Suprema Corte reverte lei e autoriza suicídio assistido

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06 de março de 2020

O principal tribunal da Alemanha declarou inconstitucional uma lei de 2015 que proibia o suicídio assistido realizado por médicos. Na prática, a decisão do Tribunal Constitucional Federal do país, em 26 de fevereiro, impede a aplicação de punições para a assistência ao suicídio. 
O parágrafo 217 do Código Penal alemão proibia profissionais de saúde de ajudar pacientes a cometer suicídio. Na época de sua aprovação, há cerca de cinco anos, membros do Parlamento (Bundestag) afirmaram que o objetivo era evitar que associações e indivíduos fizessem “negócios com a morte”, ou seja, cobrassem para facilitar o suicídio de pessoas com doenças sem cura.
A pena para essa prática era de três anos de prisão ou multa, dependendo da gravidade e participação do profissional de saúde. Desde então, os médicos alemães passaram a ser mais cautelosos quanto a dar conselhos que pudessem ajudar os pacientes a tirar a própria vida, como “jejuar até a morte”, por exemplo.
A Suprema Corte do país, entretanto, decidiu que essa lei é inconstitucional, autorizando os médicos a darem informações aos pacientes sobre como provocar a própria morte e até mesmo receitar algum medicamento que possa ser usado para o suicídio.
Tanto as Igrejas protestantes quanto a Igreja Católica se manifestaram duramente contrárias à decisão na Alemanha. Elas defendem a medicina paliativa como prática mais humana, o que envolve, por exemplo, auxiliar os pacientes a sentirem menos dor quando não houver cura viável para uma doença, ou a aplicação de sedativos para terem uma morte natural mais tranquila.
A eutanásia, que é a morte provocada pelos médicos, continua sendo proibida na Alemanha, com pena de até cinco anos de prisão. O tema é especialmente delicado no país, por causa das práticas do regime nazista, que eliminou arbitrariamente cerca de 300 mil pessoas com doenças mentais e deficiências físicas.
 

Fontes: Deutsche Welle, BBC e The Guardian

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E você, escolheria viver?

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21 de julho de 2017

Celso Zoppi tinha 23 anos, era um jovem professor de Biologia na cida- de de Americana (SP) e estava em um dia de folga quando um acidente de carro mudou para sempre sua vida. Levado para um hospital público de Campinas (SP), Celso não tinha ideia do que exatamente estava acontecendo com ele e imaginava que logo voltaria a Belo Horizonte (MG), cidade onde estava fazendo uma pós-graduação e morava sua namorada.

Mas, com o passar dos dias, ele percebeu que não seria tão simples assim. Celso sofreu uma lesão na coluna cervical e perdeu, na ocasião, os movimentos dos braços e das pernas. O tempo foi passando e ele conseguiu melhoras significativas, não sem crises, momentos de solidão e muito choro. “Eu tinha uma grande força de vida e não sabia o que iria acontecer comigo, isso me ajudou a continuar lutando. Além disso, o auxílio da minha família foi fundamental”, recorda Celso, que hoje está no seu quinto mandato como vereador em Americana.

A história de Celso não é conhecida por milhares de pessoas. Não virou livro, nem filme, não foi sucesso nas bilheterias por dias seguidos e comentada nas redes sociais por jovens ávidos por um novo romance. A de Will e Lou sim. O filme romântico inspirado no best-seller, “Como eu era antes de você”, de 2012, uma obra da britânica Jojo Moyes, estreou dia 16 de junho no Brasil e traz a história dos “amantes desafortunados”.

A jovem Louisa Clark, 26, ao dirigir-se a uma agência de empregos, consegue o cargo de cuidadora de Will Traynor, 35, um jovem milionário que foi atropelado por uma moto e ficou tetraplégico. Segundo a mãe de Will, a moça teria a função de ser amiga dele, de animá-lo um pouco. Ao iniciar o novo emprego, ela nota que Will faz questão de demonstrar sua visão extremamente pessimista sobre a vida, relembrando melancolicamente seus momentos “gloriosos” antes do acidente. Ele era excelente esportista, bem sucedido no trabalho, namorava mulheres bonitas e viajava a inúmeros lugares.

Um dia, a protagonista percebe que seu trabalho seria mais difícil do que imaginava, ao descobrir que Will havia decidido – contra a vontade dos pais – terminar sua vida por meio do suicídio assistido na Suíça. Quando Louisa descobre, ela faz de tudo para que ele mude de ideia e perceba o quanto vale a pena viver.

Com o tempo, eles se apaixonam, o que a deixa confiante de que ele agora teria um novo motivo para lutar pela vida. O clímax acontece depois que eles se beijam e ele revela que irá cometer suicídio assistido. Ela diz que já sabia e que mesmo assim queria passar o resto de sua vida com ele, pois poderiam ser muito felizes juntos. Will, por outro lado, afirma que a cadeira era a única coisa que o definia, que essa não era a vida que queria e, mesmo se fosse com o amor de sua vida, ele preferia morrer a continuar naquele estado.

