INTERNACIONAL

Cinema

A sedução da sétima arte

Por Nayá Fernandes e Edcarlos Bispo (especial para O São Paulo)
17 de julho de 2017

A arte, o cinema e a literatura, sem sombra de dúvida, são exemplos maravilhosos da engenhosidade, inteligência e sabedoria humana e se constituem expressões mais lindas daquilo que definimos como cultura humana, mas podem também despertar para contra-valores em situação 

Um tema tão delicado como o do suicídio assistido ter sido tratado no cinema é, porém, uma oportunidade para que se discuta a questão, quer da morte em si, quer da necessidade de que se revejam os padrões e as neces- sidades de consumo criadas para dar conta de uma felicidade meramente baseada em valores como o dinheiro, os padrões de beleza estabelecidos, o prazer sem medida e o poder sobre o próprio corpo ou o dos demais. E são esses os padrões formatados nos quais grande parte da humanidade nem sequer se dá conta de que está seguindo, levada pela propaganda de uma vida perfeita e quase imortal.

 

Elisabeth acrescenta que “cada época apresenta uma neurose predominante e atualmente o tédio existencial torna a população tão passiva que nem consegue identificar o que quer. Passa a querer o que os outros fazem, um conformismo, ou faz o que os outros querem que faça, o chamado totalitarismo. A cultura do descarte, que centra o objetivo no consumismo, leva ao fechamento nos próprios interesses, mas não responde à aspiração presente no coração humano. A falta de ideais favorece os impulsos de agressividade, a criminalidade, a indiferença diante do outro, a dependên- cia de drogas e o suicídio, sobretudo entre os jovens universitários. A cultura do descarte leva também a des- cartar os relacionamentos, as pessoas e a si próprio.”

É importante, porém, destacar que a arte, o cinema e a literatura, sem sombra de dúvida, são exemplos maravilhosos da engenhosidade, inteligência e sabedoria humana e se constituem expressões mais lindas daquilo que definimos como cultura humana. “Quem não se encanta, por exemplo, ao ler um dos clássicos da literatura universal como ‘Dom Quixote de la Mancha’, do escritor espanhol Cervantes? Ou, então, quem não se comove diante da ‘Pietá’ de Michelangelo? E no cinema? Hoje, precisamos de educação com visão crítica e espírito de discernimento, porque nem tudo que vemos por aí ajuda a construir uma vida saudável e feliz. Há muitas situações de ilusão, violência, destruição e pornografia, que corrompem com os verdadeiros valores humanos, que constroem um ser humano normal, feliz e cidadão. Aqui, especificamente, estamos dian- te de poderosíssimos instrumentos de marketing em seduzir sentimen- tal e afetivamente a juventude, que vive um momento particularmente sensível e vulnerável frente à vida e em relação com os valores humanos”, alerta Padre Leo Pessini.

Ele explica à reportagem que o fenômeno do turismo do suicídio assistido na Suíça tem aumentado de forma rápida nos últimos anos e preocupa não só o próprio governo suíço, mas vários governos europeus. “Entre 2008 e 2012, 611 não residen- tes suíços, provenientes de 31 países, foram ajudados a abreviar suas vidas. Temos a eutanásia legalizada desde 2002 na Holanda e na Bélgica. O suicídio assistido está legalizado em vários estados dos Estados Unidos da América. O Canadá está num momento de forte discussão política, mas tudo indica que o suicídio assis- tido vai ser aprovado e regulamenta- do pela Suprema Corte.”

Em matéria do site G1, o ator

Zack Weinstein, que ficou tetraplégi- co em 2005, afirma que “a mensagem do filme é que é melhor para essa pes- soa morrer do que precisar de um ser- viço que a ajude a viver”. Na mesma notícia, há ainda a fala do ator Grant Albrecht, que sofre de uma doença que está retirando a sua capacidade de andar. “Romantizar a covardia é real- mente perpetuar um estereótipo por uma questão de abandonar as pessoas reais com deficiência que estão lutan- do para manter sua sanidade e meios de subsistência e não ganham oportu- nidades em Hollywood”. 

Em artigo publicado no blog Re- ginas, do site Sempre família, Ana Clara Lazarini, que escreve para o blog, afirma que alguns grupos que defendem os direitos das pessoas com deficiência se movimentaram em di- versos países para protestar contra a obra, que mostra a ideia de que não é possível um deficiente ter uma vida digna e feliz, que morrer seria um ato de amor e “pouparia” os amigos e familiares. Citam-se, como exemplo, o grupo “Not Dead Yet”, “Euthanasia Prevention Coalition” e “Center for Disability Rights”.

Ela conta no artigo que Dan Harvey, um jovem que possui uma deficiência muito parecida com a de Will Traynor, criou um canal no YouTube para mostrar sua indignação com o sucesso do filme. No vídeo, diz que o filme reforça o estereótipo da pes- soa com deficiência física, que é contrário da realidade, como se a vida fosse negativa e melancólica, e que acabar com ela seria um ato de coragem. Outro problema relacionado à produção hollywoodiana é a falta de representatividade dos atores com deficiência. As grandes empresas cinematográficas optam por atores que não têm deficiência para fazerem papeis de personagens que têm.

Enquanto “Como eu era antes de você” quer mostrar uma vida que só vale a pena ser vivida se estiver dentro dos padrões pré-estabeleci- dos por uma parcela aparentemente bem sucedida da sociedade, outros filmes, e só para citar um “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”, ajudam a perceber o quanto pequenos momentos podem fazer a diferença, mesmo que seja quebrar a camada de creme em um potinho de doce. E, cada pessoa, nas diferen- tes culturas, idades e momentos his- tóricos, tem a tarefa de redescobrir esses momentos. Para alguns, é o aconchego de um almoço em famí- lia no domingo; para outros, ouvir a voz do amigo distante no telefone ou ainda viver um instante de espiritualidade enquanto se contempla as folhas das árvores caírem ao sol. 

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