NACIONAL

Dom Jaime Spengler

‘O povo de Deus merece poder contar com presbíteros que sejam homens íntegros e idôneos’

Por Fernando Geronazzo
15 de abril de 2018

O Presidente da Comissão Episcopal Pastoral para os Ministérios Ordenados e a Vida Consagrada da CNBB é também um dos responsáveis pela elaboração do texto que será trabalhado pelos bispos

Luciney Martins/O SÃO PAULO

Em entrevista ao O SÃO PAULO , Dom Jaime Spengler, Arcebispo de Porto Alegre (RS) e Presidente da Comissão Episcopal Pastoral para os Ministérios Ordenados e a Vida Consagrada da CNBB, falou sobre a proposta de novas Diretrizes para a Formação de Presbíteros, tema central da 56ª Assembleia Geral da CNBB, que acontece entre os dias 11 e 20, em Aparecida (SP). 

Um dos responsáveis pela elaboração do texto que será trabalhado pelos bispos, Dom Jaime destacou a necessidade de se considerar as rápidas transformações sociais e culturais que influenciam os candidatos ao ministério ordenado. “Os tempos mudam e exigem respostas condizentes às novas situações e desafios”, afirmou o Arcebispo. 

 

O SÃO PAULO – QUAL A NECESSIDADE DE PROPOR NOVAS DIRETRIZES PARA A FORMAÇÃO PRESBITERAL PARA A IGREJA NO BRASIL?

Dom Jaime Spengler – As diretrizes que estão em vigor foram aprovadas em 2009 e levavam em consideração as novas situações da realidade formativa e a riqueza missionária do documento da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e Caribenho, celebrada em Aparecida, em 2007. Agora, após a publicação, pela Santa Sé, da nova Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis, intitulada “O dom da vocação presbiteral”, em 2016, e tendo presente o magistério do Papa Francisco, a CNBB sente a necessidade de elaborar novas diretrizes para a formação dos presbíteros da Igreja do Brasil. Há de se considerar, também, as rápidas transformações sociais e culturais que influenciam os candidatos ao ministério ordenado. Os tempos mudam e exigem respostas condizentes às novas situações e desafios.

 

QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS DESAFIOS?

Vivemos aquilo que se cunhou denominar mudança de época. Estamos num tempo de transformações rápidas e profundas, que afetam a realidade como um todo. São transformações que atingem todos os setores da vida humana e os próprios critérios de compreensão, os valores mais profundos, a partir dos quais se afirmam identidades e se estabelecem relações e ações. Tal situação representa um desafio para a formação dos candidatos ao ministério ordenado.

O Brasil é marcado por enormes diferenças. Isso se reflete no tipo de candidato que procura uma oportunidade para realizar um itinerário vocacional. Temos, por um lado, os grandes centros urbanos com características próprias. De outro lado, temos a realidade, digamos, rural, que também apresenta um perfil característico de candidatos. Temos, ainda, candidatos que provêm de etnias indígenas – sobretudo da realidade amazônica. Também temos o jovem sertanejo, do cerrado, os negros. Há realidades que ainda possuem o seminário menor. Outras só acolhem candidatos que já concluíram o ensino médio ou candidatos adultos. Alguns candidatos chegam apresentando uma grave deficiência escolar. Outros apresentam ótima formação intelectual e acadêmica. E o que dizer dos que não foram iniciados na fé cristã? Constata- -se, também, um número crescente de candidatos de idade mais avançada. Em algumas regiões, verifica-se um número expressivo de candidatos que são filhos único. Esses são alguns elementos que desafiam a formação presbiteral.

 

E AS DIRETRIZES VÃO LEVAR EM CONTA ESSAS QUESTÕES?

Um documento que pretenda ser de orientação para toda a Igreja do Brasil há de ter presente a complexa realidade que as diferentes regiões e situações apresentam. Por isso, a formação há de ser sempre orientada por grande sensibilidade por parte dos encarregados da formação dos futuros presbíteros e profundo empenho naquela obra que a tradição ocidental denomina “discernimento”. Além disso, é imprescindível que os candidatos sejam acompanhados por equipes formativas. Mas para que as equipes formativas possam desenvolver sua missão, constata-se a necessidade de preparar um número suficiente de formadores. Onde não é possível haver uma equipe de formadores, urge ter a coragem de constituir seminários provinciais ou regionais, onde os candidatos possam receber acompanhamento personalizado e formação adequada para estarem à altura das exigências e desafios que a atividade evangelizadora na complexa realidade de hoje apresenta à Igreja.

