Eparquia mantém viva a fé e a tradição do povo sírio-libanês

Por
28 de setembro de 2018

Desde 23 de maio, Dom Sergio de Deus Borges, Bispo Auxiliar da Arquidiocese de São Paulo e Vigário Episcopal para a Região Santana, também exerce a missão de Administrador Apostólico da Eparquia Greco-Melquita Nossa Senhora do Paraíso, cuja sede está localizada na Capital Paulista. Ele foi nomeado pelo Papa Francisco após a transferência do então Eparca, Dom Joseph Gébara, para a Arquieparquia de Petra e Filadélfia, na Jordânia. A principal tarefa de Dom Sergio é ajudar o clero e os fiéis na revitalização pastoral e administrativa da Eparquia até que seja nomeado um novo Eparca.

Instituída em 26 de maio de 1972, pelo Beato Paulo VI, essa Eparquia é uma circunscrição eclesiástica de rito oriental, equivalente a uma diocese, cujo território abrange todo o Brasil. Sua missão é acompanhar e reunir os fiéis de origem sírio- -libanesa e seus descendentes que vivem no Brasil e desejam cultivar suas raízes e identidade culturais. 

 

IGREJA ORIENTAL

Para entender melhor o que é Igreja Católica Greco-Melquita, é preciso saber que ela é uma das 24 igrejas autônomas que constituem a Igreja Católica no mundo, em plena comunhão com o Romano Pontífice, o Papa. 

A maior e mais conhecida delas é a ocidental, a Igreja Católica Apostólica Romana, também chamada de Igreja Latina, de rito romano. As demais têm sua origem no Oriente Médio e seguem os diversos ritos orientais (confira no box da página ao lado). 

Todas as 24 igrejas são sui iuris, isto é, autônomas para legislar a respeito de seu rito e da sua disciplina, com exceção às matérias dogmáticas, que são universais e comuns a todas e garantem a unidade de fé, formando uma única Igreja Católica sob o pastoreio do Santo Padre que a todas preside na caridade.

Internamente, as igrejas orientais são governadas por um patriarca ou arcebispo-maior e por seu sínodo que o elege e submete seu nome à aprovação do Papa. No caso da Igreja Greco-Melquita, o atual Patriarca é Youssef I Absi, eleito em 21 de junho de 2017. 

 

HISTÓRIA

Criada em Antioquia, a Igreja Greco- -Melquita é a mais antiga Igreja enquanto instituição no mundo e é a única entre as orientais que não é uma Igreja nacional, pois seu patriarcado envolve três sés apostólicas: Antioquia, Jerusalém e Alexandria. 

O nome Melquita vem de mèlek, que é a raiz siríaca para palavras como “rei”, “real” e “reino”. Isso se deve ao fato de todos aqueles que ficaram ao lado do imperador bizantino Marciano no Concílio de Calcedônia, no ano 451, defendendo a fé nas duas naturezas de Cristo, terem sido apelidados de “reais” pelos monofisistas, aqueles que não aceitaram esse dogma. 

Já o termo “greco” é atribuído ao idioma oficial do Império Romano, falado pela maioria dos cristãos. Isso também influenciou o rito adotado pelos Melquitas, conhecido como bizantino, cuja Divina Liturgia foi escrita por São João Crisóstomo e São Basílio de Cesareia. Atualmente, o idioma oficial da liturgia do melquitas é o Árabe, mas também há orações em Grego e no idioma do país onde se celebra a liturgia, no caso do Brasil, o Português. 

 

CATÓLICA

Embora tenham os mesmos ritos e origens, a Igreja Greco-Melquita é plenamente católica, enquanto que sua “igreja irmã”, a Ortodoxa Antioquina, está separada da comunhão com Roma e possui hierarquia própria. 

A origem dessa história remete aos séculos IV e V, quando as cinco primeiras Igrejas apostólicas receberam o título de patriarcados, dando origem à chamada pentarquia: Roma, Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Jerusalém. Na pentarquia, o Bispo de Roma, sucessor de São Pedro, tinha o primado de honra entre os demais patriarcas, sendo o primus inter pares (o primeiro entre os iguais) na ordem de precedência das Igrejas.

Em 1054, aconteceu o famoso “Grande Cisma” entre as igrejas do Ocidente e do Oriente, resultante de um longo processo motivado por questões políticas, culturais, eclesiásticas e doutrinais. Assim, as Igrejas dos quatro patriarcados orientais que se separaram denominaram-se ortodoxas. Apesar do Cisma, muitas comunidades orientais não manifestaram total rompimento com Roma, embora o Patriarcado de Constantinopla, que passou a ter o primado de honra entre os ortodoxos, exercia uma forte influência sobre as igrejas do Oriente para manterem-se separadas do Ocidente. 

Em 1724, após a morte do Patriarca de Antioquia Atanásio III Dabbas, foi eleito o Patriarca Cirilo Tanás, que era favorável à comunhão com Roma. Em oposição a essa eleição, o Patriarca de Constantinopla nomeou um patriarca com posicionamento contrário à comunhão, Silvestre, o que originou duas linhas de sucessão patriarcal: a católica e a ortodoxa. Esse movimento de união dos Melquitas com à Sé de Pedro foi bastante motivado pela presença dos missionários católicos europeus – jesuítas, franciscanos, capuchinhos e carmelitas – na região. 

 

NO BRASIL

Os primeiros cristãos greco-melquitas imigraram para o Brasil entre os anos de 1869 e 1890, e foram genericamente chamados de “turcos”, pelo fato de seus passaportes terem sido fornecidos pelo Império Otomano. Com o crescimento dos imigrantes, a Igreja Católica Greco- -Melquita começou a se preocupar com os seus fiéis na diáspora e, em 1939, enviou ao Rio de Janeiro seu o primeiro Pároco, o Arquimandrita (equivalente a Monsenhor) sírio Elias Couéter, que, durante muitos anos, foi o único sacerdote melquita no País. 

