Fé e Cidadania

Adeus às armas

No livro que, quase em tom autobiográfico, escreveu sobre sua participação na Primeira Grande Guerra, na qual atuara como enfermeiro de ambulância militar, justamente no território da atual Eslovênia – onde irmãos lutaram uns contra os outros –, Hemingway deixou escrita, no livro que dá título a este texto, uma frase lapidar: “Não há nada pior do que a guerra”.  

E agora, quando se inicia o centenário da celebração do Tratado de Paz – firmado em Versalhes em junho de 1919, é tempo de refletir sobre um necessário e urgente adeus às armas. 

Com efeito, o Tratado em questão lançou, de modo perene, o contraponto vitorioso ao discurso ideológico da luta de classes e propôs a pacificação do e no mundo do trabalho, determinando a edificação da mais antiga repartição das Nações Unidas – a Organização Internacional do Trabalho (OIT) – cuja missão consiste em fomentar a harmonia e a solidariedade entre as categorias sociais da produção, em linha com o magistério da Rerum Novarum (1891), marco inaugural da Doutrina Social da Igreja.

Desde então, o mundo do trabalho passou a discutir pacificamente, mediante encontros anuais entre trabalhadores e patrões, também contando com o suporte dos Estados-membros da OIT, as pautas relativas aos direitos dos trabalhadores e aos esquemas de proteção social nas contingências que atingem o exercício laboral – tais como a doença, a invalidez, o desemprego, o acidente do trabalho e a morte –, tirando o sustento do homem que trabalha e deixando ao desamparo aqueles que dele dependem.

Graças à decisiva atuação da OIT, em todo o mundo civilizado o conjunto de direitos que, sem embargo do suor com que o labor faz brilhar o rosto dos obreiros, é posto em ordem para a “restauração e aperfeiçoamento da Ordem Social” exigida pelo mesmo Pio XI (Quadragesimo Anno, 1931) eleve o trabalhador ao lugar de dignidade com que a força histórica e redentora do trabalho, a partir da criação do mundo, desde sempre lhe reserva.

A força do trabalho e para o trabalho consiste em fazer com que, consoante à profética antevisão de Amós, o adeus às armas se concretize pela substituição delas – as destruidoras armas – em foices, cuja capacidade instrumental permite que a nossa Casa Comum,  a quem o Papa Francisco designa um papel especial, seja edificada com vistas ao novo céu, à nova terra.

Para tanto, não poderia prevalecer, e não pode prevalecer, após o Tratado de Paz, o espírito belicoso do vencedor. A animosidade deve dar lugar à fraternidade. 

E, como esse requisito não foi observado, os ânimos acirrados fizeram eclodir a Segunda Guerra.

É bem verdade que, sobre os escombros da Segunda Guerra Mundial viria a surgir o espaço de pacificação idealizado pela Carta de São Francisco (belo lugar, simbólico nome: Senhor, fazei-nos instrumentos de vossa paz!) em que se constituiu a Organização das Nações Unidas. 

Ecoando um desejo cristão por paz (cf. São João Paulo II. Mensagem para o 40° aniversário da ONU, 14 de outubro de 1985), lembrado em vários documentos pontifícios (ver também Compêndio da Doutrina Social da Igreja, CDSI 488ss), na pauta perene da ONU, o apelo por um adeus às armas figura todos os anos dentre os temas de reflexão da Assembleia Geral. Que um dia seja aprovado por unanimidade!
 

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