 

QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS MUDANÇAS DA NOVA RATIO FUNDAMENTALIS QUE O SENHOR DESTACA?

Creio que a nova Ratio Fundamentalis é para uma nova geração de presbíteros. No entanto, não se trata tanto de mudanças. Por quê? Trata-se, antes de tudo, de propor ou indicar caminhos para escuta daquilo que o Espírito de Deus inspira à Igreja; ao mesmo tempo, faz-se necessária a devida atenção à rica e bela tradição da Igreja. A escuta atenta do Espírito Santo impulsiona a olhar para a frente – o Espírito Santo de Deus faz novas todas as coisas! – e cultivar a devida atenção ao patrimônio já existente. 

A nova Ratio insiste na integralidade do processo formativo e recomenda a devida atenção às diversas dimensões do ser humano. Para isso, faz-se necessário a construção de um itinerário pedagógico gradual e personalizado. O documento põe um acento particular sobre a dimensão humana. Isso também implica maturidade afetiva. Sem uma sólida base humana, torna-se difícil desenvolver, por exemplo, as dimensões intelectual, espiritual, comunitária e missionária, constitutivas da integralidade do processo formativo.

Outro aspecto importante é o discernimento vocacional. O povo de Deus merece poder contar com presbíteros que sejam homens íntegros e idôneos; homens apaixonados por Jesus Cristo e seu Evangelho. Homens que assumiram o caminho do discípulo e de configuração a Jesus Cristo. Homens capazes de testemunhar com palavras e ações que amam o que são e gostam do que fazem.


QUAL É A PRÓXIMA ETAPA DA ELABORAÇÃO DAS DIRETRIZES?

O Conselho Permanente da CNBB solicitou que a Comissão Especial designada elabore o texto a ser proposto como material de estudo para esta Assembleia Geral. Há de se recordar que as atuais diretrizes em vigor foram aprovadas por unanimidade pelo episcopado brasileiro. Isso diz do ótimo trabalho então realizado. É verdade que após quase dez anos, mudanças aconteceram. A sensibilidade para tais mudanças se fará sentir durante a própria Assembleia nas sugestões, emendas etc, que serão certamente apresentadas pelos senhores bispos. É também verdade que os bispos já tiveram oportunidade para apresentar suas sugestões. Também os formadores dos diversos seminários desse imenso Brasil e os animadores da Pastoral Presbiteral nas dioceses puderam cooperar na construção do texto que está chegando às mãos dos bispos nestes dias de Assembleia.

 

O DOCUMENTO PROPOSTO É EXTENSO. PRETENDE-SE DIMINUÍ-LO?

Esta é uma questão desafiadora! Há um consenso quase geral entre os bispos de que os documentos da Conferência sejam breves. Entretanto, tendo presente a complexidade do tema e as distintas realidades da Igreja no Brasil, pode-se imaginar o quanto seja difícil construir um texto breve. A Comissão se esforçou para construir um texto breve. No entanto, chegamos praticamente às mesmas dimensões do texto das diretrizes em vigor. Oxalá, os bispos reunidos, seguindo o princípio da sinodalidade, consigam expressar o que se faz necessário como Diretrizes para a formação dos presbíteros da Igreja no Brasil num texto breve.

 

HÁ A POSSIBILIDADE DESSAS DIRETRIZES SEREM APROVADAS COMO DOCUMENTO NESTA ASSEMBLEIA GERAL?

As Diretrizes para a Formação dos Presbíteros é o tema central desta Assembleia. Os bispos concentrarão esforços e atenção sobre esse tema. Por isso, esperamos que sejam aprovadas nesta Assembleia Geral. 

 


As opiniões expressas na seção “com a palavra” são de responsabilidade do entrevistado e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do jornal O SÃO PAULO.
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