Em 1946, Dom Jaime de Barros Câmara, então Arcebispo do Rio de Janeiro, erigiu a primeira paróquia Greco-Melquita do Brasil, dedicada a São Basílio. Depois de o Patriarca Maximos IV insistir junto à Santa Sé para que existisse uma disciplina eclesiástica adequada para a sua Igreja na diáspora, em 1951, o Papa Pio XII instituiu um Ordinariado para os fiéis católicos de rito orientais no Brasil, tendo como Ordinário Dom Jaime Câmara, que nomeou o Arquimandrita Couéter como Vigário-Geral para os Greco-Melquitas, função que exerceu até ser nomeado, em 1972, bispo e primeiro Eparca da recém- -criada Eparquia Nossa Senhora do Paraíso, cuja sede foi fixada na paróquia de mesmo nome, elevada a catedral, no bairro do Paraíso. 

 

‘A NOSSA EPARQUIA NÃO PODE DEIXAR DE EXISTIR´

Com a transferência de Dom Gébara, quinto Eparca melquita no Brasil, e sem contar com um Colégio de Consultores para eleger um Administrador Eparquial dentre seus padres até a nomeação de um novo pastor, a Santa Sé nomeou Dom Sergio para acompanhar essa comunidade oriental e ajudar a organizá-la.

“A Igreja Greco-Mequita tem uma tradição litúrgica e pastoral muito rica e bela que eu não conhecia. Mergulhar neste modo de ser Igreja está sendo uma riqueza para mim, porque estou tendo a oportunidade de conhecer e viver uma perspectiva nova na compreensão e vivência da Divina Liturgia, da pastoral e da relação entre os leigos e o clero. Também levo para a Eparquia nossa experiência pastoral, estruturas de governo da Igreja e os caminhos de corresponsabilidade entre os leigos e o clero em vista da evangelização e da vivência da fé na realidade do Brasil”, afirmou Dom Sergio ao O SÃO PAULO. 

Desde que assumiu a função, Dom Sergio começou a se reunir com o clero e com os fiéis de São Paulo e das outras paróquias para entender mais a situação. Além da Catedral, a Eparquia tem paróquias no Rio de Janeiro, Juiz de Fora (MG), Fortaleza (CE) e Taubaté (SP). 

A primeira grande medida foi a constituição do Colégio de Consultores e do Conselho de Assuntos Econômicos do governo da Eparquia. Foram nomeados: Monsenhor Joaquim José Stein, Chanceler; Philip Fouad Louka, Vigário Geral Delegado; e Padre Ziad Alkhoury, Ecônomo. 

O Administrador Apostólico também se reuniu com o Conselho Greco-Melquita, entidade constituída de fiéis leigos responsável pela gestão do patrimônio da Eparquia. Ao contrário do que acontece nas dioceses latinas, o patrimônio da Eparquia, inclusive os templos, não está em nome da Igreja, mas desse conselho. “Estamos dialogando em vista de uma parceria mais proativa em favor da Comunidade Greco-Melquita”, afirmou Dom Sergio. 

 

MANTER VIVA A CULTURA

Nascido na Síria, Padre Ziad está há 15 anos no Brasil. Ele descreveu que o grande desafio pastoral da Eparquia é ir ao encontro dos fiéis que estão dispersos pelo País. “Hoje existe um grande número de fiéis de origem sírio-libanesa no Brasil, mas nem todos eles moram próximos das nossas igrejas. Muitos acabam se adaptando às igrejas latinas próximas de suas casas, uma vez que são católicos. No entanto, nas grandes festas, como Natal e Páscoa, essas pessoas vêm participar de nossas celebrações, pois sentem saudade das liturgias”, relatou. 

Por essas razões, os greco-melquitas não conseguem contabilizar quantos fiéis existem hoje na Eparquia. “Em São Paulo, que é uma cidade imensa, nós temos apenas a nossa catedral. Isso dificulta que eles participem das nossas celebrações”, completou o Padre. 

Há, ainda, a procura por fiéis latinos interessados em conhecer o rito bizantino e participar das liturgias, sobretudo durante a semana. Por se tratar de uma Igreja Católica, não há necessidade de alguma licença ou autorização para participar de um rito oriental. Contudo, quando procurados por pessoas que desejam “mudar de rito”, os padres melquitas a orientam a permanecer em sua tradição. “A pessoa pode participar do rito bizantino e continuar fiel na sua Igreja de origem”, explicou Padre Ziad.

 

ACOLHIDA AOS IRMÃOS

Nos últimos anos, a Igreja Greco-Melquita no Brasil tem vivido uma nova experiência migratória causada pela guerra civil na Síria. “Nós abrimos a nossa casa e recebemos aproximadamente 40 famílias da Síria. Muitas dessas pessoas chegaram ao aeroporto, não sabiam para onde ir, se informaram sobre o nome da Igreja e chegaram aqui”, informou o Padre Ziad. 

Essas famílias recebiam hospedagem até conseguirem se adaptar ao idioma, encontrar moradia e emprego. A Eparquia também promoveu uma campanha de doações de roupas e alimentos para esses e outros migrantes sírios. 

Experiências como a da acolhida dos migrantes sírios justificam a permanência da Igreja Greco-Melquita no Brasil, pois sua principal missão é manter viva a fé, a cultura e a identidade de um povo que deixou sua terra em busca de uma vida melhor. 

“A nossa Eparquia não pode deixar de existir, não podemos fechá-la, pois ela não é só nossa. Temos que nos empenhar para deixar uma herança para aqueles que virão e darão continuidade a essa missão”, enfatizou Padre Ziad. Ele reconheceu que a Eparquia não cresceu, mas estagnou-se e não acompanhou o ritmo do crescimento e expansão de seus fiéis pelo País. “Nosso desafio é ir ao encontro desses irmãos”, completou.

Padre Ziad afirmou que Dom Sergio tem feito uma “revolução” na Eparquia. “Ele está sendo muito bem quisto pela comunidade. As pessoas até comentam que gostariam que ele fique conosco. É uma pessoa simpática, humilde e muito próxima”. 

A acolhida também foi sentida por Dom Sergio. “Chamou-me a atenção e me comoveu a atitude de acolhida por parte da Comunidade Melquita. Quando eu era seminarista, tive contato com os textos espirituais dos padres da Igreja no Oriente e me alegra que hoje estou celebrando e vivenciando deste manancial de espiritualidade”, relatou. Ainda segundo ele, mesmo sendo um bispo latino à frente da Igreja oriental, consegue ver nas pessoas abertura e desejo de contribuir no caminho que a Eparquia deverá percorrer em busca de sua revitalização pastoral.

