Fé e Cidadania

O discípulo se converte em missionário

As páginas do Evangelho trazem uma constatação imediata. O encontro com o Senhor muda a pessoa, quer do ponto de vista pessoal, quer do ponto de vista social. Não faltam exemplos: Nicodemos, Maria Madalena, Natanael, a Samaritana, Zaqueu, a mulher sírio-fenícia, Mateus, e assim por diante. Homens e mulheres que encontram em Jesus de Nazaré o endereço certo para a “vida em abundância”.

Não se trata de uma mudança superficial, que mal arranha as ondas aparentes do lago, mas de uma transformação de fundo, que revoluciona as correntes subterrâneas e ocultas. Algo que mexe com o interior de nossas entranhas, faz uma releitura da experiência passada, uma avaliação da vida presente e, ao mesmo tempo, modifica o rumo dos horizontes. Está em jogo o sentido mais profundo da existência humana.

Convido o leitor a concentrar-se na figura de Simão Pedro. Homem forte, rude, impetuoso, de resposta sempre pronta. Jesus muda seu nome para Cefas, Pedra, sobre a qual edificará a Igreja. Mas Pedro é também um homem frágil, lento de compreensão, impulsivo e, na hora decisiva, aquele que renega o Mestre. Este último lhe havia prognosticado: “Antes que o galo cante, tu me negarás três vezes” (Mt 26,75).

O evangelista prossegue, dizendo que Pedro, ao sentir sobre si o olhar do Senhor, “saiu para fora e chorou amargamente”. Como em tantos outros casos, estamos diante de um pranto que brota do coração arrependido, copioso em lágrimas purificadoras, indicando a passagem de uma conversão de superfície a uma mudança bem mais radical e decisiva. Do fel da amargura, renasce nova esperança.

Não será exagero falar de uma espécie de Mistério Pascal antecipado. No olhar do Mestre, ao cruzar com aquele do discípulo atemorizado, transparece o amor infinito, acompanhado do perdão. A indecisão do homem velho, pregado na cruz da fuga e da negação, cede lugar à transfiguração do homem novo que, com o rosto ainda banhado, emerge do túmulo do pecado para uma vida que ganha nova luminosidade.

De uma certa forma, no mais íntimo de si mesmo, Pedro segue o Senhor em sua Paixão, Morte e Ressurreição. Espinhos, pregos e quedas o atormentam no âmago do próprio ser. Começa a lavá-los no choro depurador, porém a conversão, longe de ser um passe de mágica, consiste em um processo longo e laborioso de escuta, reflexão e renúncia.

Passado o momento de crise e de trevas, a Ressurreição abre uma aurora plena de sol, luz e brilho. E, então, sim, o discípulo medroso se converterá no missionário ardoroso, apóstolo incansável e primeiro pastor da Igreja nascente. Um batismo na água do pranto o levará a um empenho sem limites na divulgação da Boa Nova de Jesus Cristo, a ponto de sofrer idêntico martírio do Mestre.
Novamente por três vezes – como que para apagar por meio da graça todo e qualquer vestígio do pecado – o Ressuscitado perguntará “Simão, filho de Jonas, tu me amas”? E diante da resposta afirmativa, o confirmará à frente do rebanho: “Apascenta minhas ovelhas” (Jo 21,12-17).

 Padre Alfredo J. Gonçalves, CS, é teólogo, e integra o Serviço Pastoral dos Migrantes

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