Opinião

‘Mãe é tudo igual, só muda o endereço’: Será?

Arte: Sergio Ricciuto Conte

Estereótipos, rótulos, fôrmas são, na melhor das hipóteses, tentativas de simplificar e compreender a realidade que nos cerca. Quando conseguimos caracterizar, categorizar, definir, classificar parece que a complexidade torna-se menos assustadora e, assim, adquirimos certo domínio sobre os fenômenos.

Quando o assunto é maternidade, ao menos em um primeiro momento, trata-se de um tema menos complexo. Afinal, no mundo ideal, “mãe é tudo igual, só muda o endereço”. Adjetivos relacionados à maternidade não faltam: ternura, bondade, desprendimento, amor, dedicação, confiança. No mundo real, podem existir ainda outros: medo, insegurança, culpa, abandono, rejeição, maus tratos, indiferença, revolta.

Em geral, compreendemos com tranquilidade que cada filho é único. Porém, ainda resistimos em aceitar que cada mãe é igualmente única: uma mulher, situada em um tempo e um espaço, com história pessoal própria e uma gama de potencialidades e limites que são postos em cheque a cada instante.

A maternidade é, portanto, uma experiência única, situada no aqui e no agora. Nunca uma vivência a-histórica.

Se em outros tempos, por exemplo, as mulheres eram reconhecidas, sobretudo, pela sua capacidade reprodutiva, hoje estamos diante de um quadro em que parece uma ofensa romper a barreira do segundo filho, de modo que as novas gerações sentirão dificuldade em compreender a expressão “Igual coração de mãe: sempre cabe mais um.”

 

Mulher não é tudo igual. Mãe não é tudo igual! Viver a maternidade conscientemente requer tomar parte daquilo que nos constitui, tanto no âmbito pessoal como comunitário. Compreender aquilo que nos constitui não apenas para conformar- se com isso, nem para justificar- se e esconder-se, mas também para avaliar o que realmente nos edifica. Decidir sobre o tipo de mãe que queremos ser, ainda que alguns duvidem, está ao nosso alcance.

A maternidade é inevitavelmente uma via de dores e alegrias, cruz e ressurreição. O mesmo filho que nos faz rir, também nos faz chorar - quase sempre não intencionalmente -; essa é uma via da qual dificilmente escapamos.

A via da reconciliação faz-se, portanto, também necessária. Reconciliar- se com a própria história de vida e, a partir dela, alçar novos horizontes é uma possibilidade humana que não devemos desperdiçar. Uma reconciliação que consiste em admitir falhas e erros de outros e os próprios. Da mãe que tivemos e da que somos ou seremos. Reconciliação que significa também substituir as lentes da (auto)crítica e do (auto)julgamento pelas lentes da gratidão e do reconhecimento, sob a pena de sermos esmagadas pelo fardo da busca de uma perfeição inalcançável aos humanos.

Mesmo aquela – Maria, Mãe de Deus e nossa – que muitos temos como referencial de Mãe, também era única. Podemos nos espelhar, admirar, desejar suas virtudes, mas, ainda assim, nos apropriaremos delas de maneira original – sempre mais imperfeita – e nunca da mesma forma.

Portanto, ousemos ser mais nós mesmas, com nossas fraquezas, limitações, alegrias, medos e esperanças. Ousemos amar nossos filhos com um amor livre, desinteressado, grato e feliz, assim como Maria nos ama. Renunciemos ao fardo de acertar sempre, sendo sempre mais originais e autênticas, renunciando aos rótulos ou estereótipos. Afinal, “Mãe só tem uma!”

 

As opiniões expressas na seção “Opinião” são de responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editorais do jornal O SÃO PAULO.

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