 

Comente

O Cristo Pantocrator

Por
18 de janeiro de 2018

“A arte sacra é mistagógica, ou seja, retrata o mistério que na Igreja já foi revelado, o mistério da encarnação de Deus.” Assim Wilma Steagall De Tommaso descreveu sua experiência com a arte, que ela começou a pesquisar em sua dissertação de mestrado, concluída em 2005, na PUC-SP.

Cercada por obras de arte, ícones e uma obra de Cláudio Pastro, o Cristo Pantocrator que acolhe a todos os que entram em sua casa, Wilma falou sobre sua experiência de pesquisar e experimentar a fé católica por meio da arte, e sobre como nasceu o livro “O Cristo Pantocrator – Da origem às igrejas no Brasil, na obra de Cláudio Pastro”, lançado pela editora Paulus, em dezembro de 2017.

Ao ser perguntada sobre como começou seu interesse por arte sacra, Wilma contou que sempre foi muito curiosa e chegou a cursar Teologia quando seus filhos ainda eram pequenos. “Acabei não concluindo o curso, mas gostei muito e, assim que pude, comecei a pós-graduação em Ciências da Religião. A princípio, queria pesquisar sobre Maria Madalena na arte, mas meu orientador sugeriu que eu restringisse a pesquisa a um artista e escolhi El Greco”, contou à reportagem do O SÃO PAULO.

Após alguns anos, Wilma dedicou-se, no doutorado, à pesquisa do Cristo Pantocrator, que ela sempre gostou, e, ao pensar sobre a atualização da pesquisa para o contexto brasileiro, viu-se de frente com um dos maiores artistas sacros da contemporaneidade, Cláudio Pastro.

“Eu sempre gostei das obras do Cláudio. Meu primeiro encontro com ele foi por meio da obra que está na Igreja São Bento do Morumbi, no Colégio Santo Américo, onde meus filhos estudavam”, contou Wilma, que se tornou, posteriormente, amiga do artista.

 

ESPIRITUALIDADE

Ao falar sobre os ícones, Wilma recordou que “antes que contemples o ícone, é como se ele te contemplasse. Assim, o Pantocrator se torna uma referência não só para a arte, mas, sobretudo, para a espiritualidade cristã ao longo dos séculos. “Ser um iconógrafo é muito diferente de ser um pintor. Há cânones a serem obedecidos. Iconógrafos ‘escrevem’ um ícone, que é concebido pelo Espírito Santo pelas mãos do monge-pintor, ou seja, o pintor é o pincel do Espírito, segundo a tradição da Igreja Católica do primeiro milênio. Revestir com arte um espaço litúrgico demanda, além da técnica, espiritualidade. A arte sacra, por sua própria natureza, está relacionada à infinita beleza de Deus. Tem o propósito maior de levar o fiel a dedicar-se a Deus, louvar e exaltar a Sua glória. Foi o interesse por essas questões que me conduziu a pesquisar o ícone, seu significado e sua função como arte sacra litúrgica e, em particular, pelo tipo iconográfico Cristo Pantocrator, Soberano Universal”, afirmou Wilma, que leciona no curso “Os virtuosos do invisível – a imagem de Deus na história da Arte”, oferecido pela PUC-SP, com matrículas abertas.
 

PANTOCRATOR

“Para mim, o Pantocrator é aquele para o qual todos nós caminhamos”, afirmou a Autora, que escreveu sobre uma das imagens mais recorrentes da iconografia cristã do primeiro milênio e também a mais difundida pela Igreja do Oriente. Ao descrever a imagem de Cristo, Wilma explicou que “sob traços humanos do Filho encarnado, a Majestade Divina do Criador e Redentor que preside a humanidade, o Pantocrator é muitas vezes apresentado sentado ao trono de onde abençoava com a mão direita e trazia na esquerda um pergaminho ou um livro. Essa imagem não se encontrava só nas cúpulas e nas absides das igrejas, mas também em selos, moedas, evangeliá- rios e outros objetos litúrgicos; era encontrada nas cenas históricas que representavam Cristo nos diversos momentos de sua vida de adulto, como, por exemplo, na Transfiguração, na Descida ao Inferno e em inúmeros ícones oferecidos à veneração dos fiéis nas iconostases das igrejas e casas particulares”

As primeiras representações do Pantocrator remontam ao tempo das catacumbas, quando os cristãos se reuniam junto aos túmulos dos mártires. “O auge, porém, aconteceu a partir do século IV, quando o Imperador Constantino permitiu que os cristãos professassem seu culto e, para isso, precisavam de lugares públicos. Daí começam a surgir os primeiros mosaicos do Cristo Pantocrator nas absides das igrejas. No entanto, só em 13 de outubro de 787, no II Concílio de Niceia, em sua sétima sessão, foi promulgada uma definição de fé, atestando que é legítimo fabricar, expor e venerar os ícones do Cristo, da Virgem e dos santos. Essa definição significou uma etapa decisiva na história icônica do Deus cristão. Com o decreto de Niceia II, a arte cristã encontrou seu fundamento teológico, mas foi sobretudo o ícone do Cristo e sua veneração que receberam aprovação explícita e sem reserva do Concílio”, afirmou.

 

LIVRO

No lançamento do livro, que aconteceu na Livraria da Vila, do Shopping Higienópolis, Wilma recebeu amigos, parentes e pessoas que estão diretamente ligadas à arte sacra no Brasil, religiosos e estudantes de Arte, de Liturgia e de outras áreas. “O livro se destina a todas as pessoas que se interessam por História, Religião, Arte e pelo belo, sem distinção. Historiadores, historiadores da arte, artistas, clé- rigos, teólogos, seminaristas, cientistas da religião, restauradores”, confirmou Wilma, que disse ter ficado felicíssima pela grande adesão ao livro, que, em menos de um mês, já vendeu mais de 700 exemplares.

