‘Irmã Dulce – A santa brasileira que fez dos pobres sua vida’

Por
15 de novembro de 2019

Uma vida inteira, ao longo de 77 anos, dedicada totalmente aos pobres, fruto da santidade abnegada que exalava de seu interior. A Igreja reconheceu oficialmente aquilo que os baianos que a encontravam nas ruas sempre souberam: Maria Rita nascera com uma missão, com o chamado para se tornar Irmã Dulce. Sua caminhada de fé, sua simplicidade, seu exemplo e seu legado, no entanto, a elevariam a patamares superiores: Irmã Dulce deu lugar a Santa Dulce dos Pobres e agora pode ser venerada nos altares de todo o mundo.   
A fim de refazer esse percurso de vida que fascina e emociona, a jornalista e escritora Karla Maria apresenta sua obra mais recente: “Irmã Dulce – A santa brasileira que fez dos pobres sua vida”.
Permeado de detalhes até então escondidos, que revelam a intimidade de uma história viva e que ainda pulsa no coração do povo baiano, o livro apresenta uma narrativa literária de fluidez agradável, cujo objetivo é eternizar a história de Irmã Dulce. 
Sua vida, seus passos e milagres são reconstruídos a partir de registros históricos, de um trabalho de apuração e de escuta atenta das testemunhas vivas que conviveram com a freira que dedicou sua vida a amar e servir. Como poucos e à frente de seu tempo, Irmã Dulce denunciou a miséria baiana com seu trabalho silencioso. Seus gestos “gritavam”. 
Com uma tenacidade inversamente proporcional à sua estatura física, a religiosa de Salvador, que jamais se envolvera com qualquer pessoa da esfera política – nem se deixara influenciar por qualquer uma delas –, afirmava que “seu partido era o povo”. Ainda assim, não deixou de articular, em favor dos pobres e necessitados, suas influências religiosa e política na aplicação de iniciativas que se tornaram políticas públicas e que ainda hoje asseguram direitos aos cidadãos, sobretudo na esfera do atendimento médico e do cuidado social. As páginas deste livro testemunham isso e mostram porque sua vida foi uma oblação aos pobres e porque estes se tornaram a razão de seu viver.
Destinada a resgatar uma sociedade que praticamente perdera o sentido do que significa ser “humanizada”, a filha de Augusto e Dulce, Mariinha – como era carinhosamente conhecida – aquela que se ajoelhava também para limpar o chão dos desvalidos, tornou-se a “mãe” dos pobres, o “Anjo bom da Bahia”, a Santa do Brasil.
FICHA TÉCNICA
Autora: Karla Maria
Páginas: 136
Editora: Paulus

Comente

Povo brasileiro protagoniza a festa com Dulce, a Santa dos Pobres

Por
24 de outubro de 2019

Um dia ensolarado e de céu azul coroou a festa preparada pela Arquidiocese de Salvador para celebrar a agora Santa Dulce dos Pobres. Um público de quase 53 mil pessoas se reuniu no domingo, 20, na Arena Fonte Nova, na capital baiana, para a primeira missa oficial em solo brasileiro em honra à mais nova Santa.
A homenagem teve quase cinco horas de duração e contou com shows musicais, danças, encenações, procissões e a missa de encerramento, presidida por Dom Murilo Krieger, Arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil. 
Um total de 30 arcebispos e bispos concelebrou a missa, entre eles o Cardeal Orani Tempesta, Arcebispo do Rio de Janeiro, e Dom Joel Portella Amado, Secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Também foram concelebrantes 620 padres, e participaram inúmeros diáconos, seminaristas e vocacionados de dioceses de todo o Brasil. 
Entre os que concelebraram estava o Padre Bernard de Villanfray, 63, francês da Diocese de Marseille, há 16 anos no Brasil. Durante seis deles, esteve à frente de uma paróquia em Alagados, Salvador, e hoje é responsável pelo Foyer de Charité, uma casa de retiros em Mendes, no Rio de Janeiro. 
“Santa Dulce dos Pobres é a santa das ruas, é aquela que se mistura ao povo, que o conhece, entende suas necessidades e se dispõe a ajudá-lo por meio da caridade concreta. Somente os brasileiros são capazes de fazer uma festa tão linda”, afirmou.

