Espiritualidade

A via crucis e a vida nova

No Evangelho de João, a obra salvífica do Filho de Deus chegou ao seu término num jardim (cf. Jo 19,41). O jardim simboliza um lugar aprazível, que propicia momentos agradáveis às pessoas, em clima de harmonia com os semelhantes e com a natureza. Esse significado de jardim catalisa os melhores anseios das pessoas e da sociedade, desejosas de verem superados os seus desafios e de virarem páginas desagradáveis da história. Na Bíblia, também expressa o dom de Deus à humanidade.

Em João, a referência ao jardim lembra o Éden (cf. Gn 2,8), descrito de modo encantador nas primeiras páginas das Sagradas Escrituras, uma dádiva de Deus aos primeiros pais para que eles se realizassem mediante o seu cultivo (cf. Gn 3,15). No entanto, a infidelidade de Adão e Eva ao projeto do Criador (cf. Gn 3,6-7) introduziu, no também chamado paraíso, a sensação de estar só (nudez) e de insegurança (medo), a desarmonia e o sofrer (cf. Gn 3,14-24). A rejeição à Palavra de Deus e o pecado dos primeiros pais tornaram o jardim uma “terra de males”.

A mensagem é bem clara no sentido de mostrar que a fronteira entre o jardim e a “terra de males” é a fidelidade ou infidelidade do homem/mulher a Deus, que é bom. Os valores e interesses inerentes às opções e práxis das pessoas, das comunidades e da sociedade são determinantes para a construção de uma realidade ou outra.

Na cruz de Jesus Cristo, essas duas realidades se encontram. O Crucificado todo ensanguentado, humilhado, desfigurado, “indivíduo de quem a gente desvia o olhar” (Is 53,3) é expressão da “terra de males”, onde reinam a destruição e a morte. Entretanto, Jesus estendido na cruz é, sobretudo, a imagem da plena fidelidade ao projeto do Pai e recriação definitiva do “jardim”.

A acolhida deste amor incondicional do Pai expresso na cruz liberta para gestos de semelhante gratuidade nas relações e atenção ao outro, inclusive aos que praticam o mal. O Crucificado liberta e salva para vir à tona o que de melhor o Criador semeou no coração do ser humano. Assim, a cruz, que entrelaça céu e terra, é a fonte perene para a transformação da “terra de males” ou superação das situações de sofrimento e morte.

Desse instrumento, antes só conjugado com a morte, em Jesus, sempre emanará o indispensável para a superação das divergências e conflitos que se inserem na convivência e organização da vida pessoal e social. O significado e importância da cruz se reveste de validade universal, extrapola credos, grupos, ideologias e é indispensável para a construção de uma sociedade justa e pacífica.

Se a noção de ‘jardim’ por si mesma é atrativa, com mais razão ainda o madeiro que sustenta o Filho de Deus, colocado no centro deste local paradisíaco no Evangelho de João. Naquela árvore da vida, Jesus Cristo, de braços abertos, sofre com os que sofrem, morre com os que morrem e se solidariza com todas as pessoas na trilha da justiça.

A Semana Santa reserva um dia especial para a contemplação e adoração de Jesus Crucificado. Que cada fiel, diante da cruz do Senhor, reconcilie-se com a sua própria cruz, para se fazer testemunha das maravilhas de Deus operadas por meio desse instrumento que salva, e que o testemunho dos discípulos daquele que venceu a morte mostre que pela via crucis se superam os males e se edifica uma vida nova.

 

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