Editorial

Papel social ou identidade religiosa?

A década de 60 foi um período de grandes transformações comportamentais, que provocaram muitas mudanças sociais. A emancipação da mulher, a afirmação da igualdade racial e as mudanças nos papéis sociais tradicionais foram apenas algumas dessas transformações. Homens e mulheres passaram, por exemplo, a ocupar funções e cargos que antes não ocupavam, e, assim, muitas estruturas e organizações foram reformadas. Empresas, organismos governamentais, a família e até mesmo a Igreja sentiram os efeitos desse processo de transformação social. O Concílio Vaticano II foi um grande acontecimento eclesial que soube fazer a leitura dos sinais dos tempos e dar uma resposta adequada aos novos desafios e às mudanças sociais.

Entre os 16 documentos e textos que apresentam os resultados do Concílio, existem dois que tratam de forma mais profunda sobre a natureza da Igreja e sua relação com o mundo. O primeiro é a Constituição Dogmática Lumen Gentium – Luz do mundo, e o outro é a Constituição Pastoral Gaudium et Spes – A alegria e esperança. Na sua realidade histórica, a Igreja tem uma estrutura, como a de um corpo, que está a serviço de Cristo, que é a luz do mundo. O conjunto dos fiéis, pelo sacramento do Batismo, forma o povo de Deus, que tem uma distinção quanto ao serviço e à sua forma de viver no mundo. Essa distinção não estabelece papéis sociais, mas uma identidade religiosa no interior da Igreja e no relacionamento com mundo para levar alegria e esperança. 

No conjunto dos fiéis, o grupo maior é constituído pelos leigos. Eles são chamados assim não em função do menor conhecimento das coisas da fé, ou por ocupar um grau inferior entre os batizados. O termo leigo é originário de uma palavra da Grécia Antiga - que quer dizer “povo” - e foi assumido nas línguas modernas para designar pessoas que não têm conhecimento aprofundado numa determinada área, ciência ou profissão. No contexto eclesial, pelo nome de leigos se entende os batizados que não receberam o sacramento da Ordem e que não fazem parte do clero, como fazem diáconos, padre ou bispos, e que também não se associaram a ordens religiosas aprovadas pela Igreja, constituindo o grupo dos religiosos. 

A relação entre os leigos e o clero, no corpo da Igreja, não é de competição ou de concorrência pelo poder. Cada parte ocupa o seu espaço e se distingue pelo serviço que gera comunhão. Mas sempre existe o risco de uma inversão de papéis, que não pode ser entendida como atualização, transformação ou modernização da Igreja. Isso acontece quando leigos assumem uma postura clerical e quando clérigos assumem um estilo de vida próprio dos leigos. Embora essas atitudes sejam chamadas de protagonismo dos leigos e de abertura do clero, na realidade não passam de uma inversão de papéis, que coloca em risco a clareza da identidade da Igreja e a força da sua missão, porque adoece o corpo.
 

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