INTERNACIONAL

Dom Luís Fernando Lisboa

‘A Igreja na África não é do futuro, é já do presente’

Por Cleide Barbosa
16 de outubro de 2019

Dom Luís Fernando fala dos desafios e das esperanças da Igreja em Moçambique
 

Foram mais de oito anos de missão em Moçambique, no continente africano, até que, em 2013, Dom Luís Fernando Lisboa fosse nomeado pelo Papa Francisco como Bispo da Diocese de Pemba, no norte do país africano.


Na última semana, o Bispo brasileiro recebeu em Pemba a visita missionária do Arcebispo Metropolitano de São Paulo, Cardeal Odilo Pedro Scherer, acompanhado de uma comitiva do Regional Sul 1 da CNBB. O País já aguarda a chegada do Papa Francisco, que, na primeira etapa de sua 31ª viagem apostólica, visitará Moçambique entre os dias 4 e 6 de setembro, antes de ir a Madagascar e Maurício, também no continente africano. Em terras moçambicanas, o Pontífice ficará na Capital, Maputo, onde estão previstos os encontros com as autoridades, os jovens e membros da Igreja local. 
Em entrevista ao jornal O SÃO PAULO e à rádio 9 de Julho, Dom Luís Fernando fala dos desafios e das esperanças da Igreja em Moçambique. Leia a íntegra a seguir.

O SÃO PAULO - O senhor pode dar uma dimensão sobre a presença da Igreja Católica em Moçambique?


Dom Luís Fernando Lisboa – A Igreja Católica é muito presente em Moçambique. Estamos em todas as 11 províncias (estados) que correspondem praticamente a uma diocese, com exceção de duas províncias, em que há duas dioceses. A Diocese de Pemba abrange toda a Província de Cabo Delgado. A presença da Igreja é forte, principalmente na área da educação, na assistência social e na evangelização, que é o principal papel e trabalho da Igreja. Nós acreditamos que 30% dos moçambicanos sejam católicos, mas a Igreja tem crescido nos últimos anos, não só em Moçambique, mas na África em geral, como um todo. 

 

Como se dá o diálogo e a convivência entre as religiões numa sociedade tão diversificada?  
Em Moçambique, há uma boa convivência entre as religiões, um bom relacionamento entre católicos, muçulmanos e evangélicos. A Igreja Católica, sobretudo, faz esse trabalho de aproximação das outras religiões na base: nos bairros e nas aldeias. Esse relacionamento também acontece entre os encarregados das mesquitas, entre os padres e religiosos. Há um fenômeno interessante: os bispos frequentam as comunidades, algumas mais no interior, para crismar ou para uma visita pastoral, e nessas celebrações sempre estão presentes as autoridades muçulmanas das aldeias. Eles ficam com respeito, participam da missa, depois alguns são convidados para almoçar junto com o Bispo. Há um relacionamento muito respeitoso entre as religiões.  

 

Quais são os impactos efetivos de projetos missionários como o do Regional Sul 1 na Diocese de Pemba?
O trabalho dos missionários e missionárias é fundamental. Nós temos neste momento a presença de vários missionários e missionárias de diferentes regiões do mundo e de várias nacionalidades. Há uma música que diz: “uma comunidade onde há um padre é mais feliz”. Eu ampliaria o ditado dizendo que numa comunidade em que há um missionário ou uma missionária, o povo é mais feliz, porque tem ali a presença de Deus, e o povo pede isso. O Regional Sul 1, que abrange todas as dioceses do Estado de São Paulo, assumiu aqui na Diocese três paróquias. Isso já é uma ajuda muito significativa e importante. Nesse momento, são nove os missionários enviados pelo Regional, e agora chegou mais um casal. Além de estar em três paróquias, eles estão também em uma nova paróquia que estamos abrindo em Mazeze, no Distrito de Chiúre, em Nangade – onde está a Fraternidade O Caminho – e estão na Paróquia de Metoro, que fica no centro da Diocese, onde está o Centro de Formação. Além disso, há um jovem missionário na Missão de Mangololo. Na própria sede da Diocese, temos uma missionária da Diocese de Guarulhos (SP), uma senhora viúva que atua como governanta da Casa do Bispo, porque essa casa é um lugar de acolhida de todos os missionários quando vêm à cidade. O Regional Sul 1 tem feito uma grande diferença na nossa Diocese com esse apoio, com essa parceria que realizamos.  

A violência também é um desafio aos missionários que renovam cotidianamente seu sim à missão?  
A nossa Província tem sofrido muito com os ataques de homens armados. Isso começou em outubro de 2017. São ataques a postos policiais e aldeias, que matam pessoas, queimando casas. Temos milhares de pessoas deslocadas dentro da Província que fugiram ou que tiveram suas casas queimadas por causa da violência dentro de suas aldeias. Nosso povo tem sofrido muito com essa violência, que não é generalizada em toda a Província, mas em cinco distritos, onde os missionários também estão presentes, passando por dificuldades, vivendo essa insegurança, o medo junto com o povo. A presença dos missionários é importante para ser esse alívio e ponto de apoio para o nosso povo. 

 

Qual a expectativa pela visita a ser feita pelo Papa Francisco? 
A presença do Papa Francisco no início de setembro, em Maputo, Capital de Moçambique, tem motivado todo o País, todo o povo moçambicano, não só os católicos, como uma presença de paz. Foi assinado recentemente um acordo de paz entre o governo e o principal líder da oposição. Assim, agora, nós esperamos a reconciliação, já que as forças antagônicas usavam de violência. Temos muita esperança nessa paz. Que haja também paz na nossa Província, que é um outro caso de ataques por homens armados. Nós esperamos que a palavra do Papa venha trazer mais esperança. Esse é justamente o tema da visita do Pontífice: “Esperança, paz e reconciliação”. Da Diocese de Pemba, nós vamos em caravana com mais de cem pessoas para acolher o Papa e participar de alguns encontros. Será um momento de comunhão com toda a Igreja, e a palavra de Pedro, como Papa, daquele que reúne os irmãos na fé e cuida do rebanho, é muito importante. 

 

O continente africano tem sido visto como território de missão, mas, por outro lado, o que tem a ensinar à Igreja que ainda não é tão difundido?  
O continente africano é terra de missão, temos muitas necessidades. Mas é verdade, também, que nos últimos anos o catolicismo na África tem crescido muito. Aliás, Ásia e África são os continentes onde mais cresce o catolicismo. A África já começa a enviar missionários. Na própria Europa, já são muitas as paróquias assumidas pelos africanos.  Várias congregações religiosas por causa da presença massiva de africanos já têm seus superiores gerais africanos. Então, a Igreja na África já está contribuindo muito com a Igreja. Não é uma Igreja do futuro, é uma Igreja já do presente. O apelo da missão, do Papa Francisco, de sermos uma “Igreja em saída”, missionária, tem surtido um efeito muito forte na nossa Igreja africana. Aqui mesmo na nossa Diocese, nós instituímos o Ano Missionário, e temos a intenção de enviar missionários. Eu sonho, num futuro bem próximo, talvez já no próximo ano, quando poderemos enviar algum leigo em missão, numa missão ad gentes para colaborar com outras igrejas: dar e receber. A missão não é tarefa de alguns nem privilégio para alguns. A missão é algo que caracteriza o cristão. Todo cristão, para ser cristão verdadeiro, se quer honrar o seu Batismo, é missionário de alguma forma. Que cada um possa assumir na sua comunidade, na medida das suas potencialidades, a sua missão. Que Deus abençoe a todos.

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