A Doutora em Ciências da Religião fez, na obra, um resgate, no qual contou a história da imagem na Igreja desde a arte paleocristã, isto é, os três primeiros séculos da cristandade até a contemporaneidade no contexto brasileiro, na arte do artista sacro Cláudio Pastro (1948- 2016). “Portanto, passa pela História da Igreja; pelos Concílios; pelo iconoclasmo (movimento que destruía imagens por ser contrário a elas); pela Teologia da imagem; especifica a diferença entre arte sacra e arte religiosa e tudo o mais que se refere à Arte no Cristianismo”, continuou Wilma.

Foi o próprio Cláudio Pastro que incentivou Wilma a publicar o livro e o apresentou à Editora. “Durante todo o processo de escrita, nos encontramos diversas vezes e, a cada entrevista que eu fazia, Cláudio citava obras que eu já tinha lido e isso nos tornava ainda mais próximos no que se refere à Arte. Além disso, eu checava todas as referências que ele fazia e, com isso, fui elaborando um material riquíssimo que traz as inspirações de Pastro e as suas referências artísticas e espirituais”, contou. Quando, porém, o livro estava em fase de edição, Wilma viu a saúde de Pastro se agravar, até o falecimento do artista, em outubro de 2016.

Na apresentação do livro, Padre Valeriano dos Santos, Doutor em Liturgia e Professor na Faculdade de Teologia da PUC-SP, cita a obra como substanciosa e salienta que “o Pantocrator quer representar o mistério, a liturgia, o símbolo. Por isso, a arte sacra é mística e litúrgica, tirando-nos da morte inexorável e colocando-nos na dimensão da alegria da ressurreição”.

 

CLÁUDIO PASTRO

Com Cláudio Pastro, Wilma encontrou-se algumas vezes, ocasionalmente, antes de começarem as entrevistas para a tese de doutorado. “Cláudio era muito exigente, mas, ao mesmo tempo, ficava maravilhado quando percebia que alguém buscava a mesma compreensão da arte que ele. Lembro-me da sua expressão quando eu disse que conhecia alguns livros que para ele eram referência, por exemplo”, disse Wilma, que é casada e tem dois filhos e dois netos.

Quando foi questionada sobre o Pantocrator na obra de Pastro, ela recordou que a volta do Cristo Pantocrator tem sua base no Concílio Ecumênico Vaticano II. “Há duas intenções que caracterizam o espírito desse Concílio: aggiornamento e ad fontes, ‘retorno às fontes’. Ou seja, uma atualização, uma adaptação da verdade revelada imutável da fé aos tempos atuais, conforme o significado da palavra italiana aggiornamento. E, consequentemente, uma abertura aos novos desafios que o momento atual traz. Além disso, retornar às fontes é redescobrir as riquezas espirituais, doutrinárias e litúrgicas dos primeiros tempos da Igreja. Dentre os valores e as verdades essenciais para a cristandade, o Concílio evidenciou o papel central da pessoa de Jesus Cristo na História da Salvação. Importante lembrar que no Brasil a imagem de Cristo mais difundida é a do crucificado. Cláudio Pastro entendeu que com o Vaticano II, sem se expressar diretamente à volta do Cristo Pantocrator, a premissa ad fontes o autorizava a colocar nas igrejas essa imagem. Nos anos 80 do século passado, Cláudio causava estranheza ao começar a apresentar o Cristo Pantocrator. Ele se autodenominava um artista pós-Vaticano II.”

Admiradora e amiga de Pastro, Wilma Tommaso vê- se diante da missão de ajudar as pessoas a se encontrarem com Cristo por meio da arte e demonstra isso em seu jeito de ser, na decoração da sua casa, nos símbolos e imagens que escolheu cuidadosamente para seu livro. Para ela, “ainda não surgiu, no Brasil, um artista sacro que supere Cláudio Pastro. Como artista sacro, serviu à liturgia. Sua arte quer preparar o espaço sagrado para a ‘Presença’, para o banquete eucarístico”.

No dia 28 de fevereiro, no Museu de Arte Sacra, haverá outro lançamento de “O Cristo Pantocrator – Da origem às igrejas no Brasil, na obra de Cláudio Pastro”, a partir das 18h.

Ao lado da imagem da “Mãe Negra”, Nossa Senhora Aparecida, uma vela acesa durante toda a entrevista simbolizava a fé que Wilma busca viver. “A beleza salvará o mundo”, escreveu ela na dedicatória do livro, que, além de uma excelente obra acadêmica, é um caminho espiritual a ser traçado por quem acredita no mistério e quer mergulhar nele, com os olhos fixos em Jesus.

Comente

Protomártires do Brasil serão canonizados neste domingo pelo papa Francisco, na Basílica de São Pedro

Por
13 de outubro de 2017

O Arcebispo Metropolitano de Natal, dom Jaime Vieira Rocha, já está em Roma, para a canonização dos Mártires de Cunhaú e Uruaçu, atual território da Arquidiocese de Natal (RN). Na cerimônia deste domingo (15), na Basílica de São Pedro, o papa Francisco vai canonizar os padres Ambrósio Francisco Ferro e André Soveral, o leigo Mateus Moreira e mais 27 companheiros que foram martirizados, no século XVII, por civis e soldados holandeses.

Os protomártires do Brasil foram os primeiros cristãos católicos assassinados em razão de sua fé no país. A canonização dos Mártires de Cunhaú e Uruaçu é o coroamento de um longo processo histórico, religioso e cultural que teve início na década de 1970. Essa canonização é o mais importante fato histórico e religioso das primeiras décadas do século XXI no Rio Grande do Norte.

Segundo a Arquidiocese de Natal, mais de 400 potiguares estão em Roma para participar da celebração no domingo. Além disso, serão realizadas outras duas celebrações em Roma. No sábado (14), serão celebradas as Vésperas Solenes na capela do Pontifício Colégio Pio Brasileiro e no dia 16, no altar da Cátedra de São Pedro, na Basílica Vaticana, será celebrada missa em ação de graças, presidida pelo arcebispo de Brasília e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Cardeal Dom Sérgio da Rocha.

Os padres André de Soveral e Ambrósio Francisco Ferro, Mateus Moreira e 27 companheiros leigos foram beatificados pelo Papa João Paulo II, no dia 5 de março de 2000, na Praça de São Pedro. Agora, serão os primeiros santos mártires do Brasil.