PROGRAMAÇÃO
Um vídeo que retrata os fatos mais importantes acerca da biografia de Irmã Dulce deu início à homenagem. Em seguida, houve as apresentações das bandas católicas Missão Paráclito, Divina Face, Ministério Ignes e Recomeçar e da cantora Patrícia Ribeiro.
“Império do Amor”, espetáculo a respeito da vida e obra de Santa Dulce dos Pobres, veio a seguir e emocionou o público. Encenado por mais de 600 crianças e colaboradores das Obras Sociais Irmã Dulce (OSID), trouxe ainda ao palco o Padre Antônio Maria, além dos artistas Saulo e Tuca Fernandes e dos cantores Margareth Menezes e Waldonys. 

EMOÇÃO
As procissões que aconteceram em seguida foram um símbolo da emoção que tomou conta do público. A primeira delas foi com a relíquia de Irmã Dulce, conduzida por José Maurício Bragança Moreira, o miraculado com o segundo milagre, responsável por elevá-la definitivamente aos altares. As demais procissões trouxeram as imagens de Santo Antônio, santo de devoção de Irmã Dulce, a de Nossa Senhora da Conceição da Praia, padroeira da Bahia, e a do Senhor Bom Jesus do Bonfim, muito popular entre o povo baiano. 
José Maurício, 50, é músico e maestro, casado e natural de Salvador, embora hoje more em Recife (PE). Cego por 14 anos, ele recuperou a visão em 2014 após colocar uma imagem de Irmã Dulce sobre os olhos e suplicar para que cessassem as dores que sentia. No dia seguinte, foi progressivamente voltando a enxergar e os médicos não encontraram explicação para a cura. 
“O sentimento é de que é uma grande honra ter sido instrumento e também sentimento de gratidão. É uma honra divina, uma honra que eu quero levar ao céu e entregar a Santa Dulce. Eu sou muito grato a ela pelo que fez comigo. Voltar a enxergar depois de 14 anos é algo que eu não sei nem mensurar, nem dizer a alegria que eu sinto em palavras. É uma emoção fora do comum. Nunca vivi uma emoção tão grande como a que estou vivendo agora. O coração palpita dentro do peito, as pernas tremem”, disse.
Além do miraculado José Maurício, a outra agraciada com um milagre de Santa Dulce, Cláudia Araújo, 50, participou do cortejo ao lado do filho Gabriel, 18, que estava bastante emocionado. Ela sofreu uma hemorragia durante o parto dele e, mesmo após 18 horas e três cirurgias, nada conseguia conter o sangramento. Contudo, sem nenhuma intervenção médica e após pedir a intercessão de Irmã Dulce, a hemorragia subitamente parou e a paciente se recuperou. 

TESTEMUNHO
Cada fiel presente na Arena Fonte Nova tem a sua história de fé com a nova Santa. Gilneide Costa, 35, relações-públicas e paroquiana da Paróquia Nossa Senhora das Dores de Lobato, em Salvador, é uma das devotas de Dulce dos Pobres. 
Ela conta que é paciente do Hospital Santo Antônio há cerca de 20 anos. “Aquele hospital é um milagre! Ao conhecer a história de Dulce por meio de seu memorial e perceber o quanto ela lutou e conquistou em favor das pessoas, sempre soube que era uma santa, porém não podia venerá-la. Irmã Dulce foi uma verdadeira mãe a muitos órfãos e abandonados. É obrigação de todos manter aquela instituição funcionando. Minha grande alegria agora é poder cultuá-la como santa”, conclui. 

CELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA
Dom Murilo Krieger demonstrou toda a sua alegria por aquele momento único na história da Igreja no Brasil, e destacou a trajetória que levou Dulce à santidade. Em sua homilia, dirigiu-se a Santa Dulce como quem lhe escreve uma carta: 
“[...] Hoje, pois, só poderíamos mesmo estar muito alegres. E quem é a causa de toda essa alegria e emoção? É a senhora, Santa Dulce dos Pobres – a senhora, que agora é irmã não apenas dos soteropolitanos e baianos, mas, a partir do histórico dia 13 de outubro de 2019, é, também, uma irmã universal. É por isso que estamos aqui, na Arena Fonte Nova. Quando a senhora poderia ter imaginado que um dia, numa tarde de domingo, uma multidão se reuniria por sua causa, num estádio de futebol? Futebol, aliás, que a senhora tanto apreciou em seus tempos de adolescente – que o digam o Ypiranga e o jogador Popó!
Permita-me que eu me corrija: não é bem verdade que estamos aqui por sua causa. Há uma causa maior que nos traz aqui: a Santíssima Trindade, fonte de toda santidade, fonte de sua santidade. Aqui estamos para louvar e agradecer ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo pelo dom que nos concedeu, com a canonização que o Brasil acompanhou. Sua fidelidade a Jesus, sua confiança na Providência Divina e seu amor aos pobres e enfermos, aos menores abandonados e às crianças desprotegidas a tornaram conhecida e amada ainda em vida. Estamos aqui, pois, por causa do efeito da ação do Espírito Santo em seu coração; estamos aqui porque a senhora colaborou com a graça divina e se tornou uma discípula de Jesus Cristo. [...]”

ENCERRAMENTO
Quem achava que, após a Celebração Eucarística, não haveria mais nenhum momento emocionante, enganou-se. Os fiéis foram convidados a permanecer e, em seguida, a imagem da Santa Dulce dos Pobres foi conduzida pela Arena Fonte Nova. Nesse momento, as luzes de se apagaram e os fiéis foram convidados a acender as lanternas dos celulares. 
O povo brasileiro foi protagonista de uma grande festa para celebrar a graça recebida pelo legado que a Santa dos Pobres representa. Com sua presença, que Dulce não seja somente alguém para ser eternamente lembrada, mas alguém para ser constantemente imitada na concretude do bem no dia a dia dos menos favorecidos. 

Comente

Das ruas da Bahia para o Brasil e o mundo inteiro

Por
23 de outubro de 2019

Roma, cidade da Itália. Roma, bairro de Salvador, Bahia. Dois locais homônimos abrigam a trajetória da menina Maria Rita que se tornou Irmã Dulce e, agora, Santa Dulce dos Pobres: o primeiro foi palco de sua canonização, no último dia 13, pelas mãos do Papa Francisco. O segundo respira o legado de vida daquela mulher franzina que mudaria para sempre a história da capital baiana: o local do antigo galinheiro deu origem às Obras Sociais Irmã Dulce (OSID), que incluem o Hospital Santo Antônio e o Hospital da Criança, o Santuário Santa Dulce dos Pobres e o Memorial Irmã Dulce, este inaugurado em 1993, um ano após sua morte.
Visitar o Memorial Irmã Dulce é como pisar em suas pegadas e reviver os caminhos e episódios que a tornaram santa. Da grande e icônica fotografia colorida na fachada, que com seu terno olhar convida a uma bela “viagem”, aos fatos inesquecíveis e mais de 800 objetos que demonstram a eloquência de sua força interior, tudo encanta e emociona. De uma de suas paredes, salta aos olhos e ao coração uma frase marcante de Irmã Dulce: “Quando cada um faz um pouco, o pouco de muitos se soma”. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Logo na entrada, vê-se a Capela Santo Antônio, local em que Irmã Dulce costumava rezar com frequência e que se tornaria a segunda guarida de suas relíquias quando ainda era venerável. Por ocasião de seus 70 anos de vida, em 1984, uma fotografia e uma placa em uma das paredes laterais atestam que o local já fora visitado por um santo, São João Paulo II, que aparece ajoelhado num banco, em oração, tornando-se, ao mesmo tempo, sinal da sintonia entre ambos e um irrecusável convite a todo visitante para que se una a eles em preces a Deus. 

