Para regulamentar as pesquisas clínicas com seres humanos

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25 de outubro de 2019

Diante do diagnóstico de uma doença incurável, surge, de repente, o convite para participar de uma pesquisa clínica. Muitos dizem sim à proposta, com a esperança de cura, e muitas vezes nem pensam nas consequências futuras do tratamento, que podem ser negativas.
Para proteger os pacientes nessas situações, há em muitos países sistemas de regulação ética e legal para tais pesquisas. No Brasil, existem decretos e portarias a respeito do tema, mas se tem buscado a construção de uma legislação específica. Nesse sentido, já tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) 7082/17, que tem a meta de orientar as pesquisas clínicas com seres humanos, assegurando direitos e princípios éticos na relação entre o pesquisador e o paciente, além de conferir agilidade na análise e no registro de medicamentos no País.
O texto, originário do Senado e que já sofreu alterações na Comissão de Seguridade Social e Família, da Câmara, está sendo analisado pelos deputados na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), que, no dia 16, realizou uma audiência pública. 

RESPEITO AO PACIENTE
Um dos pontos centrais do projeto de lei é que o participante da pesquisa clínica só o fará por “consentimento livre e esclarecido”, ou seja, precisará manifestar por escrito a vontade de colaborar com o estudo científico, após ter sido informado sobre todos os aspectos envolvidos. Crianças, adolescentes e pessoas incapazes só poderão participar caso a pesquisa não possa ser aplicada em adultos. 
Também será assegurado o anonimato e a privacidade ao participante, bem como sigilo de informações e o direito de desistir de colaborar com o estudo a qualquer momento. Ele não receberá qualquer remuneração pela participação, e, no caso de eventuais danos, se prevê que a indenização seja feita pela instituição que patrocina a pesquisa clínica. 

CONTROLE DAS AÇÕES
Atualmente, a realização de ensaios clínicos com medicamentos no Brasil precisa ser previamente aprovada pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) – há mais de 850 deles no País – e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). No caso do uso de medicamentos e produtos fabricados fora do Brasil, é necessária, ainda, uma autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). 
O projeto de lei prevê a criação do Sistema Nacional de Ética em Pesquisa Clínica com Seres Humanos, formado por uma instância nacional, com função normativa e administrativa – atribuição que deverá ficar a cargo da Conep –, e uma instância local, responsável pela aprovação prévia da pesquisa e por assegurar direitos e o bem-estar dos participantes, tarefa que caberá aos CEPs.  

AGILIDADE NOS PARECERES 
Com a futura legislação, também se buscará dar celeridade para o início das pesquisas clínicas. Antoine Souheil Daher, presidente da Federação Brasileira de Associações de Doenças Raras (Febrararas), alertou, na audiência pública, que a demora para o registro de novas terapias na Anvisa pode ser determinante para o óbito dos pacientes ou para que o tratamento comece a tempo de surtir efeito. 
Também para o oncologista Romualdo Barroso de Souza, da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, ter o menor tempo de espera possível é fundamental “quando estamos diante de um paciente com uma doença incurável, com uma doença rara [aquelas que incidem, em média, em até 65 pessoas em um grupo de 100 mil habitantes]. Vários pacientes precisam de celeridade nos processos de investigação biomédica para que tenham uma chance de acesso a medicações efetivas contra suas enfermidades.” 
O texto do PL 7082/17 indica que estes pareceres devem ser feitos em até 30 dias, a partir da apresentação de todos os documentos necessários. 

E QUANDO A PESQUISA ACABAR?
Um dos pontos sob os quais ainda não há amplo consenso é se caberia ao pesquisador ou financiador da pesquisa clínica garantir gratuitamente e de modo ininterrupto o tratamento para o participante do estudo que esteja obtendo melhoria em sua condição clínica. 
“Acredito que se deva manter a medicação, pois a pessoa ajudou a testar aquele medicamento. Portanto, ela deu uma contribuição ao patrocinador e ao conjunto da sociedade. Essa situação não tem trazido prejuízos substanciais para as pesquisas no País. Imagine uma pessoa com câncer: ela entra na pesquisa, melhora, mas passados dois anos a pesquisa acaba, e vai se fazer o quê? Mandar a pessoa se virar? Seria uma desumanidade”, enfatizou Jorge Alves de Almeida Venâncio, coordenador da Conep. 
Já para Regina Próspero, vice-presidente do Instituto Vidas Raras, essa obrigatoriedade poderá impor dificuldades para que se consiga financiadores. Ela defendeu que passado o período da pesquisa clínica e comprovada a eficácia do tratamento, que o Governo Brasileiro regulamente o medicamento para que possa ser comercializado. 

