Editorial

A minoria da minoria

O Censo Demográfico de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontava, na época, que 23,9% da população brasileira possuía algum tipo de deficiência. Recentemente, o Grupo de Washington sobre Estatísticas das Pessoas com Deficiência, organismo vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU), desenvolveu um novo instrumento de coleta de dados sobre pessoas com deficiências em estudos populacionais, que se tornou o mais difundido e utilizado em todo o mundo. 

Segundo essa nova abordagem, o levantamento da existência de alguma forma de deficiência se concentra em seis domínios funcionais essenciais – enxergar, ouvir, andar, cognição, autocuidado e comunicação – e se propõe a identificar, entre a população em geral, pessoas sujeitas a um maior risco de sofrerem restrições de participação [em qualquer atividade acessível a pessoas sem qualquer deficiência]. 

Desde o ano passado, o IBGE passou a adotar essa nova abordagem e, portanto, a proporção das pessoas com deficiência na população do País passou a ser de 6,7%.

As leis atuais obrigam as empresas a preencher uma cota, dando aos deficientes um lugar no mercado de trabalho. Essa cota varia de 2% a 5% [do total de funcionários existentes em uma companhia, dependendo de seu ramo de atuação]. Se, por um lado, pessoas com deficiência não conseguem emprego, por outro as empresas não conseguem encontrar mão de obra qualificada para preencher as vagas. 

Muitas pessoas com deficiência encontram dificuldade para ocupar essas vagas por dois motivos: o primeiro está vinculado à infraestrutura das cidades, que ainda são precárias. Em São Paulo, por exemplo, muitas calçadas e transportes públicos não possuem nenhum tipo de acessibilidade. Se na cidade mais rica do Brasil a infraestrutura ainda é precária, como funciona a acessibilidade nas regiões mais pobres? O segundo motivo é o bullying e a exclusão que essas pessoas sofreram em trabalhos e ambientes sociais anteriores, haja vista que a lei que inclui as crianças deficientes em escolas regulares ainda é recente, de 2015. Até então, o deficiente era colocado em uma escola para deficientes e inserido tardiamente na sociedade, já no mercado de trabalho, ambiente que muitas vezes lhe é hostil. 

Também é preciso ressaltar que muitas oportunidades de emprego voltadas às pessoas com deficiência chegam a oferecer uma remuneração ínfima, fator desestimulante ao deficiente, que o faz ir atrás de uma verba do governo, a qual supera a oferta das empresas.
Outra questão importante no que se refere às empresas é a multa cobrada pelo Estado, quando a cota não for cumprida: seu valor varia de R$ 2 mil a R$ 200 mil. Não seria melhor investir em cursos de capacitação para seus funcionários com deficiência do que correr o risco de sofrer a multa? 

O Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência (PCD) é lembrado em 21 de setembro. Nesse período, acontecerá o festival “Sem Barreiras”, entre os dias 17 e 22, em vários pontos da cidade, com mais de 100 atrações e diversas atividades culturais voltadas à temática, com artistas deficientes. 

Existem bons projetos e iniciativas voltados aos deficientes, como a Fundação Fernanda Bianchini, Instituto Olga Kos, Fundação Dorina Nowil, entre outros, porém não existe ainda uma preocupação da grande mídia em expor tais questões, deixando a discussão muito restrita a um grupo de pessoas. Esse debate pertence à sociedade, ao poder público e às grandes empresas e, se não houver um entendimento maduro que envolva esses três setores, tais questões vão ficar à margem do que é fundamental para a existência de uma sociedade justa e solidária. Cabe, portanto, à mídia liderar os esforços para que o assunto envolva a população de forma concreta e se torne uma pauta nacional factível.

Também é necessário que a população volte seu olhar para as pessoas com deficiência, um olhar que não põe o deficiente no lugar do “coitadinho” ou do “herói”, mas que o ponha no lugar de uma pessoa, com questões e necessidades que lhes são próprias.

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