FATOS MARCANTES

Numa sala ao lado, lembranças de eventos marcantes. Um deles conta a história de um acidente que aconteceu devido ao choque entre um ônibus e um bonde, em frente à casa onde Irmã Dulce morava com outras religiosas. Na ocasião, o ônibus pegou fogo e as pessoas em seu interior corriam risco de vida. Irmã Dulce imediatamente convocou suas companheiras para que, com baldes d’agua, tentassem apagar aquele incêndio. Percebendo a gravidade da situação e que sua iniciativa seria infrutífera, pois não havia como debelar o fogo nem fazer com que as pessoas conseguissem sair do ônibus, Irmã Dulce pegou uma pedra, quebrou um dos vidros e, assim, permitiu que 12 pessoas pudessem ser salvas. 
Recentemente, durante uma visita ao Memorial, um homem se deparou com os elementos que reproduzem esse episódio, como a réplica em miniatura de um ônibus em chamas, e começou a chorar compulsivamente. Abordado pelos monitores do local, que queriam saber o motivo de tamanha emoção, ouviram: “Eu sou um dos que estavam no ônibus e foram salvos por Irmã Dulce. Eu tinha apenas 12 anos de idade na ocasião”, conta Antônio, hoje com 67 anos de idade. 
E esse encontro de Antônio com Irmã Dulce não se limitaria somente ao acidente: ao ser salvo por ela, ouviu a pergunta: “Filho, onde você mora?”. Ele respondeu: “Não tenho casa, moro na rua”. Daquele momento em diante, ela o adotou e o levou para viver em um de seus orfanatos. Assim, como Deus sempre tira um bem de algo que é aparentemente mal, um acidente foi o responsável por resgatar a dignidade de uma vida inteira, traduzindo-se em mais um retrato da caridade abnegada, sempre presente na religiosa baiana.  

PESSOA IMPORTANTE
Outro episódio marcante ocorreu quando, certa vez, Irmã Dulce conversava com um grande empresário gaúcho para lhe pedir ajuda para suas obras. No meio da conversa, outra religiosa se dirigiu a ela e cochichou-lhe algo. Ela, então, dirigiu-se a seu interlocutor e disse-lhe: “Preciso que me dê uns instantes para que eu possa atender uma pessoa muito importante que acaba de chegar”. Ela, então, saiu da presença do empresário e foi atender um mendigo. Ao ver aquela cena, o empresário ficou transtornado e pensou consigo como um mendigo poderia ser mais importante que ele. No entanto, quando ela voltou para retomar a conversa com ele, disse-lhe: “Estive há pouco com Jesus Cristo, a pessoa mais importante que existe” e o empresário começou a chorar, pedindo-lhe perdão por tê-la julgado por sua atitude. 
Amante da música e dos instrumentos musicais, Irmã Dulce fazia da sanfona sua companhia constante. Além de utilizá-la quando saía para pedir recursos para suas obras, ela também tinha o hábito de fazer visitas nos presídios levando consigo o instrumento, para cantar e tocar para os detentos. 

QUARTO E CADEIRA DE MADEIRA
O quarto de Irmã Dulce também chama a atenção e comove por seu legado: ao lado da cama, há uma cadeira de madeira onde ela dormiu por 30 anos, consequência da graça alcançada em função de uma promessa que fizera para que sua irmã se livrasse de complicações no parto.  
Sobre a cama, o Memorial traz as roupas com que o corpo de Santa Dulce foi sepultado: após 18 anos enterrados, seus restos mortais foram transladados para a Capela das Relíquias, em seu Santuário, e, por ocasião de sua exumação, como as roupas se encontravam intactas, foram retiradas do túmulo para ficar expostas ao público, sinal de mais um milagre da pequena Irmã Dulce.  
Dentre tantos outros, estes são alguns dos fatos da vida pessoal de Dulce que enriquecem e avivam a fé e a esperança de todos os seus devotos. Ela é prova factual de que a santidade não é algo abstrato e inatingível, destinada a poucos escolhidos, mas uma realidade de nosso tempo, ao alcance de todos, cristãos católicos e filhos de Deus. Sua vida é o retrato de que Salvador ficou pequena para conter tanta bondade, dedicação, caridade e entrega e, assim, agora o “Anjo bom” não é somente da Bahia, mas do Brasil e do mundo inteiro. 

