Comportamento

Presídio ou clausura?

“Papillon” é um clássico do cinema dos anos 1970. É a história de um condenado à prisão perpétua que após uma fuga, quase impossível, consegue a liberdade. A cena da sua alegria é contagiante, boiando no oceano: livre. Em contraponto, um repórter ao entrar na clausura do convento, repara que só há fechadura do lado de dentro. Intrigado, interroga à madre. Ela, com serenidade, e para surpresa do repórter, responde: “É para que todos saibam que nós nos trancamos aqui com liberdade, ninguém nos tranca pelo lado de fora”. Destas duas situações surge uma pergunta muito oportuna para os dias em que praticamente toda a nação está vivendo: isolamento social.

Não vamos entrar no âmbito das discussões das medidas das autoridades civis e do Ministério da Saúde. Isto não nos compete no momento. Há obediência ao que foi considerado o melhor para superar a pandemia. Há 15 dias já comentamos que precisamos aprender a “conviver com o vírus”, nos esforçando por levar uma vida familiar em casa, com atividades junto aos filhos, ao cônjuge e pessoas que moram conosco. A ociosidade é uma má companhia. Aproveitar o tempo faz com que todos possam crescer e sanar assuntos pendentes. A pergunta é para o coração: “Estou vivendo mais ‘Papillon’ ou mais ‘madre de convento’, na minha vida?”.

O fato é que a grande maioria das pessoas não está nem presa nem em clausura. Vivemos no mundo. É exatamente neste mundo que precisamos saber como e onde colocamos o nosso coração. As múltiplas atividades do mundo, seu barulho incessante, as preocupações diárias, já várias vezes comentadas nesta coluna em outras oportunidades, levam algumas vezes a uma sensação de sufocamento, como se estivéssemos numa solitária de um presídio, sem chances para sair. Por outro lado, concordar que trancar a porta a este mundo e ficar na clausura do convento nos trará liberdade, não será tão fácil aceitar.

A questão está em qual é o sentido que damos à nossa liberdade. É certo que viver trancafiado em quatro paredes, com prisão perpétua como punição, é um desafio para qualquer ser humano. Contudo, colocar a liberdade nos limites da clausura é também um enorme compromisso a ser assumido de acordo com o sentido que demos à vida.

Muitos consideram que as atividades do mundano podem satisfazer os anseios de liberdade por se viver cada vez melhor e mais felizes. E, nestes casos, podem-se sentir prisioneiros de tudo aquilo que exige de nós uma responsabilidade pelo que fizemos, um compromisso mais sério, como a decisão do matrimônio, de uma amizade com fidelidade, de um trabalho honesto, de sacrificar-se no tempo pessoal por dar maior atenção aos filhos, de manter a fé em Deus e obediência a seus mandamentos...

Algumas vezes se deseja ser Papillon, e fugir destes compromissos que, em certas circunstâncias, angustiam, provocam sofrimento que parecem não ter fim; ainda que sejam duvidosos os caminhos que tomaremos, que poderão custar prisões pesadas no futuro.

Por outro lado, a decisão firme e alegre de manter-se fiel ao que um dia se revelou ser a certeza de todas as decisões já tomadas, ciente das dificuldades, mas esperançoso pela referência para qual se caminha, pode nos assegurar a serenidade e a paz no coração. Uma paz resultante de lutas, de questionamentos humanos, de tristezas passageiras, mas que não vencem a decisão pelo Amor. Neste lugar onde se guarda pela chave de dentro a liberdade, devese não se deixar vencer pelo ímpeto transitório de sair. “Simão Pedro respondeu: A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6,68). Cristo abraçou com plena liberdade a cruz para a ressurreição, para que hoje você seja livre para escolher. Decida-se. Feliz Páscoa!

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