Louisa, apesar de chamá-lo de egoísta e insensível, o acompanha à Suíça quando percebe que nada faria que mudasse de ideia. No fim do filme, a protagonista lê uma carta escrita por ele, na qual comunica que deixou uma fortuna de herança para que ela “viva”, que sinta a liberdade de deixar a casa dos pais e ser “alguém”. Assim, o enredo termina com a mensagem de que Will teve um ato heroico, foi corajoso e ainda propiciou um ótimo futuro a Louisa.

 

Quando se perde o sentido

O tema do suicídio assistido está dentro do leque da Bioética, que apro- funda questões de início e fim da vida. Para refletir sobre esses temas e tentar ir além do drama romântico abordado no filme, O SÃO PAULO conversou com Padre Leo Pessini, doutor em Teologia Moral, autor de inúmeras obras no âmbito da Bioética e Teologia Moral, e atualmente superior-geral dos Camilianos; com Dalton Luiz de Paula Ramos, doutor em Odontologia e membro titular da Comissão Nacio- nal de Ética em Pesquisa e da Pontifícia Academia Pró-Vita; e com a médica especialista em Ginecologia e Obstetrícia e especialização em Logoterapia e Análise Existencial, Elizabeth Kipman Cerqueira. A Logoterapia é uma terapia baseada na definição integral da pessoa humana, em todas suas dimensões, centrada na busca pelo sentido.

“Pela complexidade das questões éticas envolvidas nesta área de final de vida, penso que seja importante definirmos eticamente o que se entende por suicídio assistido, ou ‘suicídio medicamente assistido’ e eutanásia. Em ambos os casos, estamos sempre diante de uma condição de vida de dependência crescente e perda das funções vitais, devido a um acidente, no caso do filme, ou diante da realidade do avanço de uma doença crônico-degenerativa, como Alzheimer ou Parkinson. Ou ainda frente a uma situação de dor e sofrimento qualificada como insuportável”, afirma o Padre Leo Pessini.

Ele explicou ainda que, nesses casos, existe a resolução pessoal inflexível: a convicção profunda da pessoa de não querer mais viver nessa condição e alguém que age no sentido de atender à solicitação dessa pessoa. “Agindo sem o consentimento, estaríamos praticando um homicídio. Agindo atendendo a um pedido, fornecendo os instrumentos e ou medicamentos, ‘assistindo a pessoa’ para pôr fim a vida, mas o ato final sendo sempre da pessoa, estamos diante do suicídio assistido. No caso de se desligar o respirador, estando a pessoa numa UTI, ou dar uma dose fatal de barbitúrico; ou ainda interrompendo a alimentação, estamos diante da prática da eutanásia.”

Dalton lembra que a eutanásia corresponde a um esforço humano de apoderar-se da própria morte, no sentido de provocar essa morte antes do tempo, como definiu São Joao Paulo II na Encíclica Evangelium vitae, de 25 de março de 1995. “A eutanásia pode ser entendida como uma ação ou omissão, isto é, quando se faz uma coisa ativamente ou se deixa de fazer para provocar a morte. O suicídio assistido se coloca vinculado a esse conceito e é um tema muito complexo, porque sabemos que, em muitos casos, existe um forte componente psicológico. Portanto, não pode ser tratado de forma superficial. Porém, o suicídio contradiz a própria inclinação natural da pessoa de preservar a vida.”

Segundo Elisabeth, “o fator predominante do suicídio não é uma doença ou a dor física, mas é a solidão, o sentimento de inutilidade e a falta de objetivos. O que se acentua é uma grande frustração existencial provocada pelo vazio de não encontrar resposta para o sentido da vida, que pode levar ao quadro de neurose noogênica, uma patologia própria dos tempos atuais que promove apenas a chamada qualidade de vida e não, propriamente, o seu valor”, comentou.

 

Essa vida não é minha

Quando a namorada de Celso, que sofreu o acidente de carro em Americana, foi visitá-lo, pois ela morava em Belo Horizonte, ele logo disse que os dois precisavam terminar. “Eu não queria que ela sentisse pena de mim, de jeito nenhum. Aliás, eu achava que todos ao meu redor tinham esse sentimento, de pena. Aos poucos, porém, fui percebendo que não era bem assim”. Celso não pôde continuar trabalhando como professor e teve que interromper o curso, mas dois anos após o fato, ele já era o responsável por uma loja, comprada pelos irmãos, na cidade onde eles nasceram.

Em “Como eu era antes de você”, Will não quis voltar ao trabalho. Ao que tudo indica, ele até poderia fazê-lo, mas como não conseguiria voltar ao que era antes, achou melhor nem tentar. Padre Leo salienta que a questão ética do final de vida é apresentada de uma forma muito rápida e superficial e em meio a um melodrama que real- mente seduz e capta a atenção e interesse do público. “O protagonista foi atropelado por uma moto ao atravessar uma rua e ficou paraplégico. Will é inteligente, rico, mal-humorado e dogmático em se definir pelo passado ‘Como eu era antes’ ... ou ‘Eu sou o que era’. ‘Eu não sou essa pessoa de hoje, dependente de cuidados, de tra- tamentos’. Filho de uma família rica, se mantém inflexível na sua decisão de não continuar a viver nessa condição marcada por limitações. Passa a ideia de que a vida vale a pena vivê-la somente quando se tem saúde, prestígio, riqueza, poder, viagens e prazeres... Lembro o famoso cientista, físico, Stepehn Hawking, com seu corpo todo deformado, ligado a uma infinidade de fios e computadores, continuando a viver e a escrever, quando diz que encerrar a própria vida seria um grande erro. Sempre é possível triunfar”.

