Opinião

Cristo, Rei de Misericórdia

Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo, solenidade na qual se tem comemorado o Dia do Leigo no Brasil, ao encerrar o ciclo anual da liturgia, inaugura, ao mesmo tempo, o Ano Nacional do Laicato, proposto pela CNBB, na esteira da 54º AG (2016) e do lançamento do Documento 105, nos 30 anos do Sínodo dos Bispos sobre os Leigos, que por sua vez comemorou os 20 anos do Concílio, seguindo-se àquele Sínodo a importante Exortação Apostólica Christifideles laici (1988), de São João Paulo II. Este itinerário evidencia desde logo o Vaticano II – após mais de 50 anos –, como o ponto de partida sempre renovado de todo o programa a ser percorrido pelos discípulos missionários no Ano do Laicato, na medida em que o Magistério posterior e os documentos eclesiais estão destinados a ser, de modo geral, uma explicitação do evento conciliar, segundo a “hermenêutica da reforma” (renovação na continuidade); em última análise, é sempre o Concílio que se deseja atuar para o anúncio do Evangelho no mundo atual, neste caso mediante o impulso e o florescimento da vocação e missão laicais.

Foi o Concílio Ecumênico Vaticano II, aliás, que forneceu o método que também deverá orientar este Ano – o primado de Deus. Em primeiro lugar, é preciso “ver” a Deus na liturgia e para além dela: “a vida do homem é ver a Deus”, segundo o célebre axioma de Irineu de Lião. Principiou-se falando de Deus: a Constituição conciliar Sacrosanctum Concilium (1963), sobre a Liturgia, foi o primeiro documento aprovado, a “orientar” os que se seguiram. Se o olhar dirigido até Deus não é determinante, esta se torna “a causa mais profunda da crise que tem transtornado a Igreja” (cf. Joseph Ratzinger/Bento XVI, Prefácio do vol. XI, Teologia da liturgia, das Opera Omnia em russo, 2015).

O Documento de Aparecida (2007) não se afastou desse princípio, vez que já na Introdução (n. 14) apresenta uma verdadeira doxologia (termo de significado profundamente litúrgico): “O que nos define não são as circunstâncias dramáticas da vida, nem os desafios da sociedade ou as tarefas que devemos empreender, mas todo o amor recebido do Pai [...] Não temos outra felicidade nem outra prioridade senão a de sermos instrumentos do Espírito de Deus na Igreja, para que Jesus Cristo seja encontrado, seguido, amado, adorado, anunciado e comunicado a todos [...]”. Este “primado de Deus” é sempre um antídoto e um método, no qual se pode constatar também o espírito do Papa Francisco, ele que ocupou lugar proeminente na V Conferência.

Por isso, a Mãe Igreja, ao começar sempre pela liturgia, nos ensina o que deve vir em primeiro lugar no curso de todo o Ano que iremos celebrar, e para muito além do plano propriamente litúrgico – o culto e a adoração a Deus (veja o n. 347 do Catecismo da Igreja Católica). Deixemo-nos envolver, então, pelo espírito do Ano a ser vivido intensamente pelos Leigos – desde o olhar dirigido para Deus –, para a compreensão e crescimento da sua espiritualidade, vocação e missão – tudo para o bem da Igreja.

Para empreender esta tarefa, convém recorrer a um clássico, A. G. Martmort, A Igreja em Oração (vol. IV, trad. Loyola, 1992, p. 106): “A festa de Cristo-Rei foi instituída em 1925 [Enc. Quas primas] pelo Papa Pio XI [...] A Igreja não esperou esta data para celebrar o soberano senhorio de Cristo: a Epifania, Páscoa e Ascensão são festas de Cristo-Rei [...] Diante do avanço do ateísmo e da secularização da sociedade, o Papa queria afirmar a soberana autoridade de Cristo sobre os homens e as instituições. Alguns textos do ofício deixam transparecer um último sonho de cristandade [...] Em 1970 [na reforma litúrgica] quis-se colocar mais em destaque o caráter cósmico e escatológico da realeza de Cristo. Tornou-se, então, a festa de Cristo, ‘Rei do Universo’ e foi fixada para o último domingo per annum. Assim, o tempo do Advento, que vem em seguida, ganha a perspectiva da vinda do Senhor na glória”.

