Opinião

Família: lugar de acolhida e proteção

Surpreendeu-me, positivamente, quando um aluno do Jornalismo da PUC-SP, depois de três semestres de aulas na disciplina de Introdução ao Pensamento Teológico (IPT), convidou-me para conversarmos sobre o aborto. Alegrou-me por ocasião da lembrança e por considerar que esse tema fosse respondido por um professor que ministrou Créditos Teológicos em uma Universidade Católica.

Iniciei o diálogo remetendo às Sagradas Escrituras. Deus comunicou-se com o povo de Israel manifestando o seu Amor e, assegurando a Aliança, esperou responsabilidade e fidelidade. Apresentou algumas normas e preceitos a serem seguido pelo
povo eleito. No Decálogo, lemos que Deus indicou “[...] não matarás [...]” (Êx 20,13), condição primeira e única para assegurar a vida de todos e para todos em todas as circunstâncias. A vida deve ser sempre preservada e valorizada.

Cristo Jesus indicou no Evangelho da Vida: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14, 6). Portanto, o imperativo para o seguimento é manter e promover a vida. O cristão não deve matar ou interromper a vida. Exemplificando sua atitude, o Salvador e Redentor da humanidade, dialogando e exortando com a mulher adúltera, assegurou: “Eu também não te condeno. Vai e, de agora em diante, não peques mais” (Jo 8,11).

A comunidade primeva atendeu ao chamamento do Bom Pastor: “Segue-me!” (Mt 9,9) e entendeu o seguimento: “Entrai pela porta estreita [...] estreita a porta e apertado o caminho que leva à vida, e são poucos os que o encontram” (Mt 7,13-14). A importância da tradição apostólica e da literatura dos Padres Apostólicos mantiveram a unicidade da mensagem salutar de Cristo Jesus à sua Igreja e a toda a humanidade. Na Didaqué, Catecismo dos primeiros cristãos e pérola preciosa da literatura cristã, encontramos referências e princípios de conduta aos que se aproximavam da pregação apostólica no seguimento radical a Cristo Jesus. Expressamente, em relação ao aborto, re-portamo-nos à seguinte citação:
“Não matarás [...] Não matarás criança por aborto, nem criança já nascida [...]” (Didaqué II, 2).
No Magistério Apostólico, exercido pelo Papa Francisco, encontramos a belíssima Carta Apostólica, de 20 de novembro de 2016, intitulada Misercordia et misera. Ele retomou o diálogo de Cristo Jesus com a mulher adúltera (cf Jo 8,1-11), propondo
uma reflexão dialogante e construtiva sobre a sua vida pregressa. O Redentor, agindo com misericórdia, a absolveu dos seus pecados. Reconduzida junto aos seus, a mulher, não mais adúltera, livre e segura de ter encontrado o Caminho, manteve
sua liberdade e viveu o tempo presente assegurada para o viver do tempo Eterno. Na condição de miserabilidade, a mulher encontrou a graça e o perdão de Jesus Cristo, no diálogo e na misericórdia, por Ele estabelecido.

O aborto não se remete apenas à mulher ou ao uso do seu corpo. O tema é abrangente e envolve o homem e a mulher. O corpo humano é obra de Deus e templo no Espírito Santo. No fim dos tempos, ressuscitaremos no corpo glorioso (cf. 1 Cor 11,52-55). A dignidade da pessoa humana é envolvida desde a criação “Deus criou o ser humano à sua imagem [...]. Homem e mulher, Ele os criou” (Gn 1,27). A vida é concedida por Deus ao gênero humano, e o homem e a mulher a geram participando da criação do Altíssimo. Portanto, é necessário garantir e preservar a vida, desde a concepção até o ocaso.

O Papa Francisco reiterou, recentemente, na sua visita apostólica à Irlanda, por ocasião do Encontro Mundial das Famílias, o sim incondicional em favor da família. O ambiente familiar é o lugar de acolhida e proteção; é o lugar que recebe quem chega no ventre materno e quem é recebido no aconchego paterno; é o lugar de pertença e responsabilidade do casal. Enfim, é o lugar de gerar a vida e não interrompê-la em nenhuma hipótese sequer.

A Igreja deve estar atenta a todas as necessidades da sociedade. Deve evangelizar em todos os lugares e ambientes. A universidade, sobretudo católica, deve, também, ser lugar para proclamar a Palavra de Deus. Referindo-me ao jovem estudante
de Jornalismo da PUC-SP e suas inquietações sobre o aborto, concluo reiterando a palavra do Magistério de Francisco, encontrada na Exortação Apostólica, de 24 de novembro de 2013, Evangelii Gaudium, “[...] diálogo, sempre amável e cordial, nunca se deve descuidar o vínculo essencial entre diálogo e anúncio [...]” (EG, n.251). Como Igreja, devemos dialogar sempre e sobre todos os temas propostos, porém, devemos, também, e em todas as circunstâncias, anunciar Jesus Cristo e
o Evangelho que produz vida.

José Ulisses Leva é padre secular e professor de História da Igreja da PUC-SP

Para pesquisar, digite abaixo e tecle enter.