Comente

Dulce dos Pobres, santa brasileira é modelo de caridade

Por
17 de outubro de 2019

Santa Dulce dos Pobres: assim passa a ser invocada a brasileira Irmã Dulce Lopes Pontes, canonizada pelo Papa Francisco no domingo, 13, na Praça São Pedro, no Vaticano. 
Em Salvador (BA), milhares de fiéis acompanharam por um telão montado no Santuário de Irmã Dulce o momento em que o Pontífice leu a fórmula de canonização do “Anjo bom da Bahia”. Em todo o País, os brasileiros também assistiram à liturgia, que foi transmitida por 11 emissoras de televisão, além da internet. 
Na mesma celebração, também foram canonizados o Cardeal John Henry Newman (Inglaterra), as religiosas Giuseppina Vannini (Itália) e Mariam Thresia Chiramel Mankidiyan (Índia) e a catequista Marguerite Bays (Suíça).
Diversos bispos e arcebispos concelebraram a missa, dentre os quais Dom Murilo Krieger, Arcebispo de São Salvador (BA) e Primaz do Brasil, e o Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo. Como representante do governo brasileiro, estava presente o vice-presidente da República, Hamilton Mourão.

INVOCAR, CAMINHAR E AGRADECER 
Na homilia, o Santo Padre refletiu sobre o Evangelho do dia, que narra a cura dos dez leprosos. Francisco destacou que a afirmação de Cristo “A tua fé te salvou” (Lc 17,19) é o ponto de chegada do Evangelho, que mostra a todos o caminho da fé. “Neste percurso de fé, vemos três etapas cumpridas pelos leprosos curados, que invocam, caminham e agradecem”. 
O Papa acrescentou que os novos santos também caminharam na fé e agora são invocados como intercessores. Ele destacou, ainda, que três deles são freiras, como Irmã Dulce, o que mostra que “a vida religiosa é um caminho de amor nas periferias existenciais do mundo”.

AÇÃO DE GRAÇAS 
No domingo, 20, haverá uma missa em ação de graças pela canonização de Santa Dulce dos Pobres, presidida por Dom Murilo Krieger, na Arena Fonte Nova, em Salvador.  

UM PEQUENO INSTRUMENTO PARA A GRANDE OBRA DE DEUS

De saúde frágil, com 1,47m de altura e apenas 45kg, vestindo um hábito branco com um escapulário azul, Irmã Dulce era uma figura conhecida pelas ruas de Salvador, por onde andava, seja para pedir donativos para manter as obras de caridade, seja para acudir alguma pessoa necessitada. 
Ela própria se considerava apenas um instrumento nas mãos de Deus, que era quem, segundo ela, realizava a obra. 
O que a tornou conhecida mundialmente foi, certamente, o legado dessas obras, que já atenderam mais de 60 milhões de pessoas. Contudo, o que fez com que ela fosse reconhecida pela Igreja como modelo de santidade foi sua vida entregue a Deus e identificada com Jesus Cristo, fonte de onde brotava a força e o vigor para sua missão. 
Em entrevista ao O SÃO PAULO, o jornalista Graciliano Rocha, biógrafo de Irmã Dulce, destacou alguns aspectos da vida pessoal da religiosa baiana.  “A sua visão de mundo era moldada pela espiritualidade que ela vivia. Ela mesma dizia que via nos pobres a pessoa do próprio Jesus a ser acolhido”, disse.  

VIDA INTERIOR
Santa Dulce tinha uma intensa rotina de orações ao longo de todo o dia. O Rosário era seu companheiro inseparável e as visitas ao Senhor no sacrário eram o seu refúgio cotidiano. 
“Ela tinha uma relação com Deus como um amigo que a acompanhava durante todo o dia”, destacou o biógrafo, a partir de relatos de pessoas que conviveram com a Santa. Em uma das cartas, Irmã Dulce dizia que seu coração era como uma capela em constante oração. 
“Percebe-se nela uma espiritualidade madura. Era, ao mesmo tempo, muito mística no que dizia respeito à fé, e muito pragmática em relação às coisas práticas do dia a dia”, completou Rocha.

