Amparo Maternal é referência de parto normal em São Paulo

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17 de junho de 2018

Parto humanizado, violência obstétrica e mortalidade materna são temas que fazem parte de um dos momentos mais fortes e, ao mesmo tempo, delicados da vida humana: o nascimento. Diante disso, há 78 anos, o Amparo Maternal foi fundado com o apoio do Arcebispo de São Paulo à época, Dom José Gaspar D’Affonseca e Silva. 

O Amparo Maternal realiza uma média de 480 partos por mês – sendo 73% deles partos normais –, todos atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Gerido pela Associação Congregação de Santa Catarina (ACSC) desde 2008, o Amparo é considerado modelo de boas práticas de humanização pela Secretaria Municipal de Saúde.

Além de dar prioridade ao parto natural, o Amparo se diferencia de outras maternidades ao permitir, por exemplo, que a parturiente permaneça com um acompanhante em período integral, desde sua admissão até sua alta e a do bebê, e não apenas nos horários de visitas, podendo optar pelo auxílio de doulas da maternidade. Conta, também, com o Centro de Acolhida, um abrigo provisório para gestantes em situação de vulnerabilidade e risco social, estendendo-se ao período pós-parto e ao filho recémnascido. O atendimento do Centro de Acolhida é realizado por meio do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), com foco no trabalho social individualizado que favorece o processo de reconstrução de vida das atendidas e sua reinserção social, familiar e comunitária. 

Em entrevista ao O SÃO PAULO, Karena Castro, coordenadora de Enfermagem do Amparo Maternal, falou sobre como o Amparo privilegia o tratamento humanizado e acolhe as necessidades de suas pacientes, de modo que elas possam ser respeitadas durante todo o tempo que permanecem na instituição.

 

O SÃO PAULO – COMO É A ROTINA DO AMPARO MATERNAL NO QUE SE REFERE AO PARTO NORMAL?

Karena Castro – Nós realizamos uma média de 20 de partos a cada 24 horas. Em abril, fizemos 621 partos, sendo que 450 foram partos normais, e 95% dos partos normais são feitos por enfermeiras obstetras. É uma coisa muito arraigada no Amparo. De longa data, o enfermeiro faz o parto normal e os médicos acompanham. A gente tenta dividir o máximo as responsabilidades. Muitas mulheres que chegam ao Amparo têm medo do parto normal. Então, procuramos acalmá- -las e explicar todo o processo. Somos uma maternidade que atende 100% via SUS, nosso foco é o parto normal, com gestantes de baixo risco, que não têm diabetes, colesterol alto ou hipertensão. Mas acontece de pacientes hipertensas ou com diabetes controladas procurarem a maternidade e, quando é possível, nós as atendemos também. Temos uma UTI neonatal com dez leitos, mas não receberíamos a mulher com outras comorbidades, devido aos riscos para ela mesma e a ausência de uma UTI para adultos.

 

QUEM PODE RECORRER AO AMPARO? COMO FUNCIONA O CENTRO DE ACOLHIDA?

A partir do momento que a gravidez é identificada, e a mulher não tem para aonde ir, ela pode morar no Amparo Maternal. E depois do parto, a mulher pode ficar até seis meses no Amparo. No Centro de Acolhida, elas têm aulas de Língua Portuguesa, maquiagem e artesanato. 

 

E SOBRE A QUESTÃO DA ACOLHIDA DE MULHERES IMIGRANTES E REFUGIADAS?

Acredito que a acolhida deste perfil de mulheres têm crescido nos últimos seis anos. Elas são encaminhadas por ONG’s, pela Caritas Arquidiocesana e de outros centros de acolhidas. São, na maioria, angolanas, africanas e haitianas. A cultura delas é diferente, e elas já vêm para a maternidade com essa cultura do parto normal. 

 

COMO AS MULHERES CHEGAM AO AMPARO?

Nem sempre a mulher chega consciente dos benefícios do parto normal. Às vezes, temos que conversar com ela, explicar como funciona. Mas temos um número alto de mulheres que chega aqui com seu plano de parto. Então, trabalhamos tentando nivelar as expectativas dela com a nossa realidade, e temos tido sucesso nisso. 

 

COMO VOCÊ VÊ O ALTO NÚMERO DE CESÁREAS PRATICADO NO BRASIL?

O meio sempre fomentou esta via de parto e nós fazemos parte deste meio, então é um ambiente que se retroalimenta e acabou se tornando normal. Porém, estudos mostram que não é tão normal assim. Os benefícios do parto natural, fisiológico, quando tem de ser este tipo de parto, são imensos, porque o corpo avisa para o cérebro que está na hora de o bebê nascer e isso fortalece o útero e prepara a amamentação. O que a gente vê hoje são cesáreas agendadas, em que o corpo não se prepara, e que têm muitos riscos, principalmente para o bebê. Porque o bebê, quando está pronto mesmo, indica a hora de nascer. A cesárea é uma cirurgia inteligente, que veio para salvar vidas. Mas está sendo feita de forma imprudente. Por comodidade, conforto do profissional, da família, ou porque a mulher em trabalho de parto acaba ocupando um leito no qual já poderiam ter acontecido muitas cesáreas. 

 

ESTAMOS NUM TEMPO DE MUDANÇA DE MENTALIDADE QUANTO A ISSO?

Sim. Há um movimento grande no Brasil com organizações que têm feito uma forte campanha para diminuir o número de cesáreas nas instituições privadas, porque sabem dos riscos dessa prática não baseada em evidências. Mas a mulher também precisa querer, ela precisa buscar essa informação. Infelizmente, aqui no Brasil, precisamos brigar pelo simples e pelo óbvio. Muitas pessoas acham que parto normal e o que aconteceu com a Kate Middleton [o terceiro filho de Kate Middleton e do príncipe William que nasceu no dia 23 de abril], que teve o seu terceiro filho de parto normal e saiu do hospital sete horas depois, é algo primitivo, enquanto muitas outras acham que é evolução. Acredito que devemos pensar no meio do caminho, num meio termo. Aqui no hospital, conversamos muito sobre a alta oportuna. Porque engessar a alta em 48 horas? Se a paciente já conhece a maternidade e tem consciência dos procedimentos, pode ser um procedimento desnecessário.
 

COMO AS MULHERES - E AS FAMÍLIAS – PODEM LUTAR PELOS SEUS DIREITOS NA HORA DO PARTO?

A mulher é independente até certo ponto. Quando uma mulher entra numa instituição, ela tem de confiar nas pessoas que estão ali. No caso do parto humanizado, tudo é feito com respeito. Respeitar o corpo, aceitar sua escolha, entender a instituição e a equipe. Quanto mais informações ela puder ter durante a gestação, mas vai garantir um parto conforme o desejado. E que a prioridade dela seja a família, o nascimento, não a via de parto. A mulher deve procurar o profissional que acredite nisso, porque se ele não acreditar, não adianta brigar por isso.

 

E SOBRE A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA, QUANDO ELA ACONTECE?

Violência obstétrica é real e trabalhamos para que isso não seja uma prática no nosso hospital. Acredito que, de maneira geral, os atendimentos melhoraram muito. Não ouvir a família e não nivelar a expectativa da mulher diante da realidade é violência. Tudo o que não é respeitoso, pode ser um tipo de violência. É necessário respeitar a mulher, o bebê e a família sempre. 

 

As opiniões expressas na seção “Com a palavra” são de responsabilidade do entrevistado e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do jornal O SÃO PAULO.

 

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‘Crise ecológica vem de uma crise em nossos corações’

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06 de junho de 2018

Um dos maiores aliados do Papa Francisco na promoção de iniciativas internacionais que defendam o meio ambiente é o Patriarca Ecumênico de Constantinopla, Bartolomeu. Ele é o principal líder de 300 milhões de cristãos da Igreja Ortodoxa, o “primeiro entre pares”, amplamente reconhecido, inclusive pelos católicos. As duas Igrejas estão divididas desde o histórico cisma de 1054, que separou Oriente e Ocidente. Mas com o passar dos anos se aproximam cada vez mais, especialmente desde o encontro entre o Papa Paulo VI e o Patriarca Atenágoras, em 1964.

As nossas Igrejas são chamadas a oferecer modelos alternativos de vida baseados numa abordagem do ser humano em sua relação com Deus, como uma criatura que anseia a vida eterna, vivendo em fraternidade e amor com o outro”, afirmou Sua Santidade Bartolomeu, em entrevista exclusiva ao O SÃO PAULO.

A reportagem procurou o Patriarcado Ecumênico cerca de um mês antes da visita de Bartolomeu a Roma, no fim de maio, pedindo que ele respondesse a algumas perguntas por escrito. Após o encontro com Papa Francisco e uma palestra na Fundação Centesimus Annus-Pro Pontefice, o Patriarca Ecumênico respondeu.

Desde que Francisco assumiu o trono do apóstolo Pedro, uma intensa relação se criou com o Patriarca Bartolomeu, tradicionalmente reconhecido como sucessor do apóstolo André. A defesa do meio ambiente como criação divina, que o Papa Francisco eternizou na encíclica Laudato Si’, há tempos já era um tema levantado e discutido mundialmente por Bartolomeu.

“A crise ecológica é uma questão que afeta o mundo natural, mas decorre de uma crise em nossos corações”, analisa o Patriarca Ecumênico. “É fácil culpar os outros pela destruição do planeta, mas também devemos nos perguntar se a criação é realmente mais segura nas mãos dos cristãos”, alertou. “Devemos perceber que, como membros da criação, não somos o centro do mundo.”

Unidos nessa e em outras empreitadas, juntos os dois deram vários passos na direção da completa reunião, desejada e sonhada, entre Oriente e Ocidente. O Patriarca de 78 anos almeja, em seu ministério, fazer o mundo voltar a perceber que precisa de Deus: “Se você quer uma resposta sobre minhas preocupações, eu me concentraria na seguinte questão fundamental: como as pessoas podem transformar o mundo tornando-se discípulas de Cristo.”

Leia, a seguir, a íntegra da entrevista.

 

O SÃO PAULO - SANTIDADE, O SENHOR VISITOU ROMA E O PAPA HÁ POUCOS DIAS. E DEU UMA PALESTRA SOBRE O TEMA “UMA AGENDA CRISTÃ COMUM PARA O BEM COMUM”. QUAIS SÃO OS FRUTOS DESSA VISITA?