ATRAENTE PARA OS FINANCIADORES 
Segundo dados da Anvisa, 90% dos estudos clínicos no Brasil em 2018 foram patrocinados por empresas estrangeiras. 
Paulo Fernandes, da Associação Brasileira das Organizações Representativas de Pesquisa Clínica (Abraco), ressaltou que a aprovação do PL 7082/17 deixará o País mais competitivo no cenário da pesquisa mundial, já que atualmente apenas 2,1% do total de estudos clínicos no mundo são realizados no Brasil. “No campo da segurança jurídica, de previsibilidade, o projeto de lei vai conferir a todos os atores envolvidos um arcabouço legal que garanta responsabilidades bem delimitadas”, avaliou.
Para Valdiléa Gonçalves Veloso dos Santos, diretora do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, da Fundação Oswaldo Cruz, uma vez que o Ministério da Saúde reconheça a importância de uma pesquisa, deve se prever na futura lei “um dispositivo que permita que a instituição colaboradora, responsável pela pesquisa no País, possa assumir a responsabilidade e isentar o financiador de ser obrigado a cobrir indenização ou de manter a medicação por cinco ou mais anos”. 

(Com informações da revista de Associação Médica Brasileira, Anvisa e Câmara Notícias)

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Pastoral da Saúde: conforto e apoio na fragilidade

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27 de novembro de 2018

“Recentemente, uma criança de aproximadamente 3 anos chegou ao Instituto de Infectologia Emílio Ribas (IIER) em estado grave. A mãe, atenta, levara a criança a um pronto-socorro logo que a percebeu com dores de cabeça e febre alta e, posteriormente, sua filha foi encaminhada ao Emílio Ribas. Nas 24 horas de internação, o quadro da pequena paciente piorou e ela acabou falecendo. No entanto, assim que a família chegou ao hospital, houve a aproximação da Equipe da Capelania Hospitalar e, quando a criança faleceu, nós, da equipe médica, sentimos muito, foi uma perda inestimável. Um fato curioso, porém, é que, à medida que nos aproximávamos dos pais, quem acabava chorando éramos nós, pois a família nos dizia, insistentemente: ‘Ela está agora nas mãos de Deus’. Aprendi muito com esse caso. Percebi, mais uma vez, como a fé ajuda as pessoas a passarem por momentos de dor, da dor incalculável da perda de um filho, por exemplo.Quando se tem a experiência de fé, a dor existe, mas ela tem um significado maior.” 

O caso descrito acima foi contado por Jean Gorinchteyn, médico infectologista do Emílio Ribas, que acompanha o trabalho da Capelania Hospitalar, um dos núcleos mais antigos da Pastoral da Saúde na Arquidiocese de São Paulo. Em entrevista ao O SÃO PAULO , o Médico salientou o quanto a presença dos membros da Pastoral da Saúde é um apoio, não somente para pacientes e familiares, mas também para a equipe médica. 

“Ter a presença de pessoas que acolhem, que nos trazem outra visão, não apenas técnica, mas humana, ajuda a superar dificuldades que temos dia a dia. Não somente no que se refere aos pacientes; por exemplo, imagine que sejamos obrigados a dar alta para um paciente e saibamos que ele não tem condições, em casa, de dar seguimento à sua medicação ou aos procedimentos necessários para melhora de forma correta... é uma situação complexa”, continuou o Médico. 

Lidar com situações-limite, ajudar o paciente a ter esperança no tratamento, ouvir suas dificuldades, dar apoio aos familiares que o acompanham, agir de maneira discreta e acolhedora ao mesmo tempo, falar de Deus às pessoas em momentos de fragilidade e dor são atitudes essenciais dos membros da Pastoral da Saúde que, voluntariamente, dedicam-se a tal atividade em diferentes lugares. 

 

HISTÓRIA

Padre João Inácio Mildner, Assistente Eclesiástico da Pastoral da Saúde da Arquidiocese de São Paulo e Capelão no Emílio Ribas, explicou que uma série de acontecimentos contribuiu para o início da Pastoral em São Paulo. 

“A Igreja em São Paulo, ao longo de sua história, sempre esteve voltada à atenção para com os enfermos. O fato mais importante, em São Paulo, foi a fundação da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo [o prédio novo foi inaugurado em 1884]. Outro fato marcante foi a vinda dos Padres Camilianos [1923]”, contou Padre João Mildner. 

Ele recordou, também, que foi o Padre Júlio Munaro, falecido em 2012, quem iniciou a articulação de uma Pastoral da Saúde. “Ele começou a promover um Curso da Pastoral da Saúde na Igreja São Francisco, no centro de São Paulo”, continuou o Capelão, que trabalha há 27 anos no Emílio Ribas. 

Com objetivo de planejar, acompanhar e avaliar o trabalho da Pastoral da Saúde na Arquidiocese, a coordenação arquidiocesana se reúne mensalmente. Cada uma das seis regiões episcopais também possui uma coordenação que se encontra periodicamente com os mesmos objetivos.

“A maioria das paróquias conta com a ação da Pastoral da Saúde, e, na Arquidiocese de São Paulo, a Pastoral está presente em 145 hospitais. Nossa meta é que todas as comunidades e hospitais tenham um grupo atuante da Pastoral da Saúde, segundo as necessidades de cada local”, observou Padre João. 

