Arabesque, ballet para todas no Jardim Brasil

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05 de março de 2018

A música clássica acompanhou o trajeto até a sala onde se podia ouvir: Plié... Relevé e a voz de Talyta Amaral, conduzindo um grupo de meninas. Vestidas com collant e calçando sapatilhas elas se equilibravam nas barras colocadas sobre o linóleo, tapete utilizado especialmente para dança. São 60 meninas, de 5 a 20 anos, que fazem parte do projeto “Arabesque – Ballet para todas”, criado e coordenado pelas irmãs Talyta e Tairine Amaral. Há cinco anos, elas começaram o projeto e hoje utilizam as salas que fazem parte do complexo da Paróquia Nossa Senhora da Livração, no Jardim Brasil, na zona Norte de São Paulo, para realizar o sonho de muitas meninas: dançar ballet.

“Éramos da Pastoral da Juventude e fazíamos apresentações de dança em eventos da Pastoral. Eu sempre era a responsável pelas coreografias”, recordou Talyta, que é professora de História e está terminando sua formação em dança clássica. Entre as jovens do grupo, uma delas sonhava em dançar ballet, mas esbarrava na questão financeira, pois o ballet é uma dança cara. “Comecei a perceber o quanto crianças e adolescentes da comunidade cultivavam esse sonho e, então, minha irmã, que é formada em dança, e eu juntamos algumas delas e começamos a dar aulas”, continuou.

O sonho de Thays Pereira, hoje com 19 anos, foi realizado, e o projeto saiu do papel.  “Abraçamos a causa, e o Arabesque foi crescendo. Quando você fala para seus amigos que faz ballet, eles pensam que você faz numa academia e investe muito dinheiro, mas tenho orgulho de explicar que é tudo gratuito e ver a admiração deles”, contou a jovem.

A movimentação é intensa aos sábados pela manhã, e as meninas, acompanhadas pelos familiares, vão chegando para participar das aulas que são dadas tendo como referência o método russo, escolhido pelas professoras por valorizar mais a força e os movimentos de braço. São seis turmas, que acontecem das 8h30 às 13h, e, além de Talyta e Tairine, a jovem Sâmia Mercedes, 17, está dedicando-se ao projeto.

“Fiz quatro anos de ballet em outro projeto, antes de conhecer o Arabesque. Aqui tive oportunidade de transmitir o que aprendi e comecei a dar aulas para as pequenininhas. Tudo é voluntário e fazemos isso porque realmente amamos a dança”, afirmou Sâmia, que sonha em cursar Medicina Veterinária e continuar dançando. 

REALIDADE

O Jardim Brasil, situado na zona Norte de São Paulo, tem índices altos de violência e aparece entre os bairros mais perigosos de São Paulo quando o assunto é estupro ou lesão corporal, por exemplo. De acordo com dados fornecidos pela Secretaria de Segurança Pública e organizados pelo jornal Estado de S. Paulo , em 2017, os departamentos de Polícia do Jaçanã e da Vila Gustavo, mais próximos geograficamente do Jardim Brasil, ocuparam o 3º e o 4º lugares – respectivamente – em casos de estupro, e o Jaçanã ficou em 3º lugar com maior quantidade de crimes qualificados como lesão corporal, além do 11º lugar no ranking do tráfico de drogas.

O bairro já passou por situações de extremo risco acerca do aliciamento de adolescentes e jovens para o tráfico. Uma matéria publicada em 2004 pelo jornal Folha de S.Paulo trouxe a realidade da convivência diária com traficantes no trajeto entre casa e escola, que fez com que o Jardim Brasil fosse – à época – a região da Capital Paulista com o maior número de internos na Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor), atual Fundação Casa, por narcotráfico. 

SUPERAÇÃO

Para crianças, adolescentes e familiares, a questão é clara: o envolvimento com a arte e a dança é capaz de transformar a vida das pessoas e afeta diretamente no envolvimento das crianças, adolescentes e jovens em situações de violência.