 

Patriarca Ecumênico Bartolomeu – Cada encontro com o Papa Francisco é uma nova oportunidade para voltarmos a registrar as boas relações entre nossas duas Igrejas e nossa vontade de continuar o caminho para a unidade. É o encontro de dois irmãos, os sucessores de Pedro e André, o Primeiro-Chamado, e cada evento desse tipo simboliza nossa herança comum, mas, acima de tudo, a responsabilidade comum que compartilhamos como Pastores para o futuro do Cristianismo.

No título do nosso discurso, nos deparamos com a palavra “comum” duas vezes. A própria Igreja é o lugar do “comum”, um evento de partilha, de amor e abertura, uma “comunhão de relações”. Hoje, a humanidade está enfrentando uma crise séria nos seus resultados sociais em escala global. Como afirmamos em nosso discurso, “esta crise mundial é uma crise de solidariedade”, um processo contínuo de “desolidarização”, que coloca em risco o próprio futuro da humanidade. É nossa profunda convicção de que o futuro da humanidade está relacionado com a resistência contra esta crise e o estabelecimento de uma “cultura de solidariedade”.

As nossas Igrejas são chamadas a oferecer modelos alternativos de vida baseados numa abordagem do ser humano em sua relação com Deus, como uma criatura que anseia a vida eterna, vivendo em fraternidade e amor com o outro. Deus está presente onde quer que exista amor e solidariedade. Nossas Igrejas resistem à injustiça e a todos os poderes que minam a coesão social, apresentando o conteúdo social do Evangelho. É crença comum do Papa Francisco e nossa que os problemas ecológicos atuais devem ser abordados em conexão com a crise social. É este espírito da nossa Mensagem Comum com o Papa Francisco no Dia Mundial da Criação (1º de setembro de 2018).

Gostaríamos, ainda, de expressar nossa alegria pela oportunidade que tivemos, mais uma vez, de nos encontrarmos com o Papa Emérito Bento XVI, a quem nos associamos em conhecimento de longo prazo e apreciação mútua. Foi um prazer compartilharmos nossos pensamentos sobre vários assuntos espirituais.

 

PENSANDO NAQUELES QUE NÃO ESTÃO TÃO FAMILIARIZADOS COM A IGREJA ORTODOXA, QUAIS SÃO SUAS PRINCIPAIS PREOCUPAÇÕES HOJE, COMO PATRIARCA ECUMÊNICO E PASTOR DE UMA IGREJA TÃO IMPORTANTE?

 

Inquestionavelmente, uma das nossas principais preocupações é que a humanidade experimente a magnificência do Cristianismo e a transformação que nosso Senhor Jesus Cristo trouxe ao universo. Um equívoco comum entre nossos irmãos é pensar que essa magnificência se refere apenas à arte ou à cultura.

Frequentemente, buscam a suprema magnificência da fé cristã na [basílica de] Santa Sophia e no Monastério Chora em Constantinopla [cidade renomeada Istambul pelos turcos], ou em Ravenna, nas pinturas de Giotto, na moderna e maravilhosa catedral de Oscar Niemeyer, no Brasil, com seus anjos suspensos no alto, ou na música bizantina e em melodias gregorianas. Mas o esplendor do Cristianismo não se encontra apenas aí. O Cristianismo é representado pelos incontáveis atos de amor, bondade, compaixão, perdão e sacrifício das pessoas – atos motivados pelo desejo de viver como discípulos de nosso Senhor Jesus Cristo.

Um verdadeiro cristão é alguém que dá sua comida a uma pessoa faminta; alguém que oferece água a um irmão que está com sede; alguém que abriga um estranho; alguém que veste um ser humano nu; alguém que visita uma pessoa presa; alguém que cuida de um homem doente; alguém que tem uma coisa boa a dizer sobre todas as pessoas, mesmo aquelas que discordam dele; alguém que ajuda aqueles que o odeiam; alguém que não julga os outros; alguém que ama seus adversários.

Tais atos de caridade, embora difíceis de cumprir, são uma parte natural do ser cristão. Tais discípulos de Cristo são “o sal da terra”, como nosso Senhor ensina no Santo Evangelho. A glória do Cristianismo são os frutos surpreendentes da fé em Cristo, o coração da bondade amorosa, o amor e a solidariedade para com os nossos semelhantes e a certeza do destino eterno de todos.

Se você quer uma resposta sobre minhas preocupações, eu me concentraria na seguinte questão fundamental: como as pessoas podem transformar o mundo tornando-se discípulas de Cristo.

 

O QUE INSPIRA AS AÇÕES DOS CRISTÃOS ORTODOXOS E CATÓLICOS NO CAMINHO À UNIDADE?

 

Com os cristãos ocidentais, compartilhamos um caminho comum durante o primeiro milênio da história do Cristianismo. Nossas Igrejas provaram a amarga tristeza da separação por muitos séculos, após o cisma de 1054. O cisma foi uma experiência dolorosa para os dois lados, independentemente de quem tenha responsabilidade por isso.

Tudo mudou depois do histórico encontro entre o Papa Paulo VI e o Patriarca Ecumênico Atenágoras, em Jerusalém, em 1964, que levou ao levantamento comum dos anátemas [condenação] entre as duas Igrejas. Seguindo o exemplo de nossos predecessores e comemorando aquele momento único para nossas duas Igrejas, 50 anos depois daquele encontro histórico, nos reunimos novamente em 2014 com nosso irmão Papa Francisco em Jerusalém e outras partes da Terra Santa. Confirmamos nossa firme convicção de que precisamos do amor e do apoio uns dos outros.

O primeiro encontro entre o Papa e o Patriarca Ecumênico, em 1964, iniciou um diálogo teológico de verdade e amor entre nossas duas Igrejas; o quinquagésimo aniversário desta reunião confirmou que o nosso desejo de unidade exige mais atos de caridade e amor.

 

JUNTOS, O SENHOR E O PAPA FRANCISCO PEDEM MAIS RESPEITO À CRIAÇÃO, AO MEIO AMBIENTE. ESSA É UMA PREOCUPAÇÃO QUE OS UNE?

 

É um fato inegável que nosso planeta enfrenta sérios problemas, em grande parte devido ao abuso humano sem precedentes da criação de Deus. Tal interferência humana provocou uma crise ecológica. A atmosfera está sendo poluída cada vez mais; a água limpa está se tornando mais escassa, já que estamos poluindo nossos oceanos, rios e lagos. Estamos destruindo milhares de hectares de florestas. Mudanças no clima do planeta levaram à perda de muitas espécies da nossa flora e fauna…

Acreditamos que essas coisas ocorreram por causa de nossa gradual separação e alienação de Deus. Mesmo nós, cristãos, que muitas vezes nos orgulhamos de nossa fé, nos distanciamos de Deus. É fácil culpar os outros pela destruição do planeta, mas também devemos nos perguntar se a Criação é realmente mais segura nas mãos dos cristãos.

A crise ecológica é uma questão que afeta o mundo natural, mas decorre de uma crise em nossos corações. À medida que procuramos desenvolver soluções concretas e baseadas em fatos, devemos também nos concentrar na necessidade de arrependimento pessoal, o que traria uma “mudança de pensamento” e uma mudança em nossos modos de vida. E, à medida que mudamos nossas vidas, devemos perceber que, como membros da criação, não somos o centro do mundo. Nós dependemos de Deus; Deus não depende de nós.

 

PODERIAM CATÓLICOS E ORTODOXOS SONHAR COM, UM DIA, CELEBRAR A PÁSCOA NA MESMA DATA? O SENHOR ESTÁ OTIMISTA NESSE SENTIDO?

 

O assunto de uma celebração comum da Páscoa é importante e complicado. Precisa ser tratado delicadamente para evitar escândalos entre os fiéis. No entanto, esta questão é de grande preocupação para a Igreja Ortodoxa.

A ideia de uma data comum de Páscoa para os ortodoxos e católicos foi levantada no trabalho regular da Conferência Pan-Ortodoxa de 1923, em Constantinopla, e, mais tarde, durante a Reunião do Comitê Preparatório de 1930 no Monte Athos. Desde então, tem sido discutido durante muitos encontros inter ortodoxos. Isso mostra nosso sincero desejo e esperança de que, como cristãos ortodoxos, celebremos a Páscoa no mesmo dia que outros irmãos cristãos.

Uma data comum da Páscoa entre cristãos orientais e ocidentais nos livrará, entre outras coisas, de muitas dificuldades práticas, especialmente importantes para os fiéis de ambas as Igrejas, que residem em países onde a Ortodoxia ou o Catolicismo não são a religião predominante. A verdade é que a Igreja Ortodoxa terá dificuldade em aceitar qualquer decisão que negligencie o que já foi determinado sobre este assunto pelo Primeiro Concílio Ecumênico em Niceia (325 dC). Oramos, no entanto, e esperamos que o Deus Todo-Poderoso guie nossos passos.

 

COMO O SENHOR DESCREVERIA O DIÁLOGO ENTRE CRISTÃOS E MUÇULMANOS HOJE?

 

Em abril passado, respondendo ao gentil convite do honorável Professor Dr. Ahmad Al-Tayyeb, Grande Imã da Universidade Al-Azhar e Presidente do “Conselho de Sábios” do Islã Sunita, Sua Santidade o Papa Francisco e eu visitamos o Egito para participar de uma reunião inter-religiosa. Destacou-se o papel da religião em alcançar e manter a paz no mundo. Nós enfatizamos a necessidade da humanidade de abraçar a fé e reconhecer a presença de Deus. Também a necessidade de respeitar o pluralismo e as diferenças.

Para este fim, o Patriarcado Ecumênico iniciou um diálogo com o Judaísmo e o Islã. É nossa responsabilidade trabalhar com pessoas de diversas origens. Esperamos que nossa cooperação com outras tradições religiosas, especialmente em questões sociais, traga grandes frutos para o mundo inteiro. Para a Igreja Ortodoxa, a liberdade religiosa e a liberdade de consciência são uma parte imperativa do processo; não podemos aceitar, sob qualquer circunstância, o estímulo de sentimentos fanáticos contra outras religiões.

Acreditamos firmemente que o diálogo religioso, e reuniões entre líderes religiosos, ajudarão as pessoas a superar seus medos e passarão do conflito para a reaproximação e a convivência pacífica. Por fim, nem a guerra nem a indiferença ao sofrimento das pessoas são consistentes com o ensinamento religioso. Como já mostramos várias vezes, a guerra em nome da religião é, na verdade, uma guerra contra a própria religião.

 

COMO O SENHOR EXPRESSA SUA PREOCUPAÇÃO PELOS CRISTÃOS PERSEGUIDOS NO ORIENTE MÉDIO E LUGARES ONDE COMUNIDADES ORIGINAIS CORREM O RISCO DE DESAPARECER?

