Comportamento

O sentido para o sofrimento

A sociedade moderna está cada vez mais aparelhada para que ninguém sofra. Cria-se uma ideia fixa para a fuga da dor e do sofrimento. O número estrondoso de farmácias em São Paulo denuncia que a população procura remédios para tudo, ao menor sinal de desconforto. Não se pode chorar porque perdeu o animalzinho de estimação ou desmanchou com o namorado. Qualquer leve desconforto precisa ser combatido de imediato. As salas de espera de pronto-socorro estão aí para provar.

Ao lado disso, todo conforto é pouco quando se trata de estofados, carros, aparelhos eletrônicos... Todos devem ser anatomicamente perfeitos e, de preferência, por controle de voz. As dietas devem ser balanceadas, sem riscos para toda sorte de doenças que eventualmente possam surgir pelo seu desequilíbrio, que provocaria sofrimentos futuros... Contudo, é fato que o sofrimento acomete a todos, em menor ou maior intensidade, em alguma etapa (mais frequentemente em várias) da vida. E, muitas vezes, por motivos e circunstâncias que ultrapassam o limite do ser humano. Seja por causas físicas, psicológicas e sociais ou seja, porque não dizer, por causas espirituais, o sofrimento alcança o homem em todas as suas dimensões.

Diz um provérbio que “dor é inevitável, sofrer é opção”. Não é uma frase de fácil aceitação. Parece conceituar o sofrimento como um certo masoquismo, o que não é verdade. Desnecessário mencionar exemplos de circunstâncias de dificuldades imensas, em que cada um terá a sua experiência, que nunca deve ser comparada com outra. A frase, porém, distingue esses dois sentimentos como sendo a dor uma reação de mal-estar, agudo ou crônico, que surge, inevitavelmente, pelo estímulo doloroso que se recebe. Uma martelada é uma martelada: dói. O sofrer, contudo, transcende a dor, ou seja, adentra nos caminhos que vão além da sensação dolorosa e avançam no terreno existencial que abriga o sentido que se dá à vida. Percorre as vias da culpa, do “destino”, do inconformismo, do “vitimismo”, do martírio...

É possível sentir uma dor intensa sem sofrer? A resposta é sim. A prova mais verificável é o parto natural. A dor chega no seu extremo no ápice do processo de expulsão da criança, e, de modo inexplicável, segue- -se uma alegria explosiva de contentamento e não de sofrimento. Um pai carrega um filho no colo por longas horas, apesar de suas dores intensas na coluna, e, ao chegar ao destino, não considera as dores como sofrimento. O psiquiatra judeu Viktor Frankl afirmava após longa permanência em campos de concentração nazista: “O que mata um homem não é o sofrimento, mas o sofrimento sem sentido”.

Para Frankl, em toda a sua vasta experiência de prática clínica, não é possível evitar totalmente determinadas dores, todavia é necessário elevar esse sentimento para um sentido de vida que seja valorizado para aquela pessoa. Palavras fáceis de se escrever, mas duríssimas, muitas vezes, de se viver. E viver nos pequenos ou grandes desconfortos que se apresentam, sem que se queira, no cotidiano; sem a necessidade de termos de buscar esquisitices para sofrer, o que já seria um masoquismo. Esse comportamento exercido com perseverança chega a minimizar ou tolerar melhor as dores e evita que o sofrimento se instale em virtude da atitude de esperança que se apresenta para a vida. Em outras palavras, o grande remédio para o sofrimento está na virtude da esperança.

É pela fé que alimentamos os passos para a esperança. É pelo perdão que afastamos muitos obstáculos para a esperança. É pelo desprendimento que nos tornamos mais leves e velozes na direção da esperança. É pela humildade que reconhecemos que não somos a verdade e, sim, um meio de poder conduzir muitos à Verdadeira Esperança. Estamos vivendo os dias da Paixão do Senhor. Um mistério divino! O quanto Ele quis nos revelar em todas as suas dores, atrocidades humanamente insuportáveis, o verdadeiro sentido do Amor que supera a nossa compreensão. Ele nos apresenta o sentido da vida que afasta todo e qualquer sofrimento: a Ressurreição. Que nunca se perca essa esperança. Feliz Páscoa a você, a seus familiares e amigos.

Dr. Valdir Reginato é médico de família. E-mail: vreginato@uol.com.br
 

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