Foi o que constatou Regina Celia Gonçalves do Lago, mãe da Gabriela Aparecida do Lago, 10, que participa do Arabesque há mais de três anos. “Minha filha gosta de ouvir música clássica, graças ao ballet. Além disso, ela é mais dedicada em tudo o que faz. Hoje, por exemplo, acordou bem cedo e sozinha”, disse a mãe, que agradeceu a atenção dispensada pelas professoras para ajudar quando as famílias têm dificuldades na compra de uniformes e outros itens necessários para a dança.

A mudança de comportamento e o comprometimento são atitudes comuns entre as bailarinas. Talyta relatou que percebeu tais mudanças em sua própria vida e que isso é um testemunho recorrente dos familiares. “O ballet traz envolvimento para a vida delas. Cresce o interesse pela arte e, devido à disciplina que o ballet exige, muda também o comportamento em casa”, continuou.

Com o apoio da comunidade e inspiradas no Ballet Paraisópolis, outro projeto de ballet que acontece em um bairro da periferia da cidade, as duas irmãs desejam que o Arabesque cresça e atinja mais pessoas e, para isso, estão trabalhando na criação de um CNPJ, que permitirá o recebimento de doações e patrocínios mais facilmente. “Temos total apoio da Paróquia [Nossa Senhora da Livração], mas acolhemos crianças e adolescentes de todas as denominações religiosas, e nosso critério é sempre geográfico, para que possa atingir principalmente a comunidade”, explicou Talyta. É o caso de Letícia Hermínio, 20, e Isabel Oliveira Santos, 13, que moram bem perto da Paróquia e participaram das primeiras oficinas, antes mesmo de o Arabesque ter esse nome.

E assim, partilhando os uniformes que não cabem mais e tentando fazer com que a ponta da sapatilha não quebre, para durar o maior tempo possível, as meninas do Jardim Brasil continuam a cultivar o sonho de serem bailarinas ou de simplesmente continuar dançando. São muitos limites a serem enfrentados: do corpo, do tempo e do dinheiro. A bailarina é aquela que usa a força para transmitir leveza, que transforma dor e sofrimento em beleza.
 

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PUC-SP e Arquidiocese promovem evento sobre a superação da violência

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23 de fevereiro de 2018

Para refletir e aprofundar o tema da Campanha da Fraternidade deste ano, a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)  e a Arquidiocese de São Paulo, em parceria com a Coordenação para o Serviço da Caridade, Justiça e Paz, promoveram um dia de atividades sobre a “Fraternidade e Superação da Violência”, na terça-feira, 20.

“Pela superação da violência institucional: diminuição da população prisional, fim da política prisional, desmilitarização e não criminalização das pessoas pobres e das lutas populares” foram as linhas centrais abordadas nas palestras que aconteceram das 9h às 12h e das 19h às 22h. No período da tarde, a programação contou com atividades culturais como filmes, documentários e debates.

Os estudantes, principalmente os recém-chegados à Universidade, participaram em grande número, bem como os demais estudantes de diferentes cursos, professores e membros de pastorais, organizações e movimentos sociais. Pela manhã, após a saudação da Professora Alexandra Geraldini, Assistente Doutora que representou a Professora Maria Amália Abib, Reitora; de Dom Luiz Carlos Dias, Bispo Auxiliar da Arquidiocese de São Paulo na Região Episcopal Belém; e do Professor Luiz Antônio Amaral, Assessor da Pastoral da Educação no Regional Sul 1 da CNBB, os convidados para a mesa puderam expor o tema conforme a programação.

Dom Luiz Carlos recordou a história da Campanha da Fraternidade, iniciada em uma pequena comunidade do Rio Grande do Norte, na década de 1960. “A Campanha da Fraternidade difunde a cultura da fraternidade e deseja instalar uma base para superar os males que nos atingem”, disse. Ele salientou também o fato de a Igreja estar atenta às realidades sociais contemporâneas e propor caminhos de superação para problemas como a violência, por exemplo.