CONFIANÇA 
Sua confiança na providência divina também era um sinal de seu abandono total nas mãos de Deus. Foi isso que a motivou a, em 1960, transformar o galinheiro do convento no que depois se tornaria o Hospital Santo Antônio, assim como para inaugurar um asilo, um orfanato e um centro educacional. 
“A obra de Deus não se interrompe, porque Ele não permite. Se foi Deus quem construiu o hospital, por que haveria de sofrer interrupção? Eu nada fiz, porque nada sou. Quem faz tudo é Deus, nunca se esqueça disso”, dizia Santa Dulce, diante das inúmeras dificuldades que enfrentava para manter um hospital daquele porte.

BRINCALHONA E TEIMOSA
As pessoas que conviveram com ela chamam a atenção para seu bom humor, pouco conhecido nas ocasiões públicas, mas bastante comum nos ambientes privados, especialmente o hábito de conferir apelidos às pessoas, como chamar de “garotinha” uma religiosa da congregação que tinha 90 anos. 
Um de seus “defeitos” era sua extrema teimosia, tanto para seguir adiante com o trabalho quanto em relação aos cuidados de si mesma. “Frequentemente, os médicos chamavam sua atenção para que cuidasse melhor de sua saúde. Porém, para ela, isso era menos importante diante daqueles a quem servia”, contou o biógrafo.  

DOM DE SI
“Santa Dulce não tinha um olhar para si mesma, estava sempre preocupada com os outros”, completou Rocha, ressaltando que ela entregou sua vida aos cuidados de Deus para que se dedicasse à obra dele, fazendo de sua vida um verdadeiro dom de si. “O amor supera todos os obstáculos, todos os sacrifícios. Por mais que fizermos, tudo é pouco diante do que Deus faz por nós”, afirmava a Santa. 
Sua abnegação e liberdade interior é ilustrada por inúmeros episódios. Um dos mais emblemáticos foi quando ela levou uma cusparada na mão enquanto pedia donativos a um comerciante. “Sem se abater, a freira limpou a saliva no hábito e voltou a estender a mão: ‘Isso foi para mim, agora o que o senhor vai dar aos meus pobres?’”, relata a biografia. 
O jeito de Irmã Dulce e a credibilidade que conquistou com suas obras permitiram criar uma rede de benfeitores e colaboradores de diversos âmbitos da sociedade, inclusive do mundo político. No entanto, ela sempre se recusou a associar sua missão a qualquer tipo de conotação política, enfatizando que seu ideal era o amor ao próximo. “Não entro na área política, não tenho tempo para me inteirar das implicações partidárias. Meu partido é a pobreza”, dizia.  

ALMA PENITENTE 
A vida espiritual de Irmã Dulce era bastante marcada por penitências, sacrifícios e jejuns. Uma dessas penitências era o fato de, durante 30 anos, ela dormir em uma cadeira de madeira ao lado da cama. 
A fragilidade de saúde também se tornou uma cruz que Dulce carregou por quase toda a sua vida. Sua morte, em 13 de março de 1992, foi precedida por um ano de muita dor. “A lenta agonia foi o destino de sua busca incessante pelo martírio tão valorizado na tradição dos santos católicos”, destacou Rocha. 
Ao vê-la convalescente durante sua visita a Salvador em 1991, quando Irmã Dulce já não conseguia falar e respirava por aparelhos, São João Paulo II afirmou: “Este é o sofrimento do inocente. Igual ao de Jesus” (FG).

LEIA TAMBEM: Irmã Dulce dos Pobres é proclamada santa

Comente

Irmã Dulce dos Pobres é proclamada santa

Por
16 de outubro de 2019

O Papa Francisco canonizou Irmã Dulce Lopes Pontes em uma missa solene na Praça São Pedro, no Vaticano, na manhã deste domingo, 13, diante de cerca de 50 mil pessoas, dessas,  aproximadamente 15 mil brasileiros.

Além do “Anjo bom da Bahia”, também foram canonizados João Henrique Newman, Josefina Vannini, Maria Teresa Chiramel Mankidiyan, e Margarida Bays.