Quanto à eucologia do Missal Romano (mantida pela editio typica tertia, 2002), cumpre observar que: 1) com a mudança na temática da festa foi necessário transformar a segunda parte da oração coleta, a qual suplicava a Deus que as famílias dos povos obedecessem à doce autoridade do reino de Cristo, e agora volta-se para o Senhor pedindo “que todas as criaturas, libertas da escravidão e servindo à vossa majestade, vos glorifiquem eternamente; 2) “O Prefácio, composto em 1925, era muito belo e não sofreu nenhuma modificação” (op. cit., p.107), e por isso mesmo foi tomado pelo Vaticano II para a composição de uma de suas mais belas páginas, segundo a qual, depois de propagarmos na terra os valores do Reino, “nós os encontraremos, limpos contudo de toda impureza, iluminados e transfigurados, quando Cristo entregar ao Pai o reino eterno e universal: ‘reino de verdade e de vida, reino de santidade e de graça, reino de justiça, de amor e de paz’” (Gaudium et spes, 39).

Tudo isso nos mantêm com o olhar fixo em Deus, desde a celebração de Cristo, Rei do Universo. Assim, observados os três passos ou níveis litúrgicos do mistério acreditado, mistério celebrado e mistério vivido (cf. Bento XVI, Sacramentum caritatis, 2007; Catecismo da Igreja Católica, 1066-1068), a celebração do ano litúrgico “goza de força sacramental e especial eficácia para alimentar a vida cristã” (cf. Paulo VI, Mysterii paschalis, 1, 1969).

Este é, em primeiro lugar, o espírito do Ano a ser fortemente vivenciado pelos fiéis leigos. Se não for desse modo – “repletos da graça da salvação” (SC 102) –, como é que poderemos contribuir, enquanto Igreja que peregrina em São Paulo, de modo eficaz e memorável para a transformação e o crescimento da ação do laicato, para a conversão pastoral e missionária, e para tornar realidade o tempo do culto e da cultura da misericórdia, na medida em que é nela e por meio dela que amamos e construímos a Igreja universal? Devemo-nos dedicar à nossa Igreja particular, na obediência e amor a nosso Pastor, seus Bispos auxiliares e presbitério, e, sobretudo, promovendo o DIÁLOGO em todos os níveis; nesse sentido, já é hora de retomarmos a Ecclesiam Suam (1964), do Beato Paulo VI, pois foi com esta sua primeira Carta encíclica – cuja segunda metade é dedicada ao Diálogo – que tudo começou, e onde são oferecidos critérios valiosíssimos e permanentes para o diálogo ad intra e ad extra (veja também GS 92, na Conclusão).

Por disposição da divina Providência, o Ano coincidirá, em São Paulo, com o grande acontecimento eclesial do sínodo Arquidiocesano, na sua segunda etapa (“celebração do sínodo nas paróquias e comunidades”), oportunidade única para tornarem-se ambos, na comunhão da Igreja, profundamente fecundos, e haver entre eles certa “retroalimentação”, cujos limites serão cuidados pela autoridade eclesiástica. Desse modo, seria possível dizer que, em São Paulo, o ano de 2018, antes de tudo, será o tempo da celebração da Igreja-Comunhão.

Na programação do Ano se observará, destacadamente: 1) a celebração em agosto do mês vocacional, da vocação ou vocações laicais, sem descurar das sacerdotais, diaconais e religiosas; 2) a peregrinação anual ao Santuário Nacional de Aparecida.

Ademais, na programação do Ano, desejamos preparar um Tríduo de adoração eucarística na igreja Catedral, antecedendo Corpus Christi; nas Regiões Episcopais, a adoração poderá acontecer unicamente na Véspera/Vigília da Festa.

Por Maria Rainha, sirva-nos este Ano – a partir do Tríduo – também para aumentar a veneração para com a igreja Catedral, pois é “coisa sumamente proveitosa que o espírito dos fiéis sintam com particular afeto a sua ligação à igreja catedral, nobilíssima sede e símbolo do magistério do Bispo e do seu ministério litúrgico; de fato, com essa religiosa atitude do espírito, os fiéis exprimem, por uma parte, que reconhecem e veneram o carisma certo da verdade [...] de que estão dotados os Bispos hierarquicamente unidos com o Bispo de Roma, Vigário de Cristo; por outra parte, que eles querem participar e, por quanto lhes compete, pôr em prática as realidades sagradas em comunhão com o Pastor que sobre a terra faz as vezes do Eterno Pastor e Bispo das nossas almas (cf. 1 Pd 2, 25)” ( Penitenciária Apostólica, Decreto Ecclesia Cathedralis, 29/11/2002).

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