A festa litúrgica dos protomártires do Brasil é celebrada pela Igreja, no dia 3 de outubro, data do martírio, em Uruaçu. Desde 2007, então, o dia 3 de outubro tornou-se feriado, no estado do Rio Grande do Norte.

A Assessora de imprensa da Arquidiocese de Natal (RN), Cacilda Medeiros, está em Roma para acompanhar a cerimônia e traz um relato especial da expectativa para a celebração. Acompanhe as novidades por meio das redes socais da Arquidiocese de Natal.

História

Em 16 de julho de 1645, o padre André de Soveral e outros 70 fiéis foram cruelmente mortos por 200 soldados holandeses e índios potiguares. Os fiéis estavam participando da missa dominical, na Capela de Nossa Senhora das Candeias, no Engenho Cunhaú – no município de Canguaretama (RN).

Em 3 de outubro de 1645, três meses depois, houve o massacre de Uruaçú. Padre Ambrósio Francisco Ferro foi torturado e o camponês Mateus Moreira, morto. Os invasores calvinistas não admitiam a prática da religião católica. No local do massacre foi erguido o ‘Monumento dos Mártires’.

“Esses mártires, para a nossa Igreja e o Brasil, são uma mensagem perene de convicção de vivência da fé, e sobretudo num mundo tão adverso onde a secularização vai grassando todas as instâncias da sociedade sobretudo a vida humana, é um momento em que nós nos voltamos para valores mais altos, é uma mensagem muito eloquente de valores mais altos, valores eternos, o sangue derramado pelo nome de Cristo, pela Igreja e para a glória de Deus, então é uma benção muito grande para todos nós”, declarou o arcebispo de Natal, Dom Jaime Vieira Rocha.

Patrono dos Ministros

Em 2005, durante a 43ª Assembléia Geral dos Bispos do Brasil, realizada em Itaici (SP), os bispos aprovaram o Bem aventurado Mateus Moreira como “Patrono dos Ministros Extraordinários da Comunhão Eucarística”. Em dezembro do mesmo ano, a CNBB comunicou que a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, da Santa Sé, havia aprovado o nome do Beato como patrono dos Ministros.

Comente

Padre Aníbal Lopes integrará a Academia para a Vida

Por
14 de junho de 2017

O Padre Aníbal Gil Lopes, professor de Fisiologia no Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro, foi nomeado na terça-feira, 13, como membro da Pontifícia Academia para a Vida.

O Sacerdote concedeu entrevista ao O SÃO PAULO na edição de 29 de março deste ano, em que falou sobre a vivência de seu ministério no mundo da ciência.

“Entendo que todas as minhas atividades sejam ministeriais, pois de alguma forma revelam a Palavra de Jesus, Senhor de minha vida, e celebram o dom da vida. Desde minha ordenação diaconal, nunca deixei de ter atividade paroquial direta, quase sempre na periferia, com pessoas simples e ricas de sabedoria. Todavia, os caminhos que Deus nos oferece vão além do que conseguimos desejar ou entender. Por meio da universidade, entrei no meio de uma outra periferia, não a da cultura e do conhecimento, mas a da periferia do mundo dos que têm fé religiosa. Tanto o sacerdote como o médico, o professor e o cientista, colocam suas vidas a serviço do outro através da busca e da partilha do saber que acolhe, que mostra o caminho, que permite entrar na intimidade do outro para com ele buscar e encontrar a verdade, o bem, o belo, o sentido da vida. Assim, entendo que seja um e único sacerdócio em Cristo, Senhor da vida e da História”.

Biografia

Nascido em 18 de julho de 1948, em Araraquara (SP), ele se graduou como médico na Universidade de São Paulo, onde obteve o grau de Médico (1973), onde também obteve o título de Doutor em Fisiologia de Órgãos e Sistemas (1976) e Livre Docente na mesma área (1988). Entre 1981 e 1984, realizou o Pós-doutorado na Yale University, CT, USA. Foi Professor Visitante na The Johns Hopkins University, MD, USA, e no Instituto Venezolano de Investigaciones Científicas, Caracas, Venezuela.

Ordenado sacerdote em 1973, Padre Aníbal Lopes iniciou sua carreira acadêmica na Universidade de São Paulo em 1978, onde se tornou Professor Associado em 1988. Entre 1993 e 2014 foi Professor Titular do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Na USP foi Coordenador do Programa de Pós-graduação em Fisiologia e Presidente da Comissão de Pós-graduação do Instituto de Ciências Biomédicas. Na UFRJ foi Diretor do Instituto de Ciências Biomédicas e Pró-reitor de Ensino de Graduação. Atualmente é Professor Titular e Coordenador do Curso de Medicina da UNICASTELO (Campus de Fernandópolis, SP).

Sua contribuição à ciência se reflete no grande número de citações de seus trabalhos na literatura especializada internacional. Até o momento, publicou 95 artigos completos em periódicos especializados; 12 capítulos em livros nacionais e estrangeiros; mais de 200 trabalhos apresentados em anais de congressos científicos nacionais e internacionais.

Membro da Academia Nacional de Medicina, Academia de Ciências Latino Americana, Pontifícia Academia Para a Vida (Vaticano), Academia Brasileira de Ciências, Academia Fides et Ratio, Academia Europeia de Ciências Letras e Artes (Paris), Academia Brasileira de Educação, Academia das Ciências de Lisboa, Academia Brasileira de Medicina de Reabilitação, Academia de Medicina do Estado do Rio de Janeiro e da Academia Brasileira de Medicina Militar.

Sobre a Academia para Vida

Instituída por João Paulo II em 1994, a Pontifícia Academia para a Vida estuda problemas relativos à promoção e defesa do valor da vida humana e da dignidade da pessoa; informa responsáveis da Igreja, instituições científicas e organizações e forma para a cultura da vida, em respeito pelo Magistério da Igreja.

A Academia tem um máximo de 70 membros nomeados pelo Papa com base no profissionalismo e competência dos indicados e sem alguma discriminação religiosa ou nacional.

Atua em constante sintonia com o Dicastério para Leigos, Família e Vida e o atual Presidente é o arcebispo italiano Vincenzo Paglia.