Em entrevista ao O SÃO PAULO, Dom Devair Araújo da Fonseca, Bispo Auxiliar da Arquidiocese na Região Brasilândia e Vigário Episcopal para a Pastoral da Comunicação, explicou os objetivos principais da Campanha da Fraternidade e que o tema deste ano foi escolhido porque a Igreja tem a consciência de que a violência nunca é uma resposta justa. “Toda violência ultrapassa os limites – fere a dignidade das pessoas e, por isso, não pode ser um recurso nem uma opção válida e digna diante de qualquer situação, qualquer que seja a situação”, disse o Bispo que também foi um dos debatedores do evento.

Ele chamou atenção para a cultura da violência que parece estar enraizada, muitas vezes, na prática das pessoas e recordou os referenciais contidos na Palavra de Deus e na Doutrina Social da Igreja: “A Igreja é defensora dos marginalizados, dos mais fracos, e isso tudo constitui um patrimônio que não é apenas dela. É bom ressaltar que a violência não é um acontecimento exclusivo dos nossos tempos. A Igreja, ao longo da sua história, já vivenciou e enfrentou muitas formas de violência contra as pessoas.”

“Essa instituição [PUC-SP] tem por tradição a questão dos direitos humanos. O evento de hoje é bastante inspirador, pois teremos muitas perspectivas: a religiosa, a social e a jurídica.  Preparamos uma programação diversificada com momentos de descontração, culturais, palestras e a constante discussão de temas relevantes para todos nós”, afirmou a Professora Alexandra Geraldini.

Dados
“As múltiplas formas de violência no Brasil contemporâneo” foram comentadas pelo Professor Pedro Estevam Serrano, Docente da Faculdade de Direito da PUC-SP, que apresentou, como ele mesmo disse, “apenas uma pequena parte” de uma pesquisa mais ampla que desenvolve acerca do tema.
Sobre a questão das prisões, o Professor Serrano recordou que o Brasil é o terceiro País que mais aprisiona no mundo. “Da década de 1990 até hoje, nós mais que quadruplicamos o número de presos e chegamos a 750 mil. Crescemos 7% ao ano.”

Para ele, a sociedade está regredindo quando precisa defender princípios básicos de civilização. “O fato de não reconhecermos os 60 mil mortos por ano no Brasil como uma forma de genocídio faz com que esses mortos percam a dignidade. Eles não têm memória nem nome. O nosso papel, na universidade, é dar nome a esse tipo de fenômeno, é mostrá-lo”, continou.

Fábio Pereira, estudante de Ciências Sociais e membro da Associação de Amigos e Familiares de Presos (Amparar), apresentou casos de violência dentro das prisões. Ele disse ser importante refletir antes de repetir chavões acerca do sistema prisional brasileiro, e comentou o fato de as pessoas serem mantidas em situação de cárcere antes de serem julgadas e a necessidade de apoio às famílias, algo que, poucas vezes, é dado pelo Estado.

Gustavo Diniz Junqueira, Defensor Público e Docente da Faculdade de Direito da PUC-SP, que falou sobre a não criminalização das pessoas pobres e das lutas sociais, recordou dados como o de a pena para o furto de um veículo automotor ser, por exemplo, maior do que a praticada por crimes de tortura ou a de manutenção de pessoas em situação análoga à escravidão.

“Esses desequilíbrios da legislação mostram que ela tende a servir mais a uma tutela patrimonial do que à tutela da dignidade, da integridade, da vida, da honra, da liberdade, da autonomia etc. E partindo daí, se o direito penal tem essa inclinação, é uma consequência quase inevitável a criminalização da pobreza”, afirmou Junqueira.

