Editorial

Uma carência que não é material

O escritor francês Albert Camus, um dos pensadores mais honestos do século XX, escreveu: “só existe um problema filosófico realmente sério: é o suicídio”. A vida é nosso maior bem individual. Afora o sacrifício por um ente querido ou por um grande ideal, o que pode levar uma pessoa a abrir mão da vida?

A pergunta é pungente e não permite respostas fáceis, esquemáticas ou meramente normativas. Não nos é permitido aproximar desse drama sem “tremor e temor”, pois envolve a sacralidade da vida pessoal. 

Contudo, o fato mais chocante é que em nossas sociedades a taxa de suicídios aumentou nas últimas décadas, exigindo, inclusive, que muitos países, mesmo tendo elevada qualidade de vida, adotassem ações de saúde pública para combater esse mal. 

No mundo moderno, a felicidade tornou-se uma obsessão e uma obrigação para as pessoas. Mas, isso não as fez mais capazes de serem felizes. Pelo contrário, leva-as a uma espiral frenética de busca por satisfação, bens materiais e prazer que as impede de encontrarem-se consigo mesmas e com aqueles que amam. O resultado é uma vida cada vez mais solitária, estressada, insatisfatória e sujeita à depressão patológica. 

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde para 2015, a taxa média de suicídios nos países da América Latina e Caribe ainda era menor que a média nos países europeus e da América do Norte. Apesar dos dados mostrarem que países pobres e com muitos conflitos sociais ou guerras tenham altas taxas de suicídios, o quadro geral indica que, diferentemente de outros problemas sociais, esse é um mal que está mais associado a carências que não são materiais: a falta de sentido para a vida, de um amor que corresponda aos reais desejos do coração, de uma companhia humana que seja uma ajuda real no caminho da realização pessoal.

Uma experiência de fé bem vivida não é garantia absoluta de solução dessas carências e problemas. As causas do sofrimento psíquico que leva ao suicídio são complexas e podem estar profundamente enraizadas na pessoa. Mas, para o cristão, é impossível não reconhecer que o encontro com Cristo nos abre, mais do que qualquer outra coisa, para a descoberta do sentido da vida e do amor.

A participação na comunidade cristã – por meio da vida espiritual e sacramental, do convívio e da partilha com os amigos de fé, do acompanhamento garantido por uma boa direção espiritual – é um caminho seguro para combater a desumanidade moderna que funciona como um caldo de cultura em que crescem os suicídios.

Nas situações mais graves e delicadas, evidentemente, torna-se necessário o acompanhamento de profissionais especializados, e juízos morais precipitados ou mal orientados são até prejudiciais. Mas, mesmo nesses casos, uma boa direção espiritual e o apoio da comunidade podem ser uma ajuda inestimável para se recuperar o sabor e a alegria da vida.
 

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