 

A perseguição aos cristãos preocupa imensamente e é fonte de grande pesar para nós. Infelizmente, essa perseguição não se limita ao Oriente Médio. Os cristãos são perseguidos também em outros cantos do mundo onde existe uma chamada “cristianofobia”. Na Europa e em muitas sociedades ocidentais, as políticas de secularização e descristianização representam um sério desafio para o Cristianismo.

Mas há algo desconhecido dos perseguidores do Cristianismo: a fé em Jesus Cristo é governada pelo espírito de paz, amor, perdão e serviço. Nós não procuramos explorar e dominar os outros. A realidade atual na Europa e em outras partes do mundo prova que toda realização cultural e, principalmente, a realização social, nascem de princípios cristãos. Assim, a perseguição ao Cristianismo leva, na verdade, à perseguição da cultura e de valores únicos que embelezam nosso mundo.

Sem dúvida, a situação que ocorre no Oriente Médio é alarmante. Muitos cristãos são perseguidos, enquanto outros são forçados a fugir de sua terra natal. Nós expressamos nossas sérias preocupações inúmeras vezes aos líderes mundiais; lembramos que ainda não descobrimos o paradeiro dos dois Hierarcas sequestrados, o Metropolita Grego-Ortodoxo, Paul, e o Bispo siríaco, John Ibrahim, ambos de Alepo. Aguardamos ansiosamente para receber notícias das autoridades regionais e globais e rezamos pelo seu retorno seguro.

A Igreja Ortodoxa, como foi afirmado na Encíclica do Santo e Grande Conselho, convocado na ilha de Creta, na Grécia, em junho de 2016, “está particularmente preocupada com a situação que os cristãos enfrentam, e outras minorias étnicas e religiosas perseguidas no Oriente Médio. Em particular, ela dirige um apelo aos governos da região para proteger as populações cristãs – ortodoxos, orientais e outros cristãos – que sobrevivem no berço do Cristianismo. Os cristãos indígenas e outras populações gozam do direito inalienável de permanecer em seus países como cidadãos com direitos iguais”.

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‘O Jornalismo é uma ferramenta de paz quando conta a realidade’

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16 de mai de 2018

Jornalista, Advogado, Professor e Diretor-Geral do Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS), Carlos Alberto Di Franco concedeu uma entrevista à rádio 9 de Julho , sobre os desafios atuais do Jornalismo e a função pública deste na construção de uma cultura de paz, no contexto da mensagem do Papa Francisco para o 52º Dia Mundial das Comunicações Sociais. Di Franco visitou a redação integrada do Departamento de Jornalismo da Arquidiocese de São Paulo, na Freguesia do Ó, no dia 9. Na ocasião, ele destacou aos profissionais da comunicação que “é preciso reinventar o Jornalismo e recuperá-lo num contexto muito mais transparente e interativo”. Para o Professor, o Jornalismo é uma ferramenta de paz quando conta a realidade, tem valores, princípios e sabe que do outro lado da informação existe alguém que tem uma história, uma vida. Confira a entrevista.

 

HOJE EM DIA, FALA-SE EM CRISE EM DIVERSOS SETORES. COMO ESSA CRISE CHEGOU AO JORNALISMO?

Carlos Alberto Di Franco – O Jornalismo vive hoje uma crise muito forte não propriamente no Jornalismo, porque nunca se consumiu tanta informação como hoje. Nos jornais impressos, no rádio, na televisão, nas redes sociais, o consumo de informação é muito grande. Mas o que existe é uma crise forte no modelo de negócios. O Jornalismo bom, de qualidade, exige investimento. Custa dinheiro apurar e distribuir informação. E a crise financeira é muito forte, porque a publicidade está desaparecendo. É preciso repensar modelos de monetização do Jornalismo. Agora, o Jornalismo em si é impressionante, as pessoas consomem muita informação. O problema é que nem sempre consomem informação de qualidade.

 

PODERIA FALAR MAIS SOBRE A QUALIDADE DA INFORMAÇÃO?

Nós navegamos freneticamente no espaço virtual, uma enxurrada de estímulos vai dispersando a nossa inteligência com muita frequência. Ficamos reféns da superficialidade, perdemos contexto, sensibilidade crítica. As redes sociais são um sintoma disso. Muitas pessoas entram nas redes para confirmar suas opiniões, não para melhorar ou confrontar os seus critérios, para ouvir o outro lado que não pensa como nós, mas talvez pensa diferente de nós e pode nos abrir a uma possibilidade diferente de olhar as coisas. A fragmentação dos conteúdos pode também transmitir para nós uma certa sensação de liberdade. Eu consumo a informação que eu quero, não a informação que os jornais, a televisão, os sites querem. Será verdade isso? Eu creio que não. Penso que há uma nostalgia enorme de conteúdos bem editados, com ética, contextualização. É preciso reinventar o Jornalismo, recuperá-lo num contexto muito mais transparente e interativo, das competências, das magias do Jornalismo de sempre.   

 

COMO FAZER UM JORNALISMO DE QUALIDADE?

Isso implica, sobretudo, olhar para a conteúdo e olhar criticamente para como nós, jornalistas, olhamos para o mundo que é o horizonte da nossa informação. O nosso papel é sair da redação, ir ver a vida e transmitir para quem consome a nossa informação a vida que nós encontramos, não a nossa visão da vida. Eu creio que o leitor, ouvinte ou telespectador percebe quando nós, de alguma maneira, tentamos manipular a realidade, tentamos mostrar uma vida que não é real, mas é o nosso olhar a respeito da vida. A nossa missão como profissionais e os nossos valores éticos devem nos conduzir ao compromisso de levar a realidade como efetivamente é. Em cada esquina há uma história real para contar. O Jornalismo não é máquina, tecnologia. O grande capital são as pessoas. É necessário cobrir os fatos com uma perspectiva profunda, fugir das armadilhas do politicamente correto, do contrabando opinativo, da politização da informação, do distanciamento da realidade e da falta da reportagem. Se as empresas de comunicação não investirem na qualificação de suas pessoas, em treinamento do seu pessoal, vão morrer na praia. O dinamismo é muito grande. O mundo está indo num processo muito acelerado. 

 

ATUALMENTE, FALA-SE EM JORNALISMO DE DADOS E DIGITAL. ISSO NÃO ACABA AFASTANDO O PROFISSIONAL DO MATERIAL HUMANO?

Eu não tenho dúvidas disso! Eu penso que o Jornalismo de dados é importantíssimo. Partir para uma reportagem tendo um elenco de elementos, históricos e dados da informação levantados previamente, é muito importante. Eu acho que o mundo digital é uma realidade inescapável. Está aí, é irreversível. Agora, o que atrai o consumidor é perceber que o Jornalismo tem alma, tem rosto humano, transmite vida, tem cheiro de asfalto. Se ele percebe que isso não existe, que é uma construção pasteurizada, talvez o consuma num primeiro momento, mas, pouco a pouco, vai se afastando. É preciso contar histórias reais, às vezes dramáticas, outras positivas, mas histórias reais.

 

COMO FALAR SOBRE UM JORNALISMO DE PAZ, COMO LEMBRA O PAPA, EM TEMPOS DE NOTÍCIAS FALSAS E SENSACIONALISMOS?

Em primeiro lugar, é preciso dizer que o Papa Francisco é um comunicador nato. Ele tem uma capacidade intuitiva de comunicação muito forte. Por isso, atrai tantas pessoas. Fake News não é só notícia falsa, mas uma notícia que vem embrulhada num pacote atraente, muitas vezes sensacionalista. Um conselho é: vai a um site e uma empresa de comunicação séria, com credibilidade e procura ver como essa informação foi tratada lá. Isso derruba 80% das fake news . Mas quando você se deixa entusiasmar por aquela notícia sensacionalista e começa a compartilhá-la, você está sendo um agente multiplicador da mentira, do erro, contribuindo para que a informação não seja uma ferramenta da paz, de construção, mas uma ferramenta de desconstrução. 

 

COMO RECUPERAR A FUNÇÃO SOCIAL DO JORNALISMO ENQUANTO SERVIÇO PARA AS PESSOAS?

O Jornalismo é uma ferramenta de paz quando conta a realidade, tem valores, princípios e sabe que do outro lado da informação existe alguém que tem uma história, uma vida, uma família. Você tem de se aproximar das pessoas de uma maneira respeitosa. Quando você está entrevistando alguém, está entrando em um “terreno sagrado”, na vida e na história de uma pessoa. Essa preocupação ética, unida à preocupação de estar muito próximo da realidade e contar o mundo que estamos vendo, acaba construindo um Jornalismo muito mais pacífico.

(Colaborou: Cleide Barbosa)

As opiniões expressas na seção “com a Palavra” são de responsabilidade do entrevistado e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do jornal O SÃO PAULO.

 

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Assembleia Geral da CNBB tem clima fraterno e produtivo

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25 de abril de 2018

Em entrevista ao O SÃO PAULO, o Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo Metropolitano, fez uma avaliação da 56ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), realizada entre os dias 11 e 20, em Aparecida (SP). Dom Odilo destacou os principais temas abordados pelo episcopado brasileiro, com especial atenção às novas diretrizes para a formação de sacerdotes na Igreja no Brasil. O Cardeal também chamou a atenção para o clima fraterno e sereno e a produtividade do encontro. Confira a íntegra da entrevista.

 

O SÃO PAULO - COMO O SENHOR AVALIA ESTA ASSEMBLEIA GERAL?

Cardeal Odilo Pedro Scherer – A Assembleia foi uma experiência muito rica de encontro e convívio entre os bispos de todo o Brasil. É a única ocasião durante o ano em que todos os bispos do país podem se encontrar, trocar ideias, partilhar experiências, falar sobre suas dificuldades e angústias, rezar e trabalhar juntos. Só por isso, a Assembleia da CNBB já valeria a pena. Mas ela também é uma expressão importante de colegialidade episcopal e da solicitude de cada bispo por toda a Igreja do Brasil. A Assembleia transcorreu em clima fraterno e sereno e foi bastante produtiva, pois discutimos e aprovamos diversos textos e documentos.

 

O QUE O SENHOR DESTACA NAS NOVAS DIRETRIZES PARA A FORMAÇÃO DOS PRESBÍTEROS?