A celebração teve início com o rito da canonização, no qual o Prefeito da Congregação das Causas dos Santos, Cardeal Angelo Becciu, acompanhado dos postuladores, dirigiu-se ao Santo Padre para pedir que se proceda à canonização dos beatos. Em seguida, o Cardeal apresentou uma breve biografia de cada um deles. Depois, o Pontífice leu a fórmula de canonização.

INVOCAR

Na homilia, o Papa Francisco comentou o Evangelho deste 28º Domingo do Tempo Comum, que narra a cura de dez leprosos.

O Santo Padre destacou que a afirmação de Cristo “A tua fé te salvou” (Lc 17, 19), é o ponto de chegada do Evangelho de hoje, que mostra a todos o caminho da fé. “Neste percurso de fé, vemos três etapas cumpridas pelos leprosos curados, que invocam, caminham e agradecem”, disse o Papa.

Francisco acrescentou que, assim como hoje, os leprosos sofrem, além pela doença em si, mas pela exclusão social. No tempo de Jesus, eram considerados impuros e, como tais, deviam estar isolados, separados. Eles invocam Jesus “gritando” e o Senhor ouve o grito de quem está abandonado.

“Também nós – todos nós – necessitamos de cura, como aqueles leprosos. Precisamos de ser curados da pouca confiança em nós mesmos, na vida, no futuro; curados de muitos medos; dos vícios de que somos escravos; de tantos fechamentos, dependências e apegos: ao jogo, ao dinheiro, à televisão, ao celular, à opinião dos outros. O Senhor liberta e cura o coração, se O invocarmos”, exortou o Pontífice.

A fé cresce assim, prosseguiu o Papa, com a invocação confiante. “Invoquemos diariamente, com confiança, o nome de Jesus: Deus salva. Repitamo-lo: é oração. A oração é a porta da fé, a oração é o remédio do coração.”

CAMINHAR

A segunda etapa é caminhar. Os leprosos são curados não quando estão diante de Jesus, mas depois, enquanto caminham.

“É no caminho da vida que a pessoa é purificada, um caminho frequentemente a subir, porque leva para o alto. A fé requer um caminho, uma saída; faz milagres, se sairmos das nossas cómodas certezas, se deixarmos os nossos portos serenos, os nossos ninhos confortáveis”, afirmou o Papa.

Outro aspecto ressaltado pelo Santo Padre é o plural dos verbos: “a fé é caminhar juntos, jamais sozinhos”. Mas, uma vez curados, nove continuam pela sua estrada e apenas um regressa para agradecer. E Jesus então pergunta: “Onde estão os outros nove?”.

“Constitui nossa tarefa ocuparmo-nos de quem deixou de caminhar, de quem se extraviou: somos guardiões dos irmãos distantes. Quer crescer na fé? Ocupa-se dum irmão distante”, acrescentou o pontífice.

AGRADECER

A última etapa é agradecer. Ao leproso curado, Jesus diz: "A tua fé te salvou".

“Isto diz-nos que o ponto de chegada não é a saúde, não é o estar bem, mas o encontro com Jesus”, explicou Francisco.

O ponto culminante do caminho de fé é viver dando graças. O Papa então questiona: “Nós, que temos fé, vivemos os dias como um peso a suportar ou como um louvor a oferecer? Ficamos centrados em nós mesmos à espera de pedir a próxima graça, ou encontramos a nossa alegria em dar graças? Agradecer não é questão de cortesia, de etiqueta, mas questão de fé”.

O Papa completou que motivo para agradecer hoje são os novos santos, que caminharam na fé e agora são invocados como intercessores. Três deles, disse o Papa, são freiras, como Irmã Dulce, e mostram que a vida religiosa é um caminho de amor nas periferias existenciais do mundo.

QUEM FOI O IRMÃ DULCE

Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes nasceu em 26 de maio de 1914 em Salvador (BA). Aos 13 anos, manifestou o desejo de se consagrar a Deus. Já naquela época, inconformada com a pobreza, amparava miseráveis e carentes.

Aos 18 anos, recebeu o diploma de professora e entrou para a Congregação da Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus. Em 13 de agosto de 1933, recebeu o hábito religioso e adotou, em homenagem a sua mãe, o nome de Irmã Dulce.

