Editorial

Profecia ou militância?

O fenômeno da profecia é comum no universo religioso. De modo geral, nas diferentes religiões encontramos algum tipo de profeta, mago ou adivinho, homens ou mulheres, que acreditavam possuir uma particular capacidade de relacionarse com o divino, lançando mão de mecanismos e meios para interpretar sinais ou sonhos e prever o futuro. Além disso, eles tinham uma função social na estrutura religiosa ou no culto propriamente dito. 

No contexto hebraico, no Antigo Testamento, o profetismo foi reconhecido como algo único e de características particulares. Os profetas em Israel sempre tiveram uma clara ideia religiosa, que não se confundia nem se misturava com magia nem com adivinhações. O termo profeta no judaísmo designa “alguém que fala diante dos outros”, e essa particularidade impõe que a profecia esteja diretamente ligada à revelação de Deus e à história de salvação. 

História do seu povo e a Aliança de Deus é parte integrante do anúncio e da denúncia do pecado. A sua consciência religiosa e o seu senso político indicam que ele sabe que Deus guia a história e não se silencia diante da morte e do sofrimento dos seus filhos. O profeta também reconhece que o seu chamado e a sua missão têm um caráter de gratuidade e só podem ser compreendidos dentro de um contexto religioso. Por isso, o profeta está comprometido com o Senhor da história. Mas o profetismo desapareceu em Israel, e ficou apenas a esperança da vinda de um “Messias”, um profeta semelhante a Moisés. 

Com o advento do Novo Testamento, o profetismo reapareceu, com um novo apelo. O ponto de partida foi o deserto e a nova compreensão da Lei e da aliança que Deus celebrou com o seu povo, junto com a exigência da conversão e do batismo. João Batista foi o precursor desse novo movimento, mas foi com a pregação de Jesus de Nazaré que tudo isso ficou mais claro e evidente. Análises dos textos do Evangelho, em comparação com o Antigo Testamento, revelam essa continuidade entre os antigos profetas e Jesus, seja pela forma como Ele mesmo falou e agiu, seja pela compreensão que seus discípulos e o povo tinham de seus gestos. 

Jesus é, portanto, aquele que veio para cumprir as promessas antigas e enviou o Espírito que vai continuar a sua missão, reunindo novos discípulos e dando-lhes uma força profética capaz de transformar o mundo. Ele está no centro da relação entre Deus e homem e dos homens entre si. Pelo vínculo batismal, a comunidade dos discípulos, a Igreja, é agora uma comunidade profética, e esse é um grande distintivo na comparação com os antigos profetas. 

A profecia coloca a Igreja e os discípulos de Jesus em permanente estado de testemunhas, fazendo memória da presença de Deus. Por esse motivo, não podem assimilar nenhuma realidade humana e transitória como permanente. Nesse caminho, sempre existem riscos, pois, sem o vínculo religioso e transcendental, a profecia se torna militância, e, sem um compromisso transformador do mundo, a fé se torna fuga. 

O interior da comunidade profética não é um campo de militância política. O compromisso é com Deus e com o seu Reino. No trabalho pela concretização desse Reino, os que foram feitos profetas pelo Batismo se identificam com Cristo, Filho de Deus, reconhecendo a todos como irmãos, além de buscar a justiça e a verdade e saber que isso só é possível pela conversão do coração, pois nenhuma ideologia será capaz de dar pleno sentido à existência do homem neste mundo. 

Num momento de crise e acirramento de polarizações, como o vivido hoje no Brasil, cresce a tentação de usar a Igreja e sua doutrina para justificar posições partidárias, de um lado ou de outro. Essa tentação deve ser combatida entre nós, não para ficarmos numa “zona de conforto” omissa, mas, sim, para que a comunidade cristã possa exercer o verdadeiro profetismo, que vai além de qualquer bandeira partidária.
 

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