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Espiritualidade

Em tempo de pandemia, fiéis recebem aconselhamento espiritual à distância

Por Fernando Geronazzo
04 de abril de 2020

Prática antiga entre os cristãos, a direção espiritual tem ganhado mais espaço nas plataformas digitais no período de quarentena

Diante do isolamento social causado pela pandemia de COVID-19, além de transmitirem missas e momentos de oração pela internet, os Padres estão se adaptando às plataformas digitais para continuarem atendendo individualmente os seus paroquianos em suas necessidades espirituais.

Seja por aplicativos de mensagens, vídeo-chamadas ou mesmo por telefone, têm aumentado a demanda dos fiéis pela escuta do sacerdote. Alguns desses fiéis já tinham o hábito de recorrer ao ministro para desabafarem ou pedirem um conselho, outros descobriram essa necessidade justamente por estarem confinados em suas casas, angustiados e inseguros pela situação atual.

Com isso, ganha novo destaque a prática da direção ou orientação espiritual, uma da mais antigas e comuns da vida cristã. Contudo surge a questão: é possível aconselhar-se com o sacerdote à distância? Para responder a essa questão, é preciso compreender melhor em que consiste essa prática.

PADRES ESPIRITUAIS

Desde os primeiros séculos, a Igreja sempre recomendou a direção espiritual, como meio de grande eficácia para progredir na vida cristã. Seu fundamento está na vida do próprio Jesus, humilde a obediente aos desígnios do Pai.

De igual modo, os santos, homens e mulheres que seguiram e imitaram a Cristo, sempre buscaram corresponder à vontade de Deus, com o auxílio de mediações humanas nesse caminho de santidade: os chamados pais espirituais.

“Deus dispôs que, de forma ordinária, os homens se salvem com a ajuda de outros homens; e assim, aos que Ele chama a um grau mais alto de santidade lhes proporciona também quem lhes guie até esta meta”, afirmou o Papa Leão XIII, sobre a direção espiritual.

NÃO É TERAPIA

Frei Patrício Sciadini, sacerdote carmelita e escritor de livros de espiritualidade, ressaltou que a função do direção espiritual não é ter alguém para visitar todos os dias e consultar por todos os problemas da vida. “Não é uma função psicológica e nem para fazer terapias. Nada disto, mas para caminhar no Espírito e chegar a ter na vida a estatura plena em Cristo Jesus de que nos fala o apóstolo Paulo. (Cf. Efésios 4,11-13)”, explicou o Frade, autor do livro “Pedagogia da Direção Espiritual”.

Nesse sentido, é tema da direção espiritual a vida cotidiana do fiel, suas dúvidas, preocupações, alegrias e tristeza, porém, sempre em uma perspectiva sobrenatural. Não um mero desabafo, mas a oportunidade de colocar a vida diante da luz de Deus. Por isso, destacam-se na conversa com o diretor, a vida de oração, as práticas de piedade, a vivência das virtudes, o aprofundamento da doutrina, a vivência da sua vocação particular e seu testemunho cristão no ambiente em que vive.

PARA TODOS

O Papa Emérito Bento XVI, em um discurso feito em 2011 aos alunos da Instituto Teresianum de Espiritualidade, em Roma, recomendou que essa não seja uma prática “só daqueles que deveram seguir a Deus de maneira próxima, mas de cada cristão que queira viver com responsabilidade o próprio Batismo”.

 “Trata-se de instaurar aquele mesmo relacionamento pessoal que o Senhor havia com seus discípulos, aquela especial ligação com a qual Ele os conduzia, atrás de si, abraçando a vontade do Pai, abraçando isso é, a cruz”, disse.

Na Exortação Apostólica Patoris Dabo Vobis (1992), São João Paulo II também abortou do tema e pediu que “as crianças, os adolescentes e os jovens sejam convidados a descobrir e a apreciar o dom da direção espiritual, e a solicitá-lo com confiante insistência aos seus educadores na fé”.

NÃO É CONFISSÃO

Outro aspecto que precisa ser esclarecido é que essa prática não pode ser confundida com a Confissão. Embora possam ser tratadas questões íntimas relacionadas à luta do fiel contra o pecado e haja o compromisso da confidencialidade daquele que escuta, a direção espiritual não é um sacramento e nem consiste no perdão dos pecados.