Na verdade, elas não são inteiramente novas, mas foi feita a adequação das Diretrizes que já tínhamos às novas normas e orientações da Santa Sé para a formação sacerdotal no mundo inteiro. Nossas Diretrizes insistem na formação de padres pastores e missionários, com uma forte experiência de Deus e da vida da Igreja. A formação no seminário tem duas grandes metas: a formação de discípulos de Jesus Cristo, durante a etapa dos estudos filosóficos; e a configuração dos formandos com Cristo Sacerdote, durante a etapa dos estudos teológicos. Além disso, a formação sacerdotal, nas novas Diretrizes, é vista a partir de dois grandes enfoques: formação inicial, antes da ordenação sacerdotal; e formação permanente, após a ordenação. As Diretrizes colocam destaque especial na formação permanente do clero, conforme normas também dadas pela Santa Sé.

 

QUAIS SÃO AS NOVIDADES DA REVISÃO DO ESTATUTO CANÔNICO DA CNBB?

 O Estatuto da CNBB, após 16 anos de vigência, foi adequado em alguns aspectos. As mudanças principais dizem respeito à composição da Presidência: haverá dois Vice-Presidentes e dois Secretários-Gerais. De fato, o Estatuto anterior não previa um segundo Secretário-Geral, o que era uma lacuna, sobretudo em casos de ausência ou impedimento do Secretário-Geral. Os novos Estatutos também ampliam e definem melhor a identidade e as competências dos Regionais da CNBB.

 

OS BISPOS CHEGARAM A TRATAR SOBRE OS ATAQUES QUE A CNBB SOFREU NAS REDES SOCIAIS? QUAIS ORIENTAÇÕES FORAM DADAS QUANTO À RELAÇÃO DO POVO COM SEUS PASTORES?

A questão foi objeto de reflexão durante a Assembleia Geral e foi tratada numa mensagem divulgada no final da Assembleia. Era necessário que a própria CNBB dissesse uma palavra de esclarecimento sobre a identidade e a missão da Conferência Episcopal, nem sempre compreendidas de maneira adequada por quem promoveu ataques ou diversas formas de desmoralização da CNBB, deixando muitas pessoas desorientadas e inseguras na sua adesão de fé na Igreja e podendo dar origem a divisões na Igreja. Penso que a nota foi oportuna e ficou boa.

 

UM DOS ASSUNTOS DA PAUTA FOI UMA REFLEXÃO SOBRE A RELAÇÃO DA IGREJA E DO ESTADO LAICO. O SENHOR PODERIA FALAR SOBRE ISSO?

Não chegamos a aprofundar muito a questão, que precisa de ulteriores aprofundamentos. Mas a reflexão feita foi boa e ajudou a esclarecer que a Igreja Católica não é contra a laicidade do Estado, corretamente entendida, como afirmação e garantia de liberdade religiosa, separação entre Igreja e Estado, não imposição de nenhuma forma de crer ou não crer por parte do Estado e também garantia de não discriminação religiosa dos cidadãos. Em poucas palavras, o Estado laico não impõe religião a ninguém nem proíbe ou dificulta as manifestações religiosas, mas garante e respeita a liberdade religiosa dos cidadãos e o livre exercício da religião.

 

TAMBÉM FOI PAUTA O CONTEXTO SOCIOPOLÍTICO, ESPECIALMENTE NESTE ANO ELEITORAL?

Tratamos também do contexto socio-político do Brasil, onde exercemos nossa missão de pastores do povo. Foi elaborada e divulgada uma boa mensagem ao povo brasileiro sobre o ano eleitoral. Diante do quadro variado de crises que vivemos no Brasil, os bispos encorajam os cidadãos a participarem do processo político e eleitoral com coragem, lucidez e esperança. Todos temos responsabilidades na promoção do bem comum. Um apelo especial é feito aos cidadãos católicos para que se façam protagonistas e se envolvam no processo político e eleitoral, apoiando candidatos de “ficha limpa” e zelando pela correta aplicação da lei contra a corrupção eleitoral. Na mensagem, lembram-se as palavras do Papa Francisco, que desafia os católicos leigos e leigas a assumirem de maneira positiva seu papel na vida social e política do Brasil.

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‘O povo de Deus merece poder contar com presbíteros que sejam homens íntegros e idôneos’

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15 de abril de 2018

Em entrevista ao O SÃO PAULO , Dom Jaime Spengler, Arcebispo de Porto Alegre (RS) e Presidente da Comissão Episcopal Pastoral para os Ministérios Ordenados e a Vida Consagrada da CNBB, falou sobre a proposta de novas Diretrizes para a Formação de Presbíteros, tema central da 56ª Assembleia Geral da CNBB, que acontece entre os dias 11 e 20, em Aparecida (SP). 

Um dos responsáveis pela elaboração do texto que será trabalhado pelos bispos, Dom Jaime destacou a necessidade de se considerar as rápidas transformações sociais e culturais que influenciam os candidatos ao ministério ordenado. “Os tempos mudam e exigem respostas condizentes às novas situações e desafios”, afirmou o Arcebispo. 

 

O SÃO PAULO – QUAL A NECESSIDADE DE PROPOR NOVAS DIRETRIZES PARA A FORMAÇÃO PRESBITERAL PARA A IGREJA NO BRASIL?

Dom Jaime Spengler – As diretrizes que estão em vigor foram aprovadas em 2009 e levavam em consideração as novas situações da realidade formativa e a riqueza missionária do documento da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e Caribenho, celebrada em Aparecida, em 2007. Agora, após a publicação, pela Santa Sé, da nova Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis, intitulada “O dom da vocação presbiteral”, em 2016, e tendo presente o magistério do Papa Francisco, a CNBB sente a necessidade de elaborar novas diretrizes para a formação dos presbíteros da Igreja do Brasil. Há de se considerar, também, as rápidas transformações sociais e culturais que influenciam os candidatos ao ministério ordenado. Os tempos mudam e exigem respostas condizentes às novas situações e desafios.

 

QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS DESAFIOS?

Vivemos aquilo que se cunhou denominar mudança de época. Estamos num tempo de transformações rápidas e profundas, que afetam a realidade como um todo. São transformações que atingem todos os setores da vida humana e os próprios critérios de compreensão, os valores mais profundos, a partir dos quais se afirmam identidades e se estabelecem relações e ações. Tal situação representa um desafio para a formação dos candidatos ao ministério ordenado.

O Brasil é marcado por enormes diferenças. Isso se reflete no tipo de candidato que procura uma oportunidade para realizar um itinerário vocacional. Temos, por um lado, os grandes centros urbanos com características próprias. De outro lado, temos a realidade, digamos, rural, que também apresenta um perfil característico de candidatos. Temos, ainda, candidatos que provêm de etnias indígenas – sobretudo da realidade amazônica. Também temos o jovem sertanejo, do cerrado, os negros. Há realidades que ainda possuem o seminário menor. Outras só acolhem candidatos que já concluíram o ensino médio ou candidatos adultos. Alguns candidatos chegam apresentando uma grave deficiência escolar. Outros apresentam ótima formação intelectual e acadêmica. E o que dizer dos que não foram iniciados na fé cristã? Constata- -se, também, um número crescente de candidatos de idade mais avançada. Em algumas regiões, verifica-se um número expressivo de candidatos que são filhos único. Esses são alguns elementos que desafiam a formação presbiteral.

 

E AS DIRETRIZES VÃO LEVAR EM CONTA ESSAS QUESTÕES?

Um documento que pretenda ser de orientação para toda a Igreja do Brasil há de ter presente a complexa realidade que as diferentes regiões e situações apresentam. Por isso, a formação há de ser sempre orientada por grande sensibilidade por parte dos encarregados da formação dos futuros presbíteros e profundo empenho naquela obra que a tradição ocidental denomina “discernimento”. Além disso, é imprescindível que os candidatos sejam acompanhados por equipes formativas. Mas para que as equipes formativas possam desenvolver sua missão, constata-se a necessidade de preparar um número suficiente de formadores. Onde não é possível haver uma equipe de formadores, urge ter a coragem de constituir seminários provinciais ou regionais, onde os candidatos possam receber acompanhamento personalizado e formação adequada para estarem à altura das exigências e desafios que a atividade evangelizadora na complexa realidade de hoje apresenta à Igreja.

 

QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS MUDANÇAS DA NOVA RATIO FUNDAMENTALIS QUE O SENHOR DESTACA?

Creio que a nova Ratio Fundamentalis é para uma nova geração de presbíteros. No entanto, não se trata tanto de mudanças. Por quê? Trata-se, antes de tudo, de propor ou indicar caminhos para escuta daquilo que o Espírito de Deus inspira à Igreja; ao mesmo tempo, faz-se necessária a devida atenção à rica e bela tradição da Igreja. A escuta atenta do Espírito Santo impulsiona a olhar para a frente – o Espírito Santo de Deus faz novas todas as coisas! – e cultivar a devida atenção ao patrimônio já existente. 

A nova Ratio insiste na integralidade do processo formativo e recomenda a devida atenção às diversas dimensões do ser humano. Para isso, faz-se necessário a construção de um itinerário pedagógico gradual e personalizado. O documento põe um acento particular sobre a dimensão humana. Isso também implica maturidade afetiva. Sem uma sólida base humana, torna-se difícil desenvolver, por exemplo, as dimensões intelectual, espiritual, comunitária e missionária, constitutivas da integralidade do processo formativo.

Outro aspecto importante é o discernimento vocacional. O povo de Deus merece poder contar com presbíteros que sejam homens íntegros e idôneos; homens apaixonados por Jesus Cristo e seu Evangelho. Homens que assumiram o caminho do discípulo e de configuração a Jesus Cristo. Homens capazes de testemunhar com palavras e ações que amam o que são e gostam do que fazem.


QUAL É A PRÓXIMA ETAPA DA ELABORAÇÃO DAS DIRETRIZES?

O Conselho Permanente da CNBB solicitou que a Comissão Especial designada elabore o texto a ser proposto como material de estudo para esta Assembleia Geral. Há de se recordar que as atuais diretrizes em vigor foram aprovadas por unanimidade pelo episcopado brasileiro. Isso diz do ótimo trabalho então realizado. É verdade que após quase dez anos, mudanças aconteceram. A sensibilidade para tais mudanças se fará sentir durante a própria Assembleia nas sugestões, emendas etc, que serão certamente apresentadas pelos senhores bispos. É também verdade que os bispos já tiveram oportunidade para apresentar suas sugestões. Também os formadores dos diversos seminários desse imenso Brasil e os animadores da Pastoral Presbiteral nas dioceses puderam cooperar na construção do texto que está chegando às mãos dos bispos nestes dias de Assembleia.

 

O DOCUMENTO PROPOSTO É EXTENSO. PRETENDE-SE DIMINUÍ-LO?