Outro exemplo trazido pelo Defensor foi o fato de ser comum que o suspeito fique preso por não conseguir provar residência fixa nem emprego formal. “Mas é claro que não, em um País de tantas e tantos milhares de sem--teto, quando o sujeito vai provar residência fixa? Ele não a tem, por isso vai ficar preso; e a não prova do trabalho formal, igualmente, é motivo reiterado nos Tribunais para se manter alguém preso”, explicou.

Alternativas
Já o tema da desmilitarização foi apresentado pelo Tenente Coronel Adilson Paes de Souza. Membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo e Mestre em Direitos Humanos pela USP, ele comentou sobre a necessidade de se repensar a segurança pública no Brasil. Alguns caminhos foram apontados para que isso aconteça, como a aplicação do Programa Estadual de Direitos Humanos, proposta de ação do Governo do Estado de São Paulo aprovada em 1997, mas, mesmo depois de 20 anos, ainda não aplicada.

“Também é importante que o Ministério Público exerça o controle da atividade policial, e precisamos começar a pautar a discussão sobre a unificação das polícias”, afirmou o Coronel, autor do livro “Guardião da Cidade - Reflexões Sobre Casos de Violência Praticados por Policiais Militares”.

Sobre as alternativas que contribuam para mudar uma cultura de criminalização da pobreza, Junqueira disse que não vê um mecanismo que consiga isso a curto prazo. “Parece-me que, a médio e longo prazo, uma série de medidas podem ser tomadas em tantos campos de atuação e dentro da Universidade, como por exemplo, um ensino mais crítico sobre o papel do jurista e do operador do Direito. Até que ponto o Direito deve ser apenas um instrumento de manutenção como sempre
foi? Ou pode ter um papel transformador?”, questionou.

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Assembleia Legislativa de São Paulo realiza apresentação da CF 2018

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17 de fevereiro de 2018

A Campanha da Fraternidade (CF) 2018, que teve início na Quarta-feira de Cinzas em todo Brasil, será apresentada na próxima terça-feira, 20, na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp).

A iniciativa do evento é do Padre Afonso Lobato, Deputado Estadual pelo Partido Verde, e tem como objetivo de envolver o Parlamento paulista na superação da violência. 

O tema proposto este ano é “Fraternidade e superação da Violência” e o lema: “Vós sois todos irmãos” (Mt 23,8), com o objetivo geral de construir a fraternidade, promovendo a cultura da paz, da reconciliação e da justiça, à luz da palavra de Deus.

A primeira Campanha da Fraternidade (CF) em âmbito nacional, foi realizada em 1964, promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Desde lá, muitos temas foram propostos para a reflexão quaresmal no País.

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Pastoral Fé e Política promove discussão sobre superação da violência institucional

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16 de fevereiro de 2018

A Campanha da Fraternidade organizada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em 2018, tem como tema “Fraternidade e a superação da violência”. Dessa forma, a Igreja do Brasil é convidada a pensar maneiras de vencer as inúmeras formas de hostilidade existentes no país.

Em parceria com a Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e Coordenação para o Serviço da Caridade, Justiça e Paz, acontece na próxima terça-feira, 20, no auditório da PUC-SP (rua Ministro Godói, 969, Perdizes, São Paulo - SP), o evento “Pela superação da violência institucional: diminuição da população prisional, fim da política de “guerra às drogas”, e desmilitarização e não criminalização das pessoas pobres e das lutas populares”.

A programação tem início às 9h e segue até às 22h. Ao longo das atividades, serão trabalhados temas como superação da violência institucional, as vítimas da violência no Brasil contemporâneo, redução da população carcerária e descriminalização do usuário, além de exposição com filmes e documentários.

Durante toda a semana na recepção dos novos alunos, os calouros poderão visitar uma amostra com painéis sobre a Campanha da Fraternidade 2018, na PUC-SP.