Comente

Um pouco mais sobre a Evolução

Por
28 de mai de 2017

Na coluna da semana passada, escrevemos sobre a Teoria da Evolução e sua compatibilidade com a fé cristã: como desde o Papa Pio XII, na Encíclica Humani Generis, foi deixado em aberto a possibilidade de um cristão aceitar o evolucionismo como uma hipótese científica válida sem ter de abrir mão de sua fé num Deus Criador.

Quase 50 anos depois da publicação desta Encíclica, São João Paulo II, numa mensagem dirigida à Academia Pontifícia de Ciências, em 1993, trata o evolucionismo não como uma mera hipótese, mas como aquilo que é hoje: um consenso científico, bem fundado em descobertas e aprofundamentos de diversas disciplinas, e que constitui a explicação mais provável de como a vida foi se desenvolvendo. E é aqui que encontra-se a pedra de toque para a compreensão da teoria da evolução sob um prisma cristão, pois em ambos pronunciamentos os papas fizeram clara a reserva que recai sobre o evolucionismo: trata-se de uma teoria que explica a origem e desenvolvimento da vida enquanto matéria, mas que é incapaz de explicar o porquê da vida e, mais especificamente, qual o sentido e dignidade da vida humana. Isso seria tarefa e missão da Filosofia e da Teologia.

São João Paulo II concluiu, assim, sua intervenção: “É por virtude da sua alma espiritual que a pessoa na sua totalidade possui tal dignidade, até no seu corpo. Pio XII focava este ponto essencial: se o corpo humano toma a sua existência a partir de matéria viva pré-existente, a alma espiritual é imediatamente criada por Deus”.

E se isso é ponto pacífico para um católico, como expusemos na coluna anterior, diversos outros cristãos têm dificuldade para compreender tal realidade exposta pelos papas. E foi aí que surgiu a teoria do Criacionismo. Ela tem como grande corolário a interpretação literal do livro bíblico do Gênesis, para fundamentar uma teoria científica, o que chega a ser uma deturpação daquilo que o autor sagrado pretendia ao escrever o texto. O antigo astrônomo-chefe do Vaticano, Padre George Coyne, SI, expressa tal atitude com certa apreensão: “na América, o Criacionismo veio a significar uma espécie de interpretação científica, fundamentalista e literal, do livro do Gênesis. A fé judaico-cristã é radicalmente criacionista, mas num sentido totalmente diferente. Ela está enraizada na crença de que tudo depende de Deus, ou melhor, de que tudo é dom Dele!”

Assim, vemos que há dois tipos de Criacionismo: um deles, de fundo, que parte da crença em um Criador, e que dá sentido a toda a existência; e outro, mais superficial, que busca fazer uma espécie de ciência, que parte não da realidade, de fatos observáveis, mas de pressupostos já assumidos. É esse tipo de Criacionismo que é errado, que é contrário à Revelação Cristã.

Nesse sentido, o Criacionismo não passa de uma mera pseudociência, justamente por ignorar o método científico comumente aceito, como apontam diversos relatórios e estudos de prestigiosas instituições, como a National Academy of Science e a Universidade de Illinois, em Chicago, nos Estados Unidos. Em suma, o Criacionismo, como hipótese científica, não passa de uma explicação mitológica revestida de termos acadêmicos.

Para contornar esse problema, os proponentes do Criacionismo elaboraram uma nova teoria, a do Design Inteligente, que busca amalgamar os dois extremos desse cabo de guerra: aceitam algumas partes da teoria da evolução, ao mesmo tempo em que propõe intervenções diretas de Deus na sua criação. O mais famoso livro que explica tal hipótese é “Of Pandas and People” (sobre Pandas e Homens, sem tradução para o português), publicado em 1989, nos Estados Unidos. Ainda que a ideia inicial pareça boa, de juntar o que a ciência descobriu e elaborou sobre a evolução com a concepção cristã de um Criador, o livro (e toda a hipótese do Design Inteligente) revela-se um desastre: ao buscar explicar as lacunas produzidas pelo método científico com uma intervenção divina direta, os proponentes de tal hipótese revelam-se maus cientistas, pois buscam explicações extraordinárias para fatos ordinários, e, ao mesmo tempo, maus conhecedores de Deus, uma vez que pressupõem um Deus incapaz de criar algo com perfeição e, por isso mesmo, deve intervir em sua obra a todo momento para deixá-la mais perfeita.

Sobre isso, a comunidade científica reagiu à criação do Núcleo de Estudos focado no Design Inteligente na Universidade Mackenzie, no início deste mês. Dr. Fábio Raposo do Amaral, professor da Universidade Federal de São Paulo e vice-chefe do Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva, explica que “o design inteligente é uma explicação pseudocientífica para a complexidade de estruturas que encontramos na natureza. A evolução – mudança na frequência das características herdáveis ao longo das gerações – por si só explica o que vemos na natureza, independentemente da complexidade, em todos os seus níveis hierárquicos – desde moléculas a ecossistemas”.

Talvez seja desnecessário reafirmar o quanto a Igreja não endossa tais teorias (pseudo)científicas e que não é necessário crer nelas para ser um bom cristão, mas vale lembrar as palavras do Papa Francisco contrárias às hipóteses científicas criacionistas (sejam elas puras, sejam com a roupagem do Design Inteligente), quando, em mensagem à Pontifícia Academia de Ciências, disse: “Ao lermos no Gênesis o relato da Criação, corremos o risco de imaginar que Deus fosse uma espécie de mágico, e que com sua varinha fosse capaz de fazer tudo. Entretanto, não foi assim que se deu... e assim a criação percorreu por séculos e séculos, milênios e milênios até chegar ao que conhecemos hoje, justamente porque Deus não é um demiurgo ou um mágico, mas, sim, o Criador que dá o ser a todas as coisas [...] A evolução na natureza não se opõe à noção de Criação, justamente porque a Evolução pressupõe a Criação de seres que possam evoluir”.

Comente

“Diante de Vós, não passamos de estrangeiros e peregrinos, como todos os nossos pais” (I Crônicas 15, 29)

Por
27 de março de 2017

As palavras acima,  do Rei Davi traduzem a condição passageira da vida terrestre e o perfil antropológico do homem que espera um mundo que há de vir. De fato, a História nos revela o homem como homo viator, um caminhante sedento de novos horizontes e em busca da felicidade, mas que se depara com conflitos, dissonâncias e enigmas inerentes à vida.