OS POBRES

A primeira missão de Irmã Dulce como religiosa foi ensinar em um colégio mantido pela Congregação, em Salvador. No encontro, o seu pensamento estava voltado para o trabalho com os pobres. Já em 1935, dava assistência à comunidade pobre de Alagados, conjunto de palafitas localizado na parte interna do bairro de Itapagipe. Nessa mesma época, começou a atender também os operários que viviam no bairro, criando um posto médico e fundando, em 1936, a União Operária São Francisco.

Em 1937, fundou, com Frei Hildebrando Kruthaup, o Círculo Operário da Bahia. Em maio de 1939, Irmã Dulce inaugurou o Colégio Santo Antônio, escola pública voltada para operários e filhos de operários, no bairro da Massaranduba.

A OBRA

No mesmo ano, ocupando um barracão, passou a abrigar pessoas em situação de rua e doentes, levados depois ao Mercado do Peixe, nos Arcos do Bonfim. Desalojados pela Prefeitura da cidade, acolheu-os, com a permissão da madre superiora, no galinheiro do Convento, transformado, em 1960, em Albergue Santo Antônio, com 150 leitos (hoje o Hospital Santo Antônio).

Irmã Dulce inaugurou ainda um asilo, o Centro Geriátrico Júlia Magalhães, e um orfanato, o Centro Educacional Santo Antônio e, em 1983, inaugurou o novo Hospital Santo Antônio.

Em 1988, foi indicada, pelo então presidente da República José Sarney, ao Prêmio Nobel da Paz.

Em 7 de julho de 1980, teve seu primeiro encontro com São João Paulo II por ocasião da visita dele ao País. O segundo encontro foi em 20 de outubro de 1991, quando ela já estava bastante debilitada por problemas respiratórios. O Anjo bom da Bahia morreu em 13 de março de 1992, com 77 anos.

PROCESSO DE CANONIZAÇÃO

A causa da canonização de Irmã Dulce começou em janeiro de 2000. Suas virtudes heroicas foram reconhecidas em abril de 2009, sendo, então, considerada Venerável.

Em 10 de dezembro de 2010, o Pontífice reconheceu o primeiro milagre e autorizou a beatificação da Religiosa. Trata-se da recuperação de uma paciente que teve uma grave hemorragia pós-parto e cujo sangramento subitamente parou, sem intervenção médica.

Para a Santa Sé, são necessárias quatro exigências para o reconhecimento de um milagre: ser preternatural (a ciência não consegue explicar), instantâneo (acontecer imediatamente após a oração e o pedido de intercessão), duradouro e perfeito.

BEATIFICAÇÃO

A beatificação de Irmã Dulce aconteceu em 22 de maio de 2011, em Salvador, em missa presidida pelo Cardeal Geraldo Majella Agnelo, Arcebispo Emérito de Salvador e delegado papal do rito de beatificação, então Prefeito da Congregação para a Causa dos Santos, com a participação de 70 mil pessoas. A Religiosa recebeu o título de Bem-Aventurada Dulce dos Pobres, tendo como data de sua memória litúrgica o dia 13 de agosto.

No mesmo dia da beatificação, após a oração do Angelus, no Vaticano, Bento XVI dirigiu uma saudação aos fiéis de Língua Portuguesa, destacando que a Bem-Aventurada “deixou atrás de si um prodigioso rastro de caridade ao serviço dos últimos, levando o Brasil inteiro a ver nela ‘a mãe dos desamparados’”.

LEGADO 

Fundadas em 1959, as Obras Sociais Irmã Dulce (OSID) atualmente são um dos maiores complexos de saúde com atendimento 100% gratuito do Brasil. São 3,5 milhões de atendimentos ambulatoriais por ano a usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), entre idosos, pessoas com deficiência, crianças e adolescentes em situação de risco social, dependentes químicos e pessoas em situação de rua.

De acordo com as OSID, nos últimos 25 anos, foram contabilizados 60 milhões de atendimentos ambulatoriais e mais de 280 mil cirurgias realizadas.

Comente

Para pesquisar, digite abaixo e tecle enter.