“A gente acaba até torcendo” – continua o Padre – “que com a chegada da cuidadora, Lou, de família humilde, ex-garçonete, pela qual ele se apaixona, possa mudar de ideia, e querer viver mais e valorizar a vida, mesmo com os limites angustiantes, por um grande amor! O problema é que Lou descobre que Will não só é um poten- cial suicida como deu um prazo de 6 meses de vida para os seus pais se des- pedirem dele e se acostumarem com a ideia de não tê-lo por perto para depois, finalmente, se suicidar na clínica Dignitas, na Suíça. Até o nome da clínica nos seduz e induz aos incautos. Ao passar a ideia e imagem de que se trata de algo a ser realizado com dig- nidade!”, diz Padre Leo.

A decisão de Will, personagem do filme em questão, não é uma situação longe da realidade em si. Elisabeth mostra em números que essa perda de perspectiva não depende da pobreza ou de limites do bem estar. “Conforme estatísticas apresentadas nos livros de Logoterapia, em diferentes países, como nos Estados Unidos da América, Alemanha ou África, em torno de 20% das análises de testes aplicados revelam sintomas de neurose noogênica que procede da falta de sentido existencial, sobretudo entre os jovens. Entre os estudantes universitários norte-america- nos que tentaram suicídio, em Idaho, a pesquisa indicou que 85% deles não conseguiam ver nenhum sentido em suas vidas, apesar de que 93% não apresentavam doença ou problemas econômicos e tinham vida socialmente ativa. A vontade de sentido se comprova como uma necessidade especificamente humana seja diante dos acontecimentos diários, seja na busca do significado final da vida ou, principalmente, quando a pessoa é atingida por um sofrimento inevitável.”

 

Responsabilidade coletiva

No Brasil e na maioria dos demais países do mundo, o suicídio assistido continua sendo uma prática ilegal. Mas, como foi dito anteriormente, não se trata de uma situação em que cabem julgamentos simplistas e desprovidos de um olhar mais profundo. Toda a sociedade é, em certa medida, responsável pela morte de alguém que não se sente mais membro da comunidade humana como um sujeito livre e construtor da própria felicidade.

“Porque umapessoa entra em desespero? Porque se sente abandonada, se sente sozinha. O que ajuda a enfrentar esses momentos é justamente vencer o abandono com a companhia a comunhão”, afirma Dalton. E ele insiste que não se deve culpar as pessoas que pedem o suicídio assistido ou a eutanásia. “Devemos oferecer condições para que possam se sentir amparadas e superar a situação de desespero e abandono.” Padre Leo destaca que “é muito curioso que no filme não existe nenhuma proposta de ressignificação da vida nesta nova circunstância em que Will se encontra. Qualquer aceno é simplesmente ridicularizado com mau-humor, seja este feito da parte dos pais ou até mesmo da sua ‘namorada cuidadora’. Ouço com muita frequência no âmbito da saúde, trabalhando nesta área há mais de 30 anos, as pessoas, quando em situações críticas, dizerem: ‘Se for para ficar dependendo dos outros e sofrendo, então que Deus me leve!’ Precisar da ajuda de alguém se tornou algo feio e indigno! Isso é um terrível engano, pois nega nossa condição humana, de que somos frágeis e vulneráveis e de que basicamente necessitamos uns dos outros. Aqui entra o valor e a necessidade da solidariedade, compaixão e misericórdia. A indiferença e o silêncio como resposta não ajudam em nada.”

Nem sempre é fácil reencontrar esse sentido para a vida. Celso, que estava no início de uma carreira acadêmica, teve sorte, pois, pouco mais de um ano depois do acidente, conheceu a Fraternidade das Pessoas com Deficiência (FCD). “Lembro-me que uma das frases que me tocou naquele primeiro encontro que participei foi a de que uma pessoa não deve aceitar a deficiência que tem, mas assumi-la, e não buscar ser protegido pela socieda- de, mas ter nela os mesmos direitos de qualquer outro cidadão.” A primeira vez que saiu com cadeira de rodas no quarteirão onde morava, empurrado por uma irmã mais velha, Celso pensou que os olhares seriam de pena. “Foi uma surpresa para mim quando vi que as pessoas vibravam e me davam força para continuar. Então, logo depois, essa mesma irmã me levou ao cinema e as reações foram parecidas. Com o tempo, fui percebendo que era possível ter uma vida bonita, mesmo com amobilidade muito reduzida”, diz Celso.

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