Editorial

Fraternidade e Políticas Públicas

O desenrolar da história demonstra que, desde que se organizou em sociedade, a humanidade procurou estabelecer normas e princípios que assegurassem direitos e deveres às pessoas, nos mais diversos âmbitos em que esse relacionamento entre elas pudesse se desenvolver. Tal concepção fica ainda mais nítida com a criação do conceito de governo, que é a parte da sociedade especializada na busca do bem comum, como o conjunto de organismos e pessoas dedicados formal e oficialmente à gestão pública.

O papel do governo, no entanto, segue o princípio da subsidiariedade. Sua atuação deve se dar naquilo que as pessoas, individualmente ou associadas, não conseguem realizar por si próprias. Esse “limite” de ação deve ser observado justamente para que se possa garantir aos cidadãos o protagonismo da vida em sociedade, condizente com o reconhecimento da dignidade humana e com uma ética que privilegia o desenvolvimento pessoal.

No Brasil atual, com o amadurecimento da consciência política da população e sua importância na definição dos destinos da nação, a Igreja propõe para a Campanha da Fraternidade deste ano o tema “Fraternidade e Políticas Públicas”, cujo objetivo geral é estimular a participação das pessoas nas políticas públicas, à luz da Palavra de Deus e da Doutrina Social da Igreja, para fortalecer a cidadania e o bem comum, sinais inequívocos de fraternidade.

Assim, a fim de garantir que as políticas públicas sejam formuladas e concretizadas eticamente, com o objetivo de assegurar os direitos sociais aos mais frágeis e vulneráveis, a Igreja estimula o despertar de consciência e o incentivo à participação de todos na concepção e aplicação de tais políticas.

A preocupação primeira da Igreja é atestar que o direito e a justiça sejam o alicerce sobre o qual se assenta o agir humano. Isso se traduz na escolha do lema da CF 2019, retirado do livro do profeta Isaías, “Serás libertado pelo direito e pela justiça” (Is 1,27). Nesse âmbito, as palavras proferidas pelo Papa emérito Bento XVI já denunciavam o perigo que ronda a sociedade moderna quando a justiça deixa de ser devidamente observada:

“As estruturas justas são uma condição sem a qual não é possível uma ordem justa na sociedade. Porém, como nascem? Como funcionam? Tanto o capitalismo quanto o marxismo prometeram encontrar o caminho para a criação de estruturas justas e afirmaram que estas, uma vez estabelecidas, funcionariam por si mesmas; afirmaram que não só não teriam tido necessidade de uma precedente moralidade individual, mas também que fomentariam a moralidade comum. E essa promessa ideológica demonstrou-se falsa [...] As estruturas justas são, como já disse, uma condição indispensável para uma sociedade justa, mas não nascem nem funcionam sem um consenso moral da sociedade sobre os valores fundamentais e sobre a necessidade de viver esses valores com as necessárias renúncias, inclusive contra o interesse pessoal” (Discurso na Sessão Inaugural da V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, 13 de maio de 2007).

Portanto, a justiça das estruturas do governo não é suficiente para garantir que essa justiça se estenda a toda a sociedade. Ao contrário, diante do princípio da subsidiariedade, central para a Doutrina Social da Igreja, não é o governo que por si só criará uma sociedade justa e fraterna, mas sim os valores que permeiam e iluminam a sociedade como um todo e cada indivíduo que faz parte dela. Apenas com a irradiação desses valores, as políticas públicas promovidas pelo governo atingirão seu objetivo.

 

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