Esta é uma questão desafiadora! Há um consenso quase geral entre os bispos de que os documentos da Conferência sejam breves. Entretanto, tendo presente a complexidade do tema e as distintas realidades da Igreja no Brasil, pode-se imaginar o quanto seja difícil construir um texto breve. A Comissão se esforçou para construir um texto breve. No entanto, chegamos praticamente às mesmas dimensões do texto das diretrizes em vigor. Oxalá, os bispos reunidos, seguindo o princípio da sinodalidade, consigam expressar o que se faz necessário como Diretrizes para a formação dos presbíteros da Igreja no Brasil num texto breve.

 

HÁ A POSSIBILIDADE DESSAS DIRETRIZES SEREM APROVADAS COMO DOCUMENTO NESTA ASSEMBLEIA GERAL?

As Diretrizes para a Formação dos Presbíteros é o tema central desta Assembleia. Os bispos concentrarão esforços e atenção sobre esse tema. Por isso, esperamos que sejam aprovadas nesta Assembleia Geral. 

 


As opiniões expressas na seção “com a palavra” são de responsabilidade do entrevistado e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do jornal O SÃO PAULO.

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O Terço dos Homens é uma bênção de Deus para o Brasil

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19 de março de 2018

Arcebispo de Juiz de Fora (MG) e Bispo Referencial do Terço dos Homens, Dom Gil Antônio Moreira falou, em entrevista à rádio 9 de Julho , sobre o crescimento da iniciativa de oração que tem o objetivo de resgatar para o seio da Igreja as famílias e, consequentemente, aumentar a sua participação na vida eclesial. Dom Gil também comentou sobre a 10ª Romaria Nacional do Terço do Homens a Aparecida (SP), que reuniu 70 mil pessoas, nos dias 16 e 17 de fevereiro. 

 

AINDA EXISTE A IDEIA DE QUE O TERÇO É UMA ORAÇÃO MAIS COMUM ENTRE MULHERES DO QUE ENTRE HOMENS?

Dom Gil Antônio Moreira – Essa pergunta sobre a mulher e o homem é interessante. Antigamente, quando se falava em Terço, eram mais as mulheres do que os homens – embora já houvesse muitos homens que rezavam o Terço. Eu mesmo, quando criança, via muitos homens rezando o Terço na minha paróquia e na minha família, e muitos tinham o costume até de carregar o Terço no bolso por onde andavam, pois em qualquer lugar se pode rezá-lo. Vi também muita valorização do Terço no meu seminário por parte dos padres, dos bispos. O costume de homens rezarem o Rosário não nasceu com o Terço dos Homens, mas, de qualquer maneira, essa mentalidade de ser uma oração muito mais rezada pelas mulheres do que pelos homens, isso parece ter invertido. As mulheres continuam rezando, mas agora os homens descobriram esse método de oração. 

 

COMO O SENHOR DEFINE ESSA DEVOÇÃO?

Eu gosto de repetir que a oração do Terço não é só uma devoção popular, ela é uma reflexão, uma contemplação dos mistérios de Cristo. Aliás, o Beato Paulo VI falou na [Exortação Apostólica] Marialis Cultus , São João Paulo II falou na [Carta Apostólica] Rosarium Virginis Mariae , e o Papa Emérito Bento XVI falou em algumas alocuções. No Terço, o importante é a contemplação por haver esse caráter cristológico. Quando o Terço dos Homens vai crescendo, nós temos a convicção de que vai crescendo o conhecimento de Cristo no coração dos homens. As quatro modalidades de contemplação que temos são uma reflexão sobre a vida de Cristo, e quem pode mais nos falar sobre Cristo é Maria. Imaginemos como Maria viu Jesus na infância, nos momentos da vida pública, depois nos momentos dolorosos, nos momentos gloriosos. 

 

A QUE O SENHOR ATRIBUI O CRESCIMENTO DO TERÇO DOS HOMENS?

Em primeiro lugar, eu atribuo à grande propaganda de um homem para o outro, o que funciona dentro do Terço dos Homens. Nós sempre pedimos aos participantes que na semana seguinte tragam mais um, que façam o convite a outros homens. Esse corpo a corpo é muito interessante. É bom lembrar que o Terço dos Homens não é uma oração corrida de 15 minutos; é uma oração bem-feita. Eles gastam geralmente uma hora para rezar o Terço, rezam pausadamente, há cantos nos intervalos dos mistérios. Tem meditação, muitas vezes, da Palavra de Deus. Depois, o apoio direto ou indireto dos padres e bispos nas paróquias. Isso dá autoridade à iniciativa. Agora também a divulgação pela televisão ( TV Aparecida , Canção Nova e Rede Vida ). Os grupos do Terço dos Homens, hoje, se organizam para ajudar os mais pobres, ajudar uns aos outros, resolver problemas que, às vezes, são difíceis, como até de emprego. Esse crescimento se dá, nesta forma, de uma ação missionária, de um grupo para o outro. Eu acho que o Terço dos Homens é uma bênção do céu, porque leva o homem a rezar de uma forma simples, não complicada, que não precisa de uma estrutura, de um estatuto. Precisamos apenas de espontaneidade, e essa espontaneidade é que tem dado certo. 

 

COMO O SENHOR AVALIA A 10ª ROMARIA DO TERÇO DOS HOMENS?

É uma grande alegria ver mais de 70 mil homens na Romaria, é um número bastante grande, bastante consolador. O que significa pessoas que saem do Brasil inteiro, às vezes gastando muito para vir de Manaus (AM), do Nordeste e viajando muitas vezes de ônibus? Significa uma grande devoção de todos esses homens a Maria. Essa devoção não é vazia. Ela leva à Eucaristia, ao compromisso com a Igreja. Todos esses homens vão se integrando cada vez mais nas suas comunidades, uma verdadeira conversão de muitos homens nesse país. A conversão desses homens tem efeitos na sua família, um efeito restaurador. Agradeço a Deus, porque vejo isso como uma grande bênção para o Brasil, tão complicado, e para nossas famílias, tão agredidas por essas frentes indiferentes ao Cristianismo, à dignidade,  à família. Essa 10ª Romaria do Terço dos Homens me parece ser, de fato, uma grande bênção de Deus para todo o Brasil. 

 

COMO SURGIU O MOVIMENTO TERÇO DOS HOMENS NO BRASIL?

Eu estive olhando um pouco da história do Terço dos Homens e encontrei referências de 1912, no grupo de homens na Alemanha (certamente houve outros grupos também na Europa e outras partes do mundo). Em 1936, tivemos também um grupo no Brasil. Esse grande movimento nasceu há pouco tempo. Eu observo que surgiu inicialmente dentro do Movimento de Schoenstatt, e muitos homens começaram a se organizar para rezar o Terço. Depois, esse exemplo foi imitado nas paróquias e dioceses. Nós temos grupos de que atingem entre 2 mil e 3 mil homens. É comum encontrar muitas paróquias com 500, 600 homens. Esse movimento cresceu, expandiu-se pelo Brasil inteiro. Foi assim que nasceu. Não posso precisar a data e nem como, mas nasce espontaneamente por conhecimento, por contato, por vizinhança: uma paróquia sabe que a outra tem, e os homens vão lá e fundam o Terço. Aqui ele é um movimento puramente leigo, ele não nasce da hierarquia, mas nasce da base, apoiado, claro, pela hierarquia, porque a Igreja sempre valorizou muito a oração do Rosário. 

 

ESSA INICIATIVA TAMBÉM ESTÁ ESTIMULANDO A FORMAÇÃO DE GRUPOS DE MULHERES?

Sim, em muitos lugares estão organizando o Terço das Mulheres, e é interessante ver também esse crescimento. No Santuário de Aparecida, há também a Romaria do Terço das Mulheres. É bonito ver que a família também se organiza dentro dos seus próprios elementos, o homem, a mulher. Amanhã, quem sabe, podemos organizar o Terço dos jovens, das crianças. Essa divisão não é uma divisão negativa, é uma divisão positiva. Cada um dentro da sua modalidade, dignidade, das suas características próprias, do jeito que Deus nos criou. Homem e mulher vão se organizando para aproveitar esse grande dom de Deus, que é essa oração tão fácil de ser rezada e que nos traz benefícios tão grandes no conhecimento e no amor a Cristo.

(Colaborou: Cleide Barbosa, da Rádio 9 de Julho)
 

 

 

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‘A Faculdade de Teologia existe para estar a serviço da Igreja’

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13 de março de 2018

O Padre Boris Agustín Nef Ulloa tomou posse como Diretor da Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, da PUC-SP, em 27 de fevereiro. Aos 51 anos, Padre Boris é chileno, de Concepcion, e foi ordenado sacerdote na Arquidiocese de São Paulo em 5 de junho de 1999. É Bacharel em Ciências Biológicas e Teologia, e Mestre e Doutor em Teologia Bíblica. Na Assunção, foi Coordenador de Graduação por quatro anos e, por dois anos, coordenou o programa de pós-graduação.

 

Em entrevista ao O SÃO PAULO, o novo Diretor destacou que assume a função com o desafio de tornar a instituição mais fiel à sua missão de servir à Igreja e de colocar em prática as novas orientações da Constituição Apostólica Veritatis Gaudium, sobre as universidades e as faculdades eclesiásticas, publicada em 29 de janeiro. Confira a íntegra da entrevista.

 

O SÃO PAULO – COMO O SENHOR ACOLHE A NOVA MISSÃO?

 

Padre Boris Agustín Nef Ulloa – Depois do trabalho que eu realizei na faculdade nos últimos oito anos, a maior parte dos meus colegas, em conversas separadas, sempre me disseram que eu deveria ser candidato a Diretor da Faculdade, mas eu sempre resisti. Como havia a necessidade de apresentar uma lista tríplice de candidatos ao Arcebispo, eu acabei sendo um dos indicados e fui nomeado. Quando eu assumo alguma coisa, eu me dedico muito. Também sei que não vou trabalhar sozinho, pois o Padre Donizete José Leite Xavier, Diretor-Adjunto, é um bom colega. Creio que terei um bom relacionamento com a Reitora da PUC-SP [Maria Amalia Pie Abib Andery]. Quando eu era Coordenador do  programa de pós-graduação, ela era Pró-Reitora Acadêmica da pós-graduação, e, então, trabalhamos muito em sintonia. Nessa época, recebemos muito apoio dela para elevar a nota do programa de pós-graduação da Teologia.

 

E COMO ESTÁ A FACULDADE HOJE?