Vale recordar que a Confissão ou Reconciliação é um sacramento e, como tal, possui um rito próprio e um ministro para que seja garantida a sua validade. Consiste na confissão dos pecados ao sacerdote, de forma presencial, para que, então, haja a absolvição sacramental. É comum que o sacerdote dê aconselhamentos ao penitente durante a confissão, mas não pode ser confundida com a direção.

É também por essa razão que a Confissão sacramental não pode ser realizada à distância, mas sempre presencialmente. Recentemente, a Penitenciaria Apostólica publicou orientações a respeito do Sacramento da Reconciliação nesse período de pandemia. Leia aqui.

Muitas pessoas optam pelo mesmo sacerdote como diretor espiritual e confessor. Contudo, permanece a distinção entre ambos o momentos.

QUEM PODE ORIENTAR

Embora a direção espiritual seja uma prática mais exercida por sacerdotes, é possível que uma religiosa consagrada ou um leigo acompanhe espiritualmente uma pessoa. No entanto, é preciso ressaltar a necessidade do devido preparo para tal.

Citando as palavras de São João da Cruz, o Catecismo da Igreja Católica ressalta que “o diretor espiritual deve não somente ser sábio e prudente, mas também experimentado… Se o guia espiritual não tem a experiência da vida espiritual, é incapaz de nela conduzir as almas que Deus chama, e nem sequer as compreenderá” (CIC 2690).

À DISTÂNCIA

A prática da direção espiritual por meios não presenciais não é uma novidade da cultura digital, muito menos da atual pandemia.

Ao longo da história, muitos santos tinham o hábito de se corresponder com seus padres e madres espirituais para tratar de sua vida de fé.

São João de Ávila, famoso místico e pregador espanhol do século XVI, recebia cartas de quase toda a Espanha pedindo-lhe seus conselhos espirituais. Ele definia a direção espiritual como a “arte das artes” de conduzir as almas progressivamente à perfeição cristã.

O místico manteve correspondência com quase todos os santos espanhóis de sua época, como São Pedro de Alcântara, Santo Inácio de Loyola, Santa Teresa de Jesus, São Francisco de Borja e São João de Ribeira.

CARTAS SOBRE A VIDA INTERIOR

As correspondências entre Santa Teresa de Calcutá e seu diretor espiritual, Padre Celeste Van Exem, permitiram conhecer com mais profundidade a vida interior dessa grande santa, especialmente a maneira como ela lutou heroicamente contra a “noite escura” espiritual pela qual passou por muitos anos.

Esses diálogos unidos ao ato de fé e abandono nas mãos de Deus permitiram que Madre Teresa continuasse sua missão e enfrentasse essa aridez espiritual com um sentido sobrenatural, a ponto de escrever ao seu diretor: “Comecei a amar minha escuridão, porque agora acredito que é uma parte muito pequena das trevas e do sofrimento em que Jesus viveu na terra”.

RECOMENDAÇÕES

Com as novas tecnologias, a direção espiritual tornou-se mais acessível, sobretudo em circunstâncias como as atuais. Porém é preciso tomar alguns cuidados básicos para que sejam mantidas a seriedade própria desse momento:

  • Recomenda-se que seja marcado um horário para que haja o devido preparo das duas partes;
  • Mesmo se tratando de uma conversa feita a partir de casa, o cuidado com apresentação e vestimenta deve ser o mesmo de uma conversa presencial, na Igreja.
  • A conversas poder ser por meio de um simples telefonema, vídeochamada (Whatsapp, Facebook Messenger, Instagram Messenger) ou vídeo conferência (Skipe, Google Meeting, Zoom). 
  • Verifique se trata de uma conversa privada e não uma transmissão pública;
  • Recomenda-se que a conexão seja feita por uma conta pessoal numa plataforma digital segura, para que não haja o risco de outra pessoa acessar a conversa;
  • Busque um lugar silencioso e reservado para essa conversa;
  • Recomenda-se que a conversa aconteça em tempo real, não por meio do envio de vídeos ou áudios gravados, para evitar o risco de extravio desses arquivos. Muito menos que toda a conversa seja gravada para consulta posterior.
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