelo apelo a uma obrigação dupla por parte do governo: a obrigação negativa de se abster de intervir quando os indivíduos e associações menores podem executar de forma mais adequada certa função; e a obrigação positiva de ajudar e apoiar a livre iniciativa dos indivíduos e de realidades sociais quando necessário.

A obrigação do governo de se limitar e de ajudar implica a afirmação decisiva de que a liberdade humana é a dimensão primária e construtiva no contexto social e institucional. A subsidiariedade sugere que é preciso ver e ouvir, para aumentar o valor do que originalmente existe, e desenvolver livremente, de baixo para cima, em resposta às necessidades dos indivíduos e da coletividade. 

O princípio da subsidiariedade, portanto, baseia-se na hipótese de que a pessoa, individualmente ou em associação com outras pessoas, é potencialmente capaz de confrontar as necessidades coletivas e satisfazê-las. Essa perspectiva não é dominada pela suspeita em relação à presumível busca do desejo particular e individual ou às consequências (negativas) que isso talvez tenha para o bem comum. Pelo contrário, há confiança em que a tensão construtiva dentro da condição humana tenha um resultado positivo.

Sempre que o projeto de um sistema de bem-estar social reconhece a busca pelo bem e a capacidade de se relacionar como constituintes de cada indivíduo, uma função subsidiária para o Estado emerge naturalmente, baseada no respeito pela dignidade de cada pessoa e agindo para aumentar – em vez de restringir ou diminuir – a capacidade de autonomia do cidadão, seja como indivíduo, seja em associações livres. Por essa razão, ele deve agir em grande parte de maneira subsidiária, sempre que as iniciativas dos órgãos sociais não responderem adequadamente às diferentes necessidades individuais. Em casos assim, a intervenção do Estado atua como um incentivo para apoiar as iniciativas e o trabalho de indivíduos ou de formações sociais, sem necessariamente substituí-los.

Assim, as necessidades estruturais do ser humano – como os desejos de bem, justiça e verdade - são o ponto de partida para uma reestruturação da sociedade que supere tanto a suposta racionalidade do homo oeconomicus quanto uma concepção de cidadania limitada ao desfrute passivo dos direitos (e impostos) garantidos pelo Estado-Providência. 

Em suma, a subsidiariedade propõe um novo paradigma social e um “novo governo” baseado na colaboração, na interdependência, na negociação, na parceria e no reconhecimento da necessidade de interação entre as realidades públicas e privadas e, em especial, com as realidades não lucrativas do terceiro setor. 

 

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