Esta reportagem trata das peregrinações pelo Brasil e pelo mundo, do novo ao velho continente, transpassando séculos e realizando uma viagem no tempo capaz de revelar o caráter itinerante inscrito no DNA cultural da humanidade. O relógio não foi capaz de desbotar os principais anseios, motivações e medos do homem; a busca pelo transcendente não é fruto de uma precária construção social e, portanto, segue desperta, mesmo que em outro ritmo.

O que é peregrinar?

As peregrinações fazem parte de uma tradição milenar, e consistem em realizar, por motivos religiosos, uma caminhada a um lugar sagrado. O destino a ser alcançado é o protagonista da jornada, mas o caminho percorrido assume grande importância, pois, caminhando, o peregrino pode deparar-se consigo mesmo e com Deus, dando passos em direção à conversão pessoal, ao mesmo tempo que encontra adversidades, renúncias e sacrifícios que o caminho pode determinar.

 

A palavra peregrinação vem do latim per agros, “pelos campos”. No entanto, é um fenômeno que precede o idioma romano, pois já em 2000 antes de Cristo documentam-se peregrinações massivas de natureza pagã a lugares sagrados da Babilônia, na região da Mesopotâmia.

O termo também é usado de forma alegórica para expressar a semelhança entre a viagem a um lugar sagrado e a vida humana; o esforço físico para se alcançar o destino é interpretado como metáfora da viagem espiritual do ser humano, marcada por renúncias e sacrifícios.

“Peregrinar é a experiência de saída, de busca, de transcendência. Para o homem com sede do divino, a peregrinação é um encontro de renovação plena e de profunda necessidade de Deus. O ser humano é um viajante por excelência” comentou o Padre Nilton Cesar Boni, que realizou peregrinações na Itália, França, Israel, México e Brasil.

 

Considerando sua dispersão geográfica e cronológica, bem como a repercussão sociocultural e, mais importante ainda, a sua transcendência, a peregrinação é um fenômeno antropológico de alcance universal.

Peregrinação cristã

Segundo o documento publicado em 1998 pela Santa Sé, A Peregrinação no Grande Jubileu do Ano 2000, “Ao longo da história, o cristão pôs-se em caminho para celebrar a sua fé nos lugares que indicam a memória do Senhor ou daqueles que representam momentos importantes da história da Igreja. Aproximou-se dos santuários que honram a Mãe de Deus e daqueles que mantêm vivo o exemplo dos Santos. A sua peregrinação foi processo de conversão, anseio de intimidade com Deus e súplica confiante pelas suas necessidades materiais”.

No Antigo Testamento encontramos comunidades itinerantes, habituadas a realizarem longas caminhadas pelos desertos. É o que se vê, por exemplo, no Livro do Êxodo, no qual é narrado como Moisés liderou os israelitas em sua fuga do Egito, alcançando o Monte Sinai.

“Fazer esta peregrinação ajudou-me a pertencer ao povo bíblico, àquela comunidade itinerante, que caminhava pelos desertos. Assim, pude vivenciar um pouco desta tradição bíblica”. É o que testemunha o Padre Patrick Royet, da Diocese de Grenoble, França, após realizar, por dois meses, o Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha.  O sacerdote francês, ainda cansado depois de caminhar por 60 dias, afirmou que “a Deus não lhe agrada que busquemos apenas o descanso e tranquilidade; Ele nos quer em saída à conversão pessoal e a dos outros”.

Rotas de Peregrinação no Brasil

A exemplo da peregrinação à cidade espanhola de Santiago de Compostela, no Brasil também se desenvolveram rotas nacionais de peregrinação.

Concentradas na região sudeste, são 3 as principais rotas brasileiras:

-Caminho da Fé (São Paulo – Minas Gerais)

Tendo como destino a cidade Aparecida do Norte e, mais especificamente, o Santuário Nacional de Aparecida, recebe uma média de 12 milhões de turistas por ano.

Criado há 13 anos, o Caminho da Fé oferece estrutura àqueles que fazem peregrinação ao maior santuário do Brasil e segundo maior do mundo (atrás apenas da Basílica São Pedro, em Roma). Segundo Camila Bassi Teixeira, 37, gestora executiva do Caminho da Fé, a rota de peregrinos vem fomentando o desenvolvimento econômico da região: “tem um impacto muito positivo e direto da economia local, pois promove o desenvolvimento de uma série de serviços e atividades, como hospedagem, alimentação, transporte e comércio de produtos de aventura”. 

Maria do Carmo Figueiredo Soares, 72, é enfermeira e atriz e realizou a peregrinação até Aparecida do Norte, em 2010 com sua família. Maria destacou o cansaço físico e a percepção de que precisa de pouco para viver. “Chegar, como peregrino, à terra da nossa padroeira e ao santuário é uma grande emoção”, comentou.

Informações: http://www.caminhodafe.com.br

-Caminho do Sol (São Paulo) 

A rota que liga o município de Santana de Parnaíba a Águas de São Pedro, passa por bosques e construções históricas perdidas no meio do mato e canaviais. Grande parte do percurso se dá em estradas de terra, dormindo em casas de moradores da região ou em escolas rurais. O ponto final é a capela que abriga a imagem de São Tiago Apóstolo, doada por peregrinos de Compostela.

Informações: http://www.caminhodosol.org.br/

-Os Passos de Anchieta

Da capital capixaba Vitória até a cidade de Anchieta são 105 km; rota percorrida quinzenalmente por São José de Anchieta, conhecido como “Apóstolo do Brasil”. O destino do trajeto é o Santuário de Anchieta, erguido no final do século XVI pelo padre espanhol e índios tupis.

Informações: http://www.abapa.org.br/passos.php

Comente

'Anjos’ a serviço da vida, juventude e famílias

Por
16 de mai de 2017

“Ser sinal de conversão para os do- entes da alma e caminho de reconciliação com Deus”. Assim a Comunidade Católica Anjos da Vida define seu carisma e missão, tendo nascido na Arquidiocese de São Paulo em 1998, por iniciativa do casal Regy e Vanusa Velasco.

