Bioética e defesa da vida

Aborto, mito do progresso e tecnociência

O Papa Francisco, no pronunciamento durante o Fórum das Famílias, no Vaticano, causou polêmica ao afirmar, dentre outras coisas, que o aborto é uma forma de “nazismo de luvas brancas” (cf. Discurso à Delegação do Fórum das Associações Familiares, 16 de junho de 2018). Num primeiro momento, é possível se afirmar que existe uma semelhança entre os campos de concentração nazistas e as clínicas de aborto. Ambos funcionam como centros de extermínio da vida humana. Num segundo momento, é necessário notar que existe uma grande contradição na sociedade contemporânea. De um lado, fala-se em proteção das minorias (sexuais, étnicas, linguísticas, etc), defendem-se os direitos fundamentais, clama-se pela ampliação dos direitos humanos e da cidadania. Do outro lado, defende-se o aborto como solução para problemas pessoais e sociais.    

Grande parte dessa contradição está no fato do Ocidente ainda ser orientado pelo mito do progresso e por uma visão, um tanto quanto estreita, da tecnociência. O mito do progresso, que surge entre os séculos XVIII e XIX, afirma que o ser humano, especialmente o homem moderno, tudo pode conseguir, que tem ou dará todas as respostas para os dilemas da humanidade, que o conhecimento é acumulativo, que poderá tocar na essência da realidade e, com isso, manipular a natureza e a própria vida. Em grande medida, o nazismo foi guiado por esse otimismo. Já a tecnociência coloca como centro da realidade a razão instrumental, a capacidade humana de construir objetos materiais, de dar explicações matemáticas e até mesmo fechadas para os dilemas humanos. Em si mesmo, a tecnociência não é ruim, mas ela precisa ser orientada pela ética e por valores humanísticos. Os campos de concentração nazistas é um bom exemplo do uso da tecnociência sem a orientação da ética. Muitos pesam que os campos de concentração eram apenas centros de assassinatos em massa, mas, ao contrário, eram estruturas modernas construídas e orientadas pela tecnociência.

Enquanto ideologia política o nazismo foi derrotado na década de 1940. No entanto, a derrota militar do nazismo não representa o fim do mito do progresso e da falta de orientação ética da tecnociência. Em nossos dias, vemos o mito do progresso e uma tecnociência desprovida de ética em situações, como, por exemplo, doentes que morrem na porta de hospitais, em crianças vítimas de balas perdidas, no abandono da infância e da velhice, na crise dos refugiados, na falta de políticas de emprego para a juventude.

No entanto, de forma mais radical, como bem demonstrou o Papa Francisco, na sociedade contemporânea os fenômenos do mito do progresso e da tecnociência desprovida de ética se materializam no aborto. O aborto é uma espécie de “nazismo renascido” onde o mito do progresso e uma ciência sem humanismo podem fazer o que bem quiserem com a vida humana, inclusive matá-la, descartá-la.  

É bom recordar que foram as contradições e a impossibilidade dos países e autoridades ocidentais de reformularem o mito do progresso e a tecnociência um dos fatores, dentre outros, que conduziu a realização da Segunda Guerra Mundial e de toda matança e destruição oriundas desse conflito armado. Atualmente a humanidade volta novamente a enfrentar esses problemas. O aborto, ao mesmo tempo, é o lado visível e a nova forma de experimentação do processo de descarte dos seres humanos.

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