Comportamento

‘Não atire o pau no gato-to...’

Todos nós conhecemos essa famosa cantiga infantil e sabemos seu verdadeiro fim. Sabemos, também, que o Lobo Mau, as bruxas, os monstros e madrastas dos contos são malvados. Que tramam e investem contra outros personagens.

A mãe da Cinderela, da Branca de Neve, o pai do Simba e tantos outros morrem no desenrolar das histórias. A dor aparece, o sofrimento acontece e, depois de um período de dificuldade, ele se transforma em força -  em capacidade de sobrevivência “apesar de”.

Todos esses cantos, contos e lendas fazem parte de nossa história, de nosso imaginário e de nossos ensaios sobre a vida. Neles, aparecem o bem e o mal, o assustador e o encantador, o vilão e o mocinho. Dão possibilidade de vermo-nos em diferentes papéis, de identificarmo-nos com diferentes personagens, e de imaginarmos situações e resoluções. Muitos deles surgiram ainda na cultura oral, em busca de elaboração de medos e fantasias próprias do humano, em busca de sentidos e de explicações. Todo esse arsenal de contos, cantos e lendas é importante para alimentar fantasias; contribui na compreensão do mundo e do bem e do mal com que convivemos desde sempre e para sempre nessa vida.

Atualmente, porém, observo um esforço incrível de muitos pais e educadores em busca de contos e enredos “politicamente coretos”. Que tristeza dizer para a criança que alguém importante na vida do personagem morreu, que mau exemplo a Bruxa Malvada jogar um feitiço fatal, e atirar um pau no gato, então? Que absurdo! Em nome desse medo de incentivar posturas e atitudes inadequadas nas crianças ou mesmo de expô-las a sentimentos “ruins”, muda-se o enredo do conto, elimina-se algo que pode promover sofrimento ou medo, higieniza-se atitudes e pronto: lá vem, em vez de um canto popular e divertido, uma lição de moral – “não atire o pau no gato porque isso não se faz...” Como se, somente por causa de uma canção, essa atitude pudesse acontecer com crianças que observam em seu cotidiano seus familiares cuidando e tratando bem dos animais. Aliás, a maioria de nós, quando pequenos, cantou essa canção como foi composta originalmente. Pior ainda: muitos brincamos com armas de espoleta, espadas, tais como as dos príncipes ou dos mosqueteiros, choramos com o abandono de João e Maria pelos pais e, nem por isso, saímos por aí reproduzindo tais comportamentos.

Brincar, imaginar, sonhar, elaborar sentimentos por meio de contos e cantos fazem parte de um crescimento saudável e nenhuma contraindicação trazem para os pequenos. Ao contrário, os deixamos despreparados para a vida se sonegamos a verdadeira informação de que o mal habita o mundo e de que os sentimentos ruins existem, que surgem em diferentes momentos e podem ser superados, de que a agressividade faz parte da vida e precisa ser bem administrada para ser uma força que nos impulsiona e não que nos destrói.

Feliz a criança que tem a oportunidade de elaborar com a riqueza das cantigas, contos e brincadeiras seus sentimentos, quaisquer que sejam! Felizes aquelas a quem é permitido conhecer o mal para poder proteger-se, e felizes aquelas que aprendem que podemos ser atraídos tanto pelo bem como pelo mal e que podem discernir entre o melhor e o pior e, mais do que isso, podem criar critérios para exercerem, com autonomia e clareza, as escolhas que a vida exigirá.  

Não soneguemos às crianças, em nome do “politicamente correto”. Subsídios tão importantes para amadurecerem e tornaremse adultos capazes e não eternos “adolescentes” imaturos, à espera de que a vida seja sempre “um mar de rosas”. 

Simone Ribeiro Cabral Fuzaro 

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