Editorial

Contas públicas e legitimidade

As contas do governo frequentemente parecem difíceis de entender, quase sempre sugerindo uma gestão perdulária e inconsequente. Para procurar entender o que se passa, vejamos alguns dados do orçamento da União deste ano. As despesas primárias (gastos efetivos da máquina pública) estavam estimadas em R$ 1.500 bilhões. Já as financeiras (pagamento da dívida pública) em cerca de R$ 1.800 bilhões.

Isso significa que a maior parte dos nossos impostos vai para pagar despesas financeiras? Não, porque essa dívida é “rolada”, ou seja, paga por meio de novos empréstimos (na forma da emissão de títulos públicos). Ela também aumenta porque as receitas federais não são suficientes para cobrir as despesas primárias. O déficit inicialmente esperado (e aprovado pelo Legislativo) estava em cerca de R$ 139 bilhões. Com a queda das receitas da União por conta da crise econômica, se fala em R$ 159 bilhões. Cerca de 10% das despesas primárias do governo federal estão acima da sua arrecadação e são cobertas com aumento da dívida pública!

Esse problema não é de hoje, nem é só do Brasil. A dívida pública brasileira oscila entre 60% e 75% do PIB (Produto Interno Bruto) desde o segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, enquanto que a dívida pública de muitos países é proporcionalmente maior. No entanto, o problema é sua trajetória crescente, que pode inviabilizar a gestão pública por falta de recursos (vide o caso do Rio de Janeiro).

Diante desse quadro, é preciso que o governo economize. Entretanto, cerca de 90% das despesas primárias são obrigatórias, definidas por lei, como salários e aposentadorias. Os cortes possíveis, ainda que necessários, são relativamente pequenos e precisam ser combinados com aumentos de impostos. Nas últimas semanas, houve um contingenciamento (bloqueio) de R$ 5,9 bilhões do orçamento e o governo espera arrecadar mais R$ 11 bilhões com o aumento dos impostos relativos aos combustíveis.

Ministérios e programas governamentais já registram o impacto da contenção dos recursos. Mas, a legitimidade tanto dos cortes quanto do aumento de impostos é corroída por notícias como as de benefícios dados principalmente ao Legislativo e ao Judiciário, com os aumentos recentes no número de cargos de confiança (vide a reportagem “Para manter meta fiscal, governo anuncia cortes no orçamento”, em nossa edição de 2 a 9 de agosto), ou das emendas parlamentares negociadas desde que a denúncia contra Temer tramitou na Câmara. 

O governo, para ter a legitimidade necessária a fim de implementar as medidas econômicas necessárias para o Brasil, precisa superar a sombra de corrupção que paira sobre toda a classe política nacional, desde os escândalos da Lava Jato, passando pela persistência das condutas corporativistas e fisiológicas, até a histórica ineficiência da máquina pública. Um grande, mas inevitável desafio

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