Mais informações acesse: http://j.pucsp.br/noticia/fraternidade-evento-apoia-superacao-da-violencia

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Campanha da Fraternidade desafia sociedade a combater a violência

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15 de fevereiro de 2018

Em 1964, realizou-se a primeira Campanha da Fraternidade (CF) em âmbito nacional, promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Desde lá, muitos temas foram propostos para a reflexão quaresmal no País. Para o ano de 2018, foi escolhido o tema “Fraternidade e superação da Violência” e o lema: “Vós sois todos irmãos” (Mt 23, 8), com o objetivo geral de construir a fraternidade, promovendo a cultura da paz, da reconciliação e da justiça, à luz da palavra de Deus. O texto a seguir foi escrito a partir de informações e dados contidos no texto-base da CF deste ano. 

MÚLTIPLAS FORMAS DE VIOLÊNCIA

Segundo o texto-base da CF 2018, publicado pela CNBB: “O tema da superação da violência e da segurança tornou-se uma das principais realidades a serem discutidas e tem inspirado diversas formas de políticas públicas.” 

O Brasil, apesar de possuir menos de 3% da população mundial, responde por quase 13% dos assassinatos que ocorrem em todo o mundo. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2014, o País chegou ao topo do ranking , tendo registrado 59.627 mortes por homicídio. 

A violência vem sendo potencializada pelas tecnologias digitais de comunicação e de informação.  As redes sociais têm contribuído para dar visibilidade à violência expressa sob a forma de preconceito ou ódio de classe, de raça, de sexo, de política e até mesmo de intolerância religiosa. 

O texto da CF 2018 assume que as soluções para os problemas relacionados à segurança pública oriundas de práticas de violência não são responsabilidade exclusiva do Estado, mas dizem respeito a todos os brasileiros e brasileiras. Não existe a possibilidade de se encaminhar uma solução sem ampla participação de toda sociedade.

CULTURA DA VIOLÊNCIA

A definição mais clara da palavra cultura é “cultivo”. Propagar uma cultura é cultivar um modo de ser, de estar e de agir. Quando se apresenta a violência como cultura, parte-se de uma análise da realidade em que determinados comportamentos foram assimilados como “normais”, “comuns”. Essa cultura é produzida pelos indivíduos, que, ao mesmo tempo, se tornam vítimas do próprio sistema de violência. O texto da CF 2018 explica esse processo da seguinte maneira: “Por violência cultural entendem-se as condições em razão das quais uma sociedade não reconhece como violência atos ou situações em que determinadas pessoas são agredidas. Criamse processos que fazem aparecer como legítimas certas ações violentas. Elaboram-se discursos para apresentar razões e justificativas como se uma ação violenta fosse devida, uma consequência de determinadas condutas da própria pessoas que sofreu a violência. Portanto, a violência cultural não é, necessariamente, uma causa da violência direta, mas cria as condições em meio às quais chega a tornar-se difícil, para a sociedade, reconhecer um ato ou sistema como violento”.

Assim, a violência cultural não estabelece a causa primeira da violência, mas é condição para que a sociedade tenha uma visão míope dos atos violentos. Em outras palavras, uma consciência anestesiada, pois aquilo que deveria ser considerado violento, porque é um mal em si, passa a não ser assim considerado. 

O ROSTO E OS NÚMEROS DA VIOLÊNCIA

Os números apontados pelo Mapa da Violência 2016 mostram que, no Brasil, 5 pessoas são mortas por arma de fogo a cada hora. A cada dia, são 123 pessoas assassinadas dessa forma.  

De acordo com o texto-base da CF 2018, esses números revelam que, no Brasil, ocorrem mais mortes por armas de fogo do que nas chacinas e atentados que acontecem em todo mundo. Homicídios, sequestros, estupros e diversas outras formas de violência são traduzidos em números e constituem a principal e a mais imediata preocupação dos cidadãos. 