A graduação é o cartão de visita da instituição de ensino superior. Nós temos o curso de Teologia nos períodos diurno, no campus Ipiranga, e noturno, no campus Santana. Cerca de 90% dos estudantes do período diurno são candidatos às ordens sacras, ou seja, seminaristas. Os outros 10% são religiosas ou leigos. Já no curso noturno, 50% são candidatos ao diaconato permanente. Os demais são leigos em geral e algumas religiosas. Quanto à pós-graduação, como eu disse antes, nossa nota na Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior] subiu de 3 para 4. Agora, estamos aguardando a resposta do credenciamento do doutorado, que em breve sairá. Nossa pós-graduação foi a única que subiu de nota no último quadriênio entre os 21 programas de Teologia e Ciência da Religião do Brasil.

 

QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS DESAFIOS DA INSTITUIÇÃO?

Um é tornar o curso mais acessível para os leigos. Uma das nossas metas é encontrar parcerias para criar fundos que favoreçam o estudo dos leigos no curso noturno e, assim, prestar um serviço maior à Arquidiocese. Não podemos pensar exclusivamente na formação de futuros presbíteros, mas também nos leigos, não só de nossa Arquidiocese, como os das dioceses da Província Eclesiástica de São Paulo. Nós já temos o Fundo de para a Formação Teológico-Pastoral de Leigos (Fortal), criado pelo Padre Valeriano dos Santos Costa, que me antecedeu na direção. Esse foi um legado que ele deixou para esta gestão, que é importante mantermos e ampliarmos para favorecer um número maior de leigos. O novo Coordenador do curso noturno é o Professor João Cláudio Rufino, que é leigo, casado, estudou em Santana e conhece a realidade do campus. Isso ajudará a valorizar mais os leigos na Faculdade. Outro desafio é quanto à participação mais efetiva dos estudantes na Faculdade. Os estatutos da PUC-SP e da Faculdade de Teologia permitem 10% de representação discente nos órgãos colegiados. Pela composição do conselho, cabem dois representantes dos estudantes, mas nem sempre eles participam. Precisamos desenvolver mecanismos para despertar interesse por essa participação, porque a Faculdade pode melhorar muito se há uma participação efetiva, responsável, crítica e colaborativa dos alunos.

 

A FACULDADE DE TEOLOGIA TEM UM TÍTULO ECLESIÁSTICO. O QUE SIGNIFICA ISSO?

Embora já faça parte da PUC-SP, que é uma universidade pontifícia, a Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção é uma instituição de ensino com título eclesiástico. Isso permite que alguém graduado em Teologia na nossa Faculdade seja admitido para pós-graduação em qualquer outra universidade pontifícia do mundo sem a necessidade de fazer um exame para admissão. No Brasil, além da nossa, existem mais duas faculdades de Teologia com título eclesiástico – PUC-Rio e a Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), em Belo Horizonte (RJ). Os demais institutos de Teologia que desejam ter um título eclesiástico podem se filiar a essas faculdades eclesiásticas reconhecidas. Estão filados à nossa faculdade, a Faculdade de Teologia da PUC-Campinas; a Faculdade João Paulo II (Fajopa), em Marília (SP); o Centro de Estudos da Arquidiocese de Ribeirão Preto, em Brodowski (SP); e os institutos de Teologia da Diocese de Mogi das Cruzes (SP), da Arquidiocese de Campo Grande (MS) e da Arquidiocese de Sorocaba (SP).

 

PORTANTO, TER UM TÍTULO ECLESIÁSTICO AUMENTA A RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO?

Sim. Tanto que para os professores lecionarem Teologia nessas instituições precisam fazer a profissão pública da fé católica e a missio canonica (missão canônica). A Teologia possui um tripé: Sagrada Escritura, Tradição e Magistério. Todo professor de Teologia, independentemente da área, deve ser fiel ao espírito dessas três bases.  E se algum professor ensina algo que vá contra uma dessas três, é responsabilidade do diretor conversar com o docente para saber o que está acontecendo. Em relação aos estudantes, para receber o título eclesiástico de bacharel em Teologia, é preciso fazer o exame conclusivo chamado de Universa Theologia.

 

 

O QUE O SENHOR DESTACA DA CONSTITUIÇÃO APOSTÓLICA VERITATIS GAUDIUM?

Essa Constituição regulamenta e normatiza as faculdades eclesiásticas de Filosofia, Teologia e Direito Canônico dentro do espírito de uma igreja “em saída”, de um diálogo com a cultura contemporânea. Temos a missão de atualizar a nossa Faculdade com esse novo documento. Isso não diz respeito só ao projeto pedagógico do curso, mas, também, à reforma dos estatutos e regimentos não só da Faculdade, como da própria PUC-SP naquilo que diz respeito à especificidade da Teologia. A Constituição destaca, ainda, que a Teologia não existe para si mesma, não pode ser um casulo, uma seita de pessoas eleitas. Uma faculdade de Teologia tem de estar aberta e criar pontes. Ela está a serviço da Igreja. Na verdade, o Papa Francisco e a Congregação para a Educação Católica fizeram uma aplica- ção dos princípios da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium às faculdades eclesiásticas.

 

COMO A FACULDADE DE TEOLOGIA REALIZA ESSE SERVIÇO?

A Faculdade de Teologia existe para estar a serviço da Igreja e esse serviço não é só formar futuros padres ou religiosos e leigos. Também, mas não só. Por isso, vamos pedir aos chefes de departamentos para oferecerem cursos de extensão, uma necessidade da nos- sa instituição que Dom Odilo Scherer [Arcebispo Metropolitano e Grão-Chanceler da PUC-SP] manifesta há muito tempo. Nesse sentido, o sínodo arquidiocesano é uma oportunidade de colaboração da Faculdade. Ficou a tarefa para os departamentos de oferecer formação na área da renovação pastoral e da “conversão missionária”.

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‘Sou uma apaixonada por Deus e pela vida que eu abracei’

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08 de fevereiro de 2018

Formada em Filosofia, História, Pedagogia, Mestra em Educação com especialização em Pastoral Juvenil e Doutora em Psicologia pela USP, Irmã Adair Aparecida Sberga, 54, falou ao O SÃO PAULO sobre aquilo que dá realmente sentido à sua vida: ser religiosa consagrada. Há 32 anos na Congregação das Filhas de Maria Auxiliadora (Salesianas), Irmã Adair, que atualmente é Diretora Executiva da Rede Salesiana de Escolas do Brasil e Vice-Presidente da Associação Nacional das Escolas Católicas (ANEC), afirmou que a vida religiosa “é um sinal para o mundo de que as pessoas podem ser felizes quando se voltam para o seu interior, onde está o amor, onde está Deus”. 

 

O SÃO PAULO – COMO FOI O DESPERTAR DA SUA VOCAÇÃO PARA A VIDA CONSAGRADA?

Irmã Adair Aparecida Sberga – Eu participava do grupo de jovens de minha paróquia, onde nós desenvolvíamos atividades como catequese, visitas a asilos e atividades de solidariedade. Certa vez, o nosso pároco nos falou sobre se apaixonar por Jesus Cristo. Isso me tocou profundamente. Um dia, em uma procissão, eu vi uma religiosa de hábito e comecei a pensar que também poderia ser igual a ela. O desejo que sentia era de estar a serviço. No lugar de me dedicar a uma pessoa só, a uma família, queria estar disponível para servir a outras pessoas. Eu comecei a frequentar encontros vocacionais e procurei uma religiosa para conversar. Eu já havia concluído o ensino médio, tinha um bom emprego, mas deixei tudo para seguir ao chamado. No início, foi muito difícil, porque minha família não aceitava minha decisão. Aos poucos, eles foram percebendo que era um chamado de Deus. 

 

COMO A SENHORA DEFINE A VIDA CONSAGRADA A PARTIR DA SUA PRÓPRIA EXPERIÊNCIA?

É uma entrega de consagração a Deus, um serviço de doação naquilo que fazemos com total gratuidade. Não é uma fuga do mundo, mas um compromisso maior que assumimos com o mundo e com a humanidade. As palavras serviço e disponibilidade são muito fortes para mim, além do amor às crianças, adolescentes e jovens. Tanto que, por isso, sou uma irmã salesiana. Sou muito feliz. Sinto a bondade e o amor de Deus me conduzindo para dar testemunho da santidade, da radicalidade das bem-aventuranças. Quando eu decidi seguir a vida religiosa, eu manifestei a um padre minha dúvida de que se tratava mesmo de um chamado de Deus ou era só uma vontade minha. Então, ele me disse: “Minha filha, se você quer é porque Deus também quer”. Deus não vai pedir para mim algo que vá contra minha natureza. A correspondência ao chamado de Deus é justamente se sentir feliz naquilo que está fazendo. A vida religiosa é uma das formas de viver a vocação universal à santidade. 

 

COMO EXPLICAR OS VOTOS DE POBREZA, CASTIDADE E OBEDIÊNCIA NOS DIAS DE HOJE?

A obediência não significa ser uma pessoa subserviente. Mas é obedecer ao próprio Deus que se manifesta na nossa vida. O voto de obediência é estar atento àquilo que a própria vida nos coloca e deixar que Deus conduza a nossa história. Muitas vezes queremos fazer a nossa vontade, do nosso jeito. Porém, quando me coloco na perspectiva de Deus, ele me conduz para que eu possa dar os frutos que ele espera que eu dê. Portanto, é uma abertura para a ação de Deus. A castidade é a radicalidade do amor. Às vezes, as pessoas relacionam a castidade somente com sexualidade, mas ela é muito mais ampla. É a capacidade de amar e crescer no amor ao próximo. Por isso, estamos abertas a amar a todos e não somente a uma pessoa. É ter um coração indiviso que ama com mais intensidade a todas as pessoas nas suas condições de vida. Já a pobreza é a grande disponibilidade à gratuidade. O meu tempo não é só para mim, aquilo que temos, dividimos. Não é só não ter, mas a possibilidade de uma partilha maior. 

 

O QUE SUSTENTA A SUA VOCAÇÃO?

Em primeiro lugar, a oração. Nem sempre eu estou na capela, por conta da missão exigente que desempenho atualmente. Mas o tempo todo eu estou rezando. Tudo o que faço coloco na presença de Deus. Eu sinto sua presença. É essa proximidade com o divino que me sustenta. Sou uma apaixonada por Deus e pela vida que eu abracei.

Deus nos fala muito também por meio da vida comunitária. Não é simples viver em comunidade, pois convivemos com pessoas de todos os tipos. Mas a comunidade me ajuda a me constituir cada vez mais como pessoa. O tempo todo, a comunidade me dá a possibilidade de confronto para saber se estou vivendo com radicalidade aquilo que professo. Uma sustenta a vocação da outra. A vida comunitária é fundamental na vida religiosa para que não nos percamos na estrada. 