Catequistas na Paróquia Santíssima Trindade, na Região Episcopal Santana, Regy e Vanusa sentiram-se chamados a se dedicar à evangelização junto aos jovens e suas famílias. Com o passar dos anos, o grupo paroquial de jovens cresceu e, em 2007, se tornou uma nova comunidade. Em 19 de setembro de 2015, a Anjos da Vida teve sua regra de vida aprovada canonicamente pelo arcebispo de São Pau- lo, Cardeal Odilo Pedro Scherer

Em saída

Atualmente, a comunidade realiza diversas atividades, como Catequese para as crianças, encontros de oração e evangelização da juventude e das famílias. Não obstante, sua missão não se limita ao âmbito interno da Igreja. Inspirada pela exortação apostólica Evangelii Gaudium, do Papa Francisco, na qual ele propõe uma “Igreja em saída” e uma “cultura do encontro”, a Comunidade desenvolve a Intervenção Católica: trata-se de uma missão itinerante promovida por jovens em locais públicos da cidade, como praças, estações de metrô e terminais de ônibus, por meio de manifestações artísticas, pregações e abordagem pessoal.

 

Famílias

O apostolado da Comunidade Anjos da Vida com as famílias, em especial com os casais, é realizado pelo encontro para casais “Minha família” e o projeto de evangelização “Somos um” (S1). “Minha família” consiste em um encontro de “primeiro anúncio” (querigma) para casais, que aborda, por meio de uma vivência cristã, temas como o amor de Deus na família, o perdão e a reconciliação. O S1, por sua vez, é um projeto formado por diversos grupos de casais - chamados “decúrias” -, que tem como objetivo, por meio de visitas missionárias, acolher novos casais na vida eclesial com momentos de formação e espiritualidade.

Ambas as atividades estão abertas aos casais em segunda união e àqueles que apenas coabitam, ou seja, que não contraíram o sacramento do Matrimônio.

Os fundadores explicam que, a partir do carisma da comunidade e do que convida o Papa Francisco na exortação apostólica Amoris Laetitia, esses casais não podem ser enxergados somente a partir de sua situação irregular. “Pro- curamos, antes de tudo, ver cada um como uma pessoa que, como eu, precisa ser curada. E isso requer acolhimento misericordioso e acompanhamento paciente [...]. As pessoas sentem que tipo de olhar as oferecemos: de conde- nação ou de amor”, disse Vanusa.

A partir dessa proximidade misericordiosa e fraterna, a Comunidade consegue orientar cada casal em sua situação específica e inseri-lo na vida da Igreja. “E não se trata simplesmente de permitir a comunhão eucarística; a Eucaristia é alimento, mas não é porta de entrada, nem mesmo na vida sacramental ordinária, e sim o cume. Na Amoris Laetitia, o Papa indica o caminho: acolher, acompanhar, discernir, integrar”, acrescentou a fundadora.

 

Integrar

O diferencial do trabalho da Comunidade Anjos da Vida é que os casais em situações especiais são acompanha- dos desde o início junto aos demais casais. Os fundadores ressaltam que não existe uma metodologia de evangelização própria para os casais que têm o sacramento e outra para os que não o têm: “Não existe família que não tenha feridas. Cada família que chega a nós é inserida em um processo de cura, per- dão e reconciliação com a sua história, por meio da vida de oração, da comunhão espiritual e do acompanhamento pessoal; e logo elas são inseridas nos trabalhos de missão da Comunidade, o que é muito importante para que se sintam Igreja, de fato. A reconciliação com Deus passa pela reconciliação com a Igreja, o que não se pode reduzir a um ato jurídico, mesmo que este seja importante”, afirmou Vanusa.

Edmilson Bezerra Teixeira, 29, e Tatiane Shizido Leite, 34, estão juntos há nove anos, e têm dois filhos. Eles afirmam que chegaram à Comunidade feridos em sua vivência eclesial. “Sentíamo-nos excluídos de tudo. Pelo fato de eu já ter sido casado na Igreja em minha primeira união, fui impedido de participar dos trabalhos de minha paróquia”, explica Edmilson. Eles conheceram a Comunidade por meio de um dos encontros para oração do Terço, realizados semanalmente. “Fomos acolhidos com muito amor e oração. Chegamos muito machucados pelo que o mundo nos oferecia e hoje estamos passando por um processo de cura dia a dia”. O processo de verificação da nulidade matrimonial da primeira união de Edmilson está avançado. Uma vez declarada nula sua primeira união, ele poderá regularizar na Igreja sua situação com Tatiane. Sobre a participação na Eucaristia, Edmilson afirmou: “Sim, vamos à missa todos os domingos, e temos nosso momento de comunhão espiritual. Entendemos e acolhemos os ensinamentos da Igreja”, relatou.

 

Esperança

Renato Rodrigues Correa, 39, e Elisangela Rodrigues, 39, vivem juntos há 19 anos, têm três filhos, mas não celebraram o sacramento do Matrimônio. Eles conheceram a Anjos da Vida há dois anos por meio do encontro de casais. “Chegamos com muitos problemas em nosso casamento e desajustes em nossa vida pessoal. Não frequentávamos a Igreja e o Renato não tinha religião”, conta Elisangela. A família sofria com o alcoolismo de Renato, vício do qual conseguiu se libertar com apoio da Comunidade.

Por falta de informação sobre sua situação irregular em relação ao sacra- mento, Elisangela conta que comungava sacramentalmente nas missas. Com o auxílio da Comunidade, ela conheceu o ensinamento da Igreja a esse respeito, e compreendeu o que seria o melhor para eles naquele momento. “O Renato logo se interessou em fazer a Catequese para receber os sacramentos. Hoje entendemos o valor da missa para nós. É o nosso encontro pessoal com Deus”.

Renato e Elisangela estão de casa- mento marcado para maio. “A Comunidade foi de extrema importância para essa nossa decisão, pois foi por meio dela que nós viemos a conhecer a Palavra que liberta e que gera vida”, declarou Elisangela.

 

 

Comente

Páginas

Para pesquisar, digite abaixo e tecle enter.