JOVENS

Entre os jovens de 15 a 24 anos, os homicídios são a principal causa da morte. Dados referentes ao ano de 2011 mostram a gravidade da tragédia. Naquele ano houve, em todo o País, mais de 52 mil mortos por homicídio. Desse total, mais da metade das vítimas eram jovens (52,63%).  

Dentre os jovens vitimados, a imensa maioria era composta por negros (71,44%), majoritariamente do sexo masculino (93,03%). O número de homicídios por arma de fogo cresceu 592,8% entre 1980 e 2014. Quando se consideram apenas vítimas jovens, constata-se um aumento de 699,5%, por meio dos números divulgados pelo texto- base da Campanha da Fraternidade. 

RACIAL

A violência racial no Brasil é uma situação que faz supor uma forte correlação entre as três formas de violência (direta, estrutural e cultural). Os casos de violência direta parecem ser o resultado mais concreto e evidente de questões socioeconômicas históricas, além de deixarem entrever representações culturalmente produzidas e já naturalizadas a respeito da população negra, do índio, dos migrantes e, mais recentemente, também do imigrante. 

A xenofobia, por exemplo, que atinge pessoas de origem e culturas diferentes, faz as pessoas se sentirem ameaçadas ou invadidas. Essas e outras formas de preconceito se configuram como racismo, caracterizado pela suposição de quem existam raças humanas distintas e de que umas são superiores a outras. Nessa mentalidade, o sujeito considera inferiores as pessoas que não possuem as mesmas características que ele, constata o texto-base da CF.

Divulgação

DOMÉSTICA

A violência contra a mulher ocorre, principalmente, dentro de casa. 71,8% das agressões registradas pelo SUS em 2011 aconteceram no domicílio da vítima. Frequentemente, o agressor é o parceiro ou ex-parceiro da vítima (43,3%). 

Quando se consideram apenas as mulheres na faixa de 30 a 39 anos de idade que sofreram violência, em 70,6% dos casos o parceiro ou ex-parceiro é o agressor. Pais (19,8%), irmãos ou filhos (7,5%) respondem pelo restante dos casos. 

Outro grupo vítima da violência dentro de casa é o das crianças e adolescentes. De acordo com o Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef), não há dados que revelam a extensão dessa forma da violência. O abuso sexual, os ataques verbais ou físicos e a negligência atingem em grande escala os adolescentes no ambiente doméstico.

Segundo a ONU, a pobreza é causa da morte de pelo menos 17 mil crianças e jovens todos os dias. 61 milhões de crianças estão fora da escola, em dezenas de países. Cerca de 1 bilhão de crianças vive na pobreza em todo mundo.

EXPLORAÇÃO SEXUAL E TRÁFICO HUMANO

“O tráfico de pessoas é, atualmente, uma das formas mais violentas de exploração do ser humano no mundo inteiro”, afirma o texto-base. Trata-se de uma modalidade de crime organizado transnacional.

Este crime está fortemente atrelado à exploração sexual, ao comércio de órgãos, à adoção ilegal, à pornografia infantil, às formas ilegais de imigração com vistas à exploração do trabalho em condições análogas à escravidão, e ao contrabando de mercadorias. 

Segundo a ONU, 75% das vítimas de tráfico de pessoas são mulheres e meninas. A ONU Mulher considera o tráfico de pessoas uma das três atividades criminosas mais rentáveis do mundo, ao lado do tráfico de drogas e de armas.

NARCOTRÁFICO

O narcotráfico movimenta mais de 400 bilhões de dólares por ano, sendo um dos setores mais lucrativos da economia mundial. Dados da Secretaria Nacional Antidrogas e do escritório da ONU sobre drogas e crimes indicam que no Brasil há entre 20 e 30 milhões de viciados em álcool, contra 870 mil dependentes de cocaína. 