 

EM MEIO AOS MUITOS TRABALHOS, NÃO EXISTE O PERIGO DE CAIR NO ATIVISMO?

São muitas as exigências do mundo contemporâneo e muitas as atividades a serem realizadas pelos religiosos. Realmente, nós podemos cair no ativismo. Mas não é o fazer muitas coisas que conduz ao ativismo, e, sim, o modo como fazemos. Precisamos dar sentido a tudo o que realizamos. Quando trabalhamos na presença de Deus, aquilo não nos esgota. No entanto, precisamos ter consciência de que, como seres humanos, temos um limite de natureza física. Por isso, temos que ir até onde nossa saúde suporta. Porque, se nós nos esgotarmos demais, vem a irritação, o cansaço, a perda do entusiasmo e até do amor que sustenta a vida. E necessário cuidar da saúde física para ter uma boa espiritualidade. 

 

COMO FILHA DE MARIA AUXILIADORA, QUAL É O PAPEL DA NOSSA SENHORA NA SUA CONSAGRAÇÃO?

Nossa Senhora é uma presença muito especial em minha vida. Quando eu era irmã bem jovenzinha, uma religiosa me disse: “Quer salvar a famílias, reze o Terço todos os dias”. Aquela foi uma palavra de Deus em minha vida. Com essa oração, eu já alcancei muitas graças da Mãe de Jesus. Uma vez, rezando o Terço, eu vi Nossa Senhora. Isso não é impossível, quando nos abrimos para Deus, tudo é possível. Ela é uma mediadora de Deus, intercessora. Ela é uma boa mãe que nos acompanha. 

 

A SENHORA TEVE EXEMPLOS QUE A INSPIRARAM NA VOCAÇÃO?

Muitas irmãs com quem eu convivi foram mulheres muito fiéis, estudiosas, de uma grande doação, com uma sabedoria de vida que nos provocava. Elas nos davam o testemunho de coerência. Recentemente, em Natal (RN), encontrei-me com uma religiosa de 97 anos, muito lúcida, com um enorme desejo de viver a santidade. Esses exemplos de abertura de vida, desejo de viver na bondade, na pureza e nobreza de vida nos inspiram muito.

 

QUAL É A CONTRIBUIÇÃO DA VIDA CONSAGRADA PARA MUNDO?

A vida religiosa consagrada é marcada pelo despojamento e pela vivência da radicalidade e daquilo que é essencial. Nós vivemos em uma sociedade que fez a opção pelo consumo, pela materialidade e pelo individualismo. Cada vez que as pessoas vão em busca disso, se afastam do encontro com a sua interioridade. A vida consagrada nos ajuda a encontrar essa interioridade. A vida religiosa é um sinal para o mundo de que as pessoas podem ser felizes quando se voltam para o seu interior, onde está o amor, onde está Deus.

 

ENTÃO, VALE A PENA SER UMA CONSAGRADA?

Sim! Cada um tem que descobrir para o que Deus o chama e ter a abertura para esse chamado. Não dizer logo “isso não é para mim”. Deus chama, mas as pessoas precisam responder. E, se alguém recebeu o chamado à vida religiosa consagrada, será feliz assim, correspondendo ao dom que Deus lhe deu. 

 

As opiniões expressas na seção “Com a palavra” são de responsabilidade do entrevistado e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do jornal O SÃO PAULO.
 

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‘Ciência e fé são complementares’

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12 de janeiro de 2018

Bruno Moreira de Souza Dias é bacharel em Física com habilitação em Astronomia pelo Instituto de Física da USP, e Mestre e Doutor em Astrofísica pelo Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP. Em 2015, recebeu o prêmio de melhor tese de doutorado em Astronomia do IAG- USP. Ele fez pós-doutorado na Durham University, na Inglaterra. Atualmente é pesquisador e astrônomo de suporte no Observatório Europeu Austral (ESO), no Chile. Ele falou ao O SÃO PAULO de sua experiência de trabalho e sobre como concilia os estudos astrofísicos com sua fé católica. 

 

O SÃO PAULO - A ASTROFÍSICA É UM RAMO BEM ESPECÍFICO DO CONHECIMENTO. O QUE TE LEVOU A SEGUIR ESSA ÁREA?

Bruno Moreira de Souza Dias - Tenho duas inspirações marcantes na minha infância e adolescência. Minha família sempre valorizou muito a qualidade da educação, em particular, meu pai sempre estimulou a curiosidade pelos fenômenos da natureza, e costumava dizer: “Se você não sabe algo, pergunte; se eu não sei, vamos descobrir.” Lembro que no dia 3 de novembro de 1994, meu aniversário de 9 anos, houve um eclipse solar total visto do Brasil, que acompanhei com meus pais e isso me abriu os olhos para o Universo. Minha segunda inspiração foram as olimpíadas de Matemática, Física e Astronomia e clubes de ciências que participei ativamente, ganhando várias medalhas em nível regional e nacional.

 

E A TUA PARTICIPAÇÃO NESSE PROJETO NO CHILE? QUAL A IMPORTÂNCIA DE UM BRASILEIRO FAZER PARTE DESTE SELETO GRUPO DE PESQUISADORES?

O ESO é uma organização intergovernamental que conta atualmente com 15 países membros, e o Brasil está em tramitação para tornar-se o 16o. Com 55 anos de existência, o ESO é a maior organização astronômica do mundo e possui telescópios no Norte do Chile usados por astrônomos do mundo inteiro. Além dos telescópios, no ESO promovemos a pesquisa astronômica em suas sedes e também em congressos internacionais. Entre outros projetos, começamos a construção do maior telescópio óptico/infravermelho do mundo, o ELT, com espelho primário de 39m de diâmetro protegido por uma cúpula de aproximadamente 80m de altura, comparável à basílica da Sagrada Família de Barcelona.

Minha participação começou como estudante, quando estava no doutorado, e continua agora no período de pósdoutorado. Não sou o único brasileiro no ESO. O Cláudio Melo é o diretor científico do ESO no Chile, e há outros dois brasileiros. O ESO contrata astrônomos de qualquer país, seja membro ou não. Um dos objetivos do programa de fellowship, do qual participo atualmente, é que sejamos uma ponte para levar o conhecimento específico dos telescópios e procedimentos do ESO para as universidades e instituições de pesquisa do nosso país de origem. Nesse aspecto, mantenho colaborações científicas ativas com pesquisadores brasileiros e seus estudantes em diversas cidades do Brasil.

 

COMO É O DIA A DIA DE TRABALHO NESSE OBSERVATÓRIO?

Como fellow do ESO, meu trabalho tem duas partes. Devo desenvolver pesquisa astronômica de forma independente, liderar projetos e grupos de pesquisa. Essa parte é desenvolvida na sede em Santiago, além de visitas a instituições de pesquisa e congressos nacionais e internacionais para colaborações. A outra atividade é um serviço para a comunidade científica, trabalhando como astrônomo de suporte para as observações de projetos de pesquisadores do mundo inteiro que são selecionados pelo ESO. O suporte aos telescópios é feito in situ , no deserto do Atacama, onde trabalhamos por turnos de seis a 14 noites, num total de 80 noites por ano. São mais de 170 pessoas trabalhando por dia no observatório, que já foi cenário do filme “007 Quantum of Solace”. Há trabalho 24 horas por dia, diariamente. Durante o dia, é feito manutenção e preparação para passar a noite desvendando os mistérios do Universo. 

Além de operar os telescópios, desenvolvemos projetos de prevenção e manutenção dos equipamentos, e também fazemos a caracterização de novos equipamentos para oferecer estabilidade e controle sobre os instrumentos usados pela comunidade.

 

NO INÍCIO DO ANO PASSADO, SURGIRAM NOTÍCIAS SOBRE A DESCOBERTA DE PLANETAS QUE POSSUEM CONDIÇÕES DE VIDA. É POSSÍVEL MESMO QUE EXISTA ALGUMA FORMA DE VIDA NESSES PLANETAS?

A primeira descoberta de planetas fora do nosso Sistema Solar, chamados exoplanetas, aconteceu no início da década de 90. O número de exoplanetas confirmados cresceu lentamente desde então e dobrou nos últimos cinco anos, chegando a mais de 3 mil, com o advento de missões dedicadas a buscar mais exoplanetas.

Planetas gigantes do tamanho de Júpiter ou maiores são mais facilmente detectáveis. A descoberta anunciada em fevereiro de 2017 revelou sete planetas do tamanho da Terra orbitando a estrela anã vermelha TRAPPIST-1. Três desses planetas orbitam na zona habitável, o que significa que possuem temperaturas propícias para água líquida.

Esse é o primeiro requisito para buscar possíveis formas de vida. Vale destacar que a distância dessa estrela é de 40 anos-luz, mais de 2,6mi de vezes mais longe que o nosso Sol. Essa distância é pequena se comparada aos 100 mil anos-luz de diâmetro da nossa Galáxia, a Via Láctea, que possui mais de 10 bilhões de planetas do tipo da Terra, segundo estimativas recentes. Muitas novidades virão quando o novo telescópio espacial JWST for lançado ao espaço em 2019 e o ELT do ESO entrar em operação em 2024.

 

POR MEADOS DE 2017, O VATICANO REALIZOU UM CONGRESSO HOMENAGEANDO O PADRE LAMAÎTRE, REUNINDO ACADÊMICOS PARA DISCUTIR OS BURACOS NEGROS E OUTROS ASSUNTOS DA ÁREA. O QUE INTERESSARIA À SANTA SÉ ESSES ASSUNTOS? É ALGO RELEVANTE PARA A RELAÇÃO DA RELIGIÃO COM O MUNDO?

A relação do Vaticano com a Astronomia não é nenhuma novidade. O calendário civil que usamos é chamado calendário gregoriano, pois foi formulado por um comitê convocado pelo Papa Gregório XIII, em 1582, após o Concílio de Trento. Desde então, o Vaticano incentivou e promoveu estudos astronômicos. Em 1891, o Papa Leão XIII emitiu o Motu Proprio Ut mysticam , por meio do qual reinaugurou o Observatório do Vaticano, que está ativo até hoje. Entre seus objetivos está o de mostrar à sociedade que a Igreja é aberta ao diálogo com a ciência, e o faz de forma rigorosamente profissional. 

