Fé e Cidadania

Ciência e Religião não se misturam?

Segundo o Catecismo da Igreja Católica, a ciência e a técnica são boas enquanto expressam a capacidade do intelecto humano e seu domínio sobre a criação, provendo preciosos recursos ao desenvolvimento integral de todos os homens e nações. Mas não podem dar por si só o sentido da existência. Por isso, é na pessoa e nos seus valores morais que se encontra a finalidade da técnica e da ciência, bem como a consciência dos seus limites (cf. CIC 2293).

Por sua vez, o fideísmo completamente desconectado da racionalidade leva a extremismos que também colocam a liberdade e a vida humana em risco. A religião desperta no homem uma impressionante capacidade para aniquilar-se. Já se ouviu dizer de cenas de suicídio em massa, sacrifícios humanos, transferência de patrimônios integrais a igrejas, além de guerras e de ataques terroristas; tudo em nome de Deus.

Não é sem razão que a Academia Pontifícia das Ciências, de âmbito internacional, tem como escopo, dentre outros, o progresso da matemática, da física e das ciências naturais, bem como maneiras de favorecer o alcance dos benefícios da ciência e tecnologia ao maior número possível de pessoas e povos, garantindo que a ciência trabalhe em prol do desenvolvimento humano e moral do homem; da promoção da justiça, solidariedade e paz.

O Papa Bento XVI disse que tanto o desenvolvimento científico quanto a busca de sentido brotam do mesmo princípio. A investigação científica e a exigência de sentido, apesar da fisionomia epistemológica e metodológica específica, jorram daquele Logos que preside a obra da criação e guia a inteligência da história (Discurso na Universidade do Sagrado Coração, 03-05-2012).

Na mesma ocasião, entretanto, denunciou que o avanço tecnológico e científico pode ser instrumentalizado por interesses de saber, orgulho, poder e lucro desmedido e acabar se voltando contra o próprio ser humano até sua destruição, gerando um desequilíbrio entre o que é tecnicamente possível e o que é moralmente bom. Significa dizer que o progresso científico é profundamente sedutor, mas, se não caminhar pari passu com a ética, que é cara às religiões, desemboca em poder absoluto capaz de agredir a própria vida humana. Além disso, o moderno espírito tecnicista despreza a vida espiritual e considera as questões ligadas à vida interior somente do ponto de vista psíquico. Contudo, “a pessoa humana é um ser uno, composta de alma e corpo, nascido do amor criador de Deus e destinado a viver eternamente[...] O vazio em que a alma se sente abandonada, embora no meio de tantas terapias para o corpo e para o psíquico, gera sofrimento” (Bento XVI, Caritas in Veritate, CV, 76).

As reflexões no campo da bioética são especialmente importantes no sentido de harmonizar as conquistas da ciência e a dignidade da pessoa humana. No entanto, reside aí uma questão crucial: a de uma razão aberta à transcendência ou fechada na imanência, a de decidir se o homem se produz por si mesmo ou se é criatura dependente de Deus (cf. CV, 74).

É ainda o Papa Emérito que ensina: o saber nunca é obra apenas da inteligência. Pode, sem dúvida, ser reduzido à cálculo e à experiência, mas deveria ser “temperado” com o “sal” da caridade. Não aparece a inteligência e depois o amor: há o amor rico de inteligência e a inteligência cheia de amor. Isso significa que as ponderações morais e a pesquisa científica devem crescer juntas e que a caridade as deve animar num todo interdisciplinar harmônico, feito de unidade e distinção (cf. CV, 30/31).

Daniela Jorge Milani é mestre e doutoranda em Filosofia do Direito na PUC-SP e advogada em São Paulo.

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