A cada ano, cerca de oito mil pessoas morrem em decorrência do uso de drogas lícitas e ilícitas no Brasil. Um estudo elaborado pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) apontou que, entre 2006 e 2010, foram contabilizados 40,6 mil óbitos causados por substâncias psicoativas. O álcool aparece na primeira colocação entre as causas, sendo responsável por 85% dessas mortes. 

RELIGIÃO

“Assim, as religiões – que têm em comum a promoção da vida, da liberdade, da justiça e da solidariedade – podem constituir fundamental instrumento para a promoção de uma cultura da paz e da vida”, afirma o texto-base da Campanha.

Dito de outro modo, as religiões são mecanismos importantes de mobilização social no enfrentamento da violência e da criminalidade. As religiões podem ser um contraponto positivo frente à onda de morte que toma conta de sociedade.

Contudo, também é possível que a experiência religiosa se converta em uma forma de violência. No Brasil, tem sido comum que a intolerância e o fanatismo religiosos se concretizem no desrespeito à liberdade de expressão, nas proibições de uso de vestimentas rituais em público, nas agressões físicas de pessoas e a monumentos religiosos, além do uso indevido de símbolos de outra religião como o fim de desmerecer, condenar ou mesmo demonizar práticas religiosas. 

SUPERAÇÃO DA VIOLÊNCIA

A superação da violência pede compromisso e ações que envolvam a sociedade civil, os membros da Igreja e os poderes constituídos, a fim de que não somente os direitos humanos, mas também a promoção da cultura da paz, sejam assegurados pela criação de políticas públicas emancipatórias. 

“A Campanha da Fraternidade deste ano nos convoca a viver a prática de Jesus no exercício da escuta, da saída missionária, do acolhimento, do diálogo, do anúncio e da denúncia da violência na dimensão pessoal e social. A lógica do amor é o único instrumento eficaz dantes das ações violentas”, afirma o texto-base da CF 2018. 

A relação com o outro é um importante passo para superação da violência, e a família é o primeiro lugar que o ser humano aprende a se relacionar. Os comportamentos e estímulos de superação da violência exercitadas na família nos convidam a desenvolver essas atitudes na comunidade e na sociedade. 

A superação da violência passa pela conversão pessoal. É preciso assumir a espiritualidade do seguimento de Jesus, o modelo de pessoa que escolheu não ser violento, mesmo diante das injustiças. A conversão, compreendida como mudança de atitudes e comportamentos, é a principal proposta que a liturgia quaresmal oferece. A oração é um importante instrumento para superação da violência.
 

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Regional Oeste 1 expõe o perfil da violência em Mato Grosso do Sul e discute ações para Campanha da Fraternidade de 2018

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17 de outubro de 2017

Com o intuito de discutir as ações que integrarão a Campanha da Fraternidade de 2018, que tem como tema “Fraternidade e superação da Violência”, o Regional Oeste 1, reuniu representantes de diferentes repartições públicas e instituições sociais, apresentaram o perfil sobre os vários aspectos da violência em Mato Grosso do Sul que servirão de ponto de partida para as ações que a Igreja irá realizar no regional durante o próximo ano.

A temática foi discutida durante a 55ª Assembleia Geral Ordinária de Pastoral do Povo De Deus, realizada dentre os dias 14 e 15 de outubro em Campo Grande. A convite de Dom Dimas Lara Barbosa, Arcebispo da Arquidiocese de Campo Grande e presidente do Regional Oeste 1, Bispos e coordenadores de pastorais do regional participaram das discussões e diante dos altos índices de violência constatados no Estado, os participantes reforçaram a urgência de se trabalhar a superação da violência em todos os aspectos da nossa sociedade.

“As discussões foram ótimas e mostraram a amplitude da realidade do tema que abordaremos na Campanha da Fraternidade do ano que vem. Vimos que a violência é um tema que está presente em todas as comunidades e que acomete todas as realidades. Teremos um grande desafio e um amplo campo de trabalho que contará com a união de todas as pastorais e movimentos da nossa Igreja para juntos darmos um importante passo para a superação da violência e a valorização da vida”, disse Dom Dimas.