Padre Lemaître foi um astrofísico belga, contemporâneo de Albert Einstein, Edwin Hubble e Arthur Eddington, com quem discutiu suas ideias que foram, então, expandidas da Bélgica para o mundo. Ele foi pioneiro na teoria cosmológica do Big Bang, pela qual foi indicado ao Prêmio Nobel de Física, em 1952, e não ganhou, pois naquele tempo a Cosmologia não era contemplada pelo prêmio. Teorias modernas do Big Bang defendem uma singularidade gravitacional que também estaria presente em buracos negros. A detecção de ondas gravitacionais, previstas pela teoria da relatividade de Einstein e geradas em eventos como a fusão de buracos negros, abriu novos caminhos para entender o início do Universo.

 

E DE FORMA PESSOAL, TUA VISÃO DE MUNDO MODIFICOU COM O APROFUNDAMENTO DOS ESTUDOS ASTROFÍSICOS? COMO CONCILIAR TUDO ISSO COM A FÉ?

Sempre me interessei por esses assuntos desde pequeno, e os estudos acadêmicos reforçaram meu fascínio pela Astrofísica e abriram minha mente para explorar o desconhecido. O segredo na ciência é fazer a pergunta certa para a natureza e não ter medo da resposta. Partindo de um astrofísico e católico como eu, essa atitude pode parecer antagônica para uma pessoa com pouca informação sobre ciência ou sobre fé. 

Astrofísica é uma descrição bastante detalhada e rigorosa do Universo seguindo o método científico. A fé é um ato humano movido por Deus que dá assentimento à verdade divina. Em outras palavras, Deus criou o Universo (ou os universos), e, com a nossa inteligência, descrevemos por meio da Astrofísica como foi a origem do nosso Universo e sua evolução, seguindo as leis intrínsecas da natureza. 

Na área de Astrofísica, algumas perguntas populares no momento são: Como o Universo foi criado? Como foi o Big Bang? O que existia antes? Existem outros Universos? E também: Existe vida fora da Terra? Estamos sozinhos no Universo? Como os planetas e a vida se formam? Essas perguntas sobrepõem-se com muitos temas filosóficos e as respostas, parcialmente conhecidas, não contradizem de nenhuma forma a fé cristã. A ciência só pode responder sobre fenômenos naturais, enquanto o estudo da fé responde sobre temas sobrenaturais. Ciência e fé são complementares. Por exemplo, se existir vida inteligente em outro planeta, não significa que toda a história da redenção humana deve ser descartada, mas que essa aliança foi específica para nós humanos. Nem a possível existência de outros Universos tampouco qualquer teoria que descreva o que aconteceu antes do Big Bang podem provar ou refutar a existência de um Deus criador. De igual modo, a existência de Deus criador não limita os estudos em Astrofísica.

O importante nessa discussão clichê e nada trivial entre ciência e religião é que haja respeito mútuo e diálogo aberto, sempre e quando se conserve os limites do natural e do sobrenatural. 

 

As opiniões expressas na seção “com a palavra” são de responsabilidade do entrevistado e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do jornal O SÃO PAULO.
 

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‘Vivemos um luto inacabado, uma dor para a qual não existe remédio’

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27 de novembro de 2017

Fotos e cartazes estão por todos os lados na sala, localizada no 9° andar do edifício na Rua São Bento, número 370, no centro de São Paulo, por onde já passaram mais de dez mil pessoas buscando ajuda. O local abriga, desde 2009, a sede do Movimento Mães da Sé, fundado por Ivanise Esperidião da Silva Santos, 56. Natural de Alagoas, Ivanise veio com o marido para São Paulo há 37 anos e aqui nasceram as duas filhas do casal, Fabiana e Fagna Esperidião da Silva. 

A família morava na região de Pirituba, Zona Noroeste de São Paulo e vive, ainda hoje, as consequências dolorosas do desaparecimento da filha mais velha, Fabiana, no dia 23 de dezembro de 1995, quando a adolescente tinha 13 anos. 

“Mãe, ela foi na casa da Damaris com a Luciana, mas ela já vem”, disse a irmã de Fabiana, ao ser perguntada pela mãe, que acabava de chegar em casa, sobre o paradeiro da filha. “Naquele dia minha filha tinha saído para visitar uma colega de escola que estava fazendo aniversário, mas não tinha festa. Ela foi acompanhada de uma amiga que morava há 300 metros da nossa casa. No retorno, elas se separaram e cada uma foi em direção à sua casa. Foi neste trajeto que minha filha desapareceu”, contou Ivanise, à reportagem do O SÃO PAULO. 

Como tinha começado uma chuva forte, a mãe imaginou que a filha estava esperando a chuva passar para voltar para casa. E, assim que a chuva diminui, ela pegou o guarda-chuva e foi em busca de Fabiana, mas soube que as amigas já tinham se despedido há muito tempo. “Nós morávamos na Rua Nova Araçá, número 104 e, do lugar onde elas se separaram para minha casa, não dava mais do que 120 metros de distância”, contou Ivanise. 

Após fazer o boletim de ocorrência na delegacia – depois de ser dissuadida pelo delegado na noite do desaparecimento e de ter esperado mais de três horas, no dia seguinte – Ivanise começou uma busca solitária, como ela mesma disse. Eles disseram que ela devia esperar, e que, provavelmente, a filha tinha fugido com algum namorado e logo voltaria para casa. “Mas eu conhecia minha filha e sabia que ela não faria aquilo. Já se foram quase 22 anos e eu não tive nunca mais nenhuma notícia dela”, disse, emocionada, a fundadora das Mães da Sé.

 

O SÃO PAULO – COMO FOI A FUNDAÇÃO DO MOVIMENTO MÃES DA SÉ?

Ivanise Esperidião - Eu tinha conhecido, por intermédio de uma amiga da faculdade, o Centro Brasileiro em Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, que ficava no Rio de Janeiro. O Centro trabalhava com todo tipo de violação dos direitos das crianças e dos adolescentes, e o desaparecimento era um deles. Enviei a foto e os dados da Fabiana e eles prometeram divulgar. Eu já tinha ido a muitas emissoras de televisão e rádio em São Paulo, mas o desaparecimento não era uma causa que estava em pauta naquela época e pouco se falava sobre isto. Um dia, me ligaram do Rio de Janeiro. Disseram que, na novela Explode Coração, iriam divulgar o caso de crianças desaparecidas e se eu gostaria de participar. Percebi que aquela era minha oportunidade e eles divulgaram a foto e o nome da Fabiana na novela, em rede nacional. Tive muita esperança, mas não recebi nenhum telefonema com notícias sobre ela. Porém, jornalistas de grandes veículos em São Paulo me procuraram para saber mais sobre a história do desaparecimento e, naquele momento, no início de 1996, eu falei tudo o que estava vivendo. Desabafei sobre o descaso da polícia no caso da mi
nha filha e disse que, se outras mães estivessem vivendo o mesmo que eu, que nos uníssemos para buscar pelos nossos filhos. Isso foi num sábado. No domingo, comecei a receber telefonas, que não pararam até hoje.

 

E POR QUE “MÃES DA SÉ”?

No início, eu não sabia bem o que fazer e marquei com as mães que me ligavam para que nos encontrássemos na Praça da Sé, no dia 31 de março de 1996. Eu pedia que elas levassem cartazes com as fotos e os dados dos seus filhos. Quando eu cheguei ao local, naquele dia, já havia mais de 100 pessoas. Escolhi a Praça da Sé, pois lá era o local da cidade de São Paulo onde as pessoas se reuniam para reivindicar seus direitos. Nos três primeiros anos, nós trabalhamos na minha casa e só em 1999 tivemos uma primeira sede. Era um espaço coletivo, que abrigava diversas ongs e movimentos, na Praça da República. Mas, em 2009 o Governo do Estado de São Paulo pediu o espaço e nos mudamos para cá [Rua São Bento, 370].

 

QUANTAS PESSOAS JÁ PASSARAM POR AQUI E, DESSAS, HOUVE UM NÚMERO SIGNIFICATIVO DE REENCONTROS?

Nós temos mais de 10 mil registros de desaparecimentos e, desses, 4.534 pessoas foram encontradas. As pessoas vêm aqui quando não têm mais saída, quando já passaram pela delegacia, já fizeram suas buscas individuais, e nós procuramos dar apoio para essas mães. Digo mães, porque 99% das pessoas que nos procuram são mães. Os pais que vêm (ou vieram nesses 21 anos) eu quase posso contar nos dedos.

 

QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS MOTIVOS DE DESAPARECIMENTO? PODEMOS IDENTIFICAR GRUPOS MAIS VULNERÁVEIS?

A grande maioria é composta por famílias de baixa renda, algumas inclusive abaixo da linha pobreza. Há grupos mais vulneráveis sim que são compostos por pessoas com alguma deficiência ou transtorno mental; idosos com Alzheimer e adolescentes que passam por conflitos familiares. Neste caso, os desaparecimentos estão relacionados a fugas do lar. Pela nossa experiência podemos dizer também que, no caso dos meninos, grande parte é aliciada para o tráfico de drogas e, já em relação às meninas, ocorrem abusos sexuais seguidos de morte.

 

VOCÊ JÁ TEVE ALGUMA PISTA SOBRE O PARADEIRO DA SUA FILHA?

Nenhuma. Nunca ninguém a viu. Nos três meses que se seguiram ao desaparecimento eu procurava nas ruas, nos hospitais, no Instituto Médico Legal, na Região da Cracolândia. Ficava na rua, saía todos os dias em busca dela. Eu cheguei quase à loucura, não dormia, comecei a ficar doente. Enquanto mães, temos uma preocupação muito grande em dar o melhor para os nossos filhos. Dentro das nossas condições, queremos dar a eles a melhor educação, uma boa estrutura, sonhamos que eles um dia se casem, tenham também seus filhos. A Fabiana era uma menina carinhosa e muito estudiosa. Eu sabia que ela não fugiria de casa simplesmente. Hoje sei que não foi só a minha filha que desapareceu. Depois dela, eu não consegui terminar a faculdade [Ivanise cursava Direito e concluiu o 7º semestre], desenvolvi várias doenças, 7 anos depois me separei do meu esposo.

 

VOCÊ TEM ESPERANÇA DE REENCONTRAR SUA FILHA?

Sempre. No meu coração, eu sinto que ela está viva. E vou continuar procurando. Tem dias em que a saudade dói mais sabe... Nós, mães de filhos desaparecidos, vivemos um luto inacabado, uma dor para a qual não existe remédio.
 

As opiniões expressas na seção “Com a palavra” são de responsabilidade do entrevistado e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do jornal O SÃO PAULO.
 

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