Durante as apresentações a presidente da Xaraes Consultoria e Projeto, Aparecida Gonçalves, disse que o Brasil é o quinto país onde mais se mata mulher, sendo que as cidades sul-mato-grossenses de Aparecida do Taboado, Amambai e Caarapó estão entre as 100 cidades brasileiras com a maior incidência de assassinatos de mulheres.

Sobre a juventude, a promotora Vera Aparecida Cardoso Bogalho Frost Vieira, titular da Promotoria da Infância e Juventude de Campo Grande, comentou que vê a urgência da elaboração de políticas públicas que atuem de forma preventiva. Segundo ela, grande parte dos adolescentes que cometem infrações e são encaminhados para as Unidades de Educação de Internação em Mato Grosso do Sul, têm em comum a desestabilização familiar e o uso de drogas. A partir desses índices, as infrações avançam para roubos, tráfico e até mesmo, latrocínio.

O juiz federal aposentado, Odilon de Oliveira, que também participou dos painéis, enfatizou a necessidade do fortalecimento da Família, tendo em vista, que ela é a matriz geradora da vida e, como muitas crianças têm crescido em um ambiente desestabilizado e repleto de violência, ela acaba refletindo essa criação, dando continuidade a violência e a desvalorização da convivência fraterna e da vida. “Temos que conscientizar os pais de que eles exercem uma função delegada por Deus. Se queremos um futuro melhor, temos que trabalhar no fortalecimento e na valorização das famílias”, disse o ex-juiz federal que viaja o Brasil ministrando palestras.

Outras formas de violência como as mortes no trânsito, atentados aos povos indígenas, aos idosos, às relações sociais e a vida em sua totalidade também foram apresentadas pelo médico psiquiatra, José Carlos Rosa Pires de Souza; o Procurador da República, Emerson Kalif Siqueira; a chefe da divisão de educação do Detran/MS, Inês Pereira Esteves; o membro titular da Comissão Regional de Justiça e Paz, Lairson Palermo e a coordenadora diocesana da Pastoral da Pessoa Idosa, da Diocese de Dourados, Alice Rosa Viegas.

Todos os temas foram debatidos em grupos e servirão de ponto de partida para a elaboração das ações que serão desenvolvidas pela Igreja em Mato Grosso do Sul durante a Campanha da Fraternidade de 2018.

 

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“Fraternidade e políticas públicas” é o tema da Campanha da Fraternidade 2019

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10 de agosto de 2017

Os bispos do Conselho Episcopal Pastoral (Consep) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) escolheram, na manhã desta quarta-feira, 09, o tema da Campanha da Fraternidade 2019. Após empate com outra proposta, foi escolhido – por seis votos a quatro – o tema “Fraternidade e políticas públicas”.

A discussão a respeito da questão foi iniciada na manhã de ontem, logo no início da reunião do Conselho. A partir de 98 sugestões, enviadas por dioceses, regionais e órgãos governamentais, entre eles a Polícia Rodoviária Federal, os bispos chegaram a sete eixos temáticos postos em votação hoje: políticas públicas, trânsito, comunicação, família, educação, direitos humanos e fraternidade.

Após retomarem o debate e destacarem elementos importantes relacionados a cada temática, além da pertinência da reflexão no contexto social do Brasil, os bispos propuseram o título completo do tema para votação. Receberam votos as seguintes indicações: “Fraternidade e política públicas”, “Fraternidade: políticas públicas e direitos humanos” e “Trânsito: respeito à vida”.

A proposta vencedora ganhou peso com argumentos que destacavam que “políticas públicas” é um tema mais abrangente e envolve todas outras propostas apreciadas pelos membros do conselho, como direitos humanos e sociais, família, educação, trânsito e comunicação.

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