 

FORMAÇÃO 

A Arquidiocese mantém quatro cursos de Pastoral da Saúde nas regiões episcopais Brasilândia, Lapa, Santana e Sé. Em 2019, as regiões Belém e Ipiranga também contarão com os cursos. Nestes, acontecem encontros formativos semanais, que visam preparar os agentes de Pastoral da Saúde para atuar nas comunidades. Os temas tratados tocam questões como a assistência espiritual aos enfermos nas casas, a prevenção de doenças e o compromisso cristão na defesa das políticas públicas de saúde. 

A Arquidiocese de São Paulo oferece ainda um Curso de Pastoral da Saúde Hospitalar. Esse curso acontece no Mosteiro de São Bento entre os meses de março e outubro, aos sábados, às 9h. O objetivo é preparar agentes de Pastoral da Saúde para atuar nos hospitais. Os temas tratados são especificamente voltados aos doentes internados nos hospitais, e os docentes são pessoas capacitadas que atuam em hospitais. “O objetivo é formar pessoas em diferentes áreas do saber, para que compreendam questões como administração hospitalar, políticas públicas e atendimento direto aos pacientes, bem como a pessoas em situações de luto, por exemplo”, explicou Padre João.

 

INCANSÁVEIS

Maria Izabel da Silva Guimarães, 70, é estudante do Curso para 3ª Idade da Universidade de São Paulo (USP) e atua na Pastoral da Saúde desde 2011. Ela participa da Paróquia Santo Alberto Magno, no Jardim Bonfiglioli. Ela fez o curso com o Padre Júlio Munaro na Paróquia Nossa Senhora da Lapa, onde aprendeu os princípios da Pastoral. “Após o curso, iniciei o trabalho de visitadora no Hospital Maternidade Sara, atual Professor Mario Degni, e como Ministra Extraordinária da Sagrada Comunhão, atendendo doentes da Paróquia”, contou Maria Izabel, coordenadora da Pastoral na Região Episcopal Lapa. Frequentemente, ela faz visitas ao Hospital USP, a uma casa de repouso e ao Hospital Municipal e Maternidade Professor Mario Degni, no Rio Pequeno.

A experiência de Maria Izabel é semelhante à de muitos outros membros que conheceram a Pastoral porque acompanhavam familiares doentes. “A Igreja atendeu-me prontamente com a presença do sacerdote para a Unção dos Enfermos; minha irmã não se comunicava, mas eu sabia que ela ouvia. Quando saímos do quarto do hospital, o aparelho começou a apitar e minha irmã partiu para o Reino de Deus. Recebi conforto espiritual dos amigos e de sacerdotes da Santa Mãe Igreja”, contou. 

“Neste mundo em que vivemos, o maior desafio é conseguir novos voluntários que se coloquem a serviço do próximo, não só na Pastoral da Saúde, mas em outras pastorais”, salientou Maria Izabel. 

 

COMPAIXÃO E RESPEITO

Andréa Salles, 48, é recepcionista e atua na Capelania Católica do Instituto de Infectologia Emílio Ribas desde 1994. Andréa acompanhou o esposo em um longo período de internação, e eles recebiam, diariamente, a visita do Padre João Mildner e de outros voluntários: “Meu esposo faleceu durante aquela internação. Depois de algum tempo, fui convidada a participar da Capelania. Percebi que minha vivência como acompanhante e testemunha do sofrimento e de fé poderia ajudar outras pessoas que vivenciavam a mesma situação pela qual eu havia passado”. 

“Desde aquela época, atuo voluntariamente no Emílio Ribas três vezes por semana.Cada dia é único e para mim o mais importante no dia a dia é a compaixão, aquele momento em que você oferece sua força para que o outro encontre a dele e enfrente o sofrimento. É importante também respeitar os próprios limites, ser ético com as histórias que os doentes partilham, ser apoio em momentos de fragilidade”, afirmou Andréa. 

Ela salientou, também, que a participação de um agente da Pastoral da Saúde não se restringe aos momentos de adoecimento, mas deve favorecer a questão da prevenção e de hábitos saudáveis de vida. “O adoecimento não tira o direito de viver com dignidade, e pode ser um momento de grande crescimento espiritual para cada um”, disse. 

Sobre o trabalho de Andréa, Taciana Moura Sales Oliveira, 49, que é médica atuante no Emílio Ribas, enfatizou que a participação dela na equipe de cuidados paliativos é muito eficaz. “Muitas vezes, ela, os padres e agentes da Capelania trazem demandas dos pacientes que nós não tínhamos percebido ou não tínhamos alcançado em nossas abordagens”, continuou a Médica.

Sobre a participação dos agentes no dia a dia dos hospitais, Taciana disse que é essencial ter comportamento ético, respeitar as regras do hospital e discutir questões pessoais e demandas dos pacientes somente com as equipes médicas.

ESPITUALIDADE

Padre Maurício Gris, 30, é religioso da Ordem dos Ministros dos Enfermos (Camilianos) e trabalha como Coordenador das Atividades do Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde (ICAPS) em âmbito nacional e na Arquidiocese de São Paulo. Em entrevista à reportagem, ele falou sobre o trabalho da Pastoral da Saúde de maneira mais ampla, não o limitando à doença. 

“É essencial um olhar misericordioso voltado aos enfermos, aos familiares e aos profissionais da saúde. Por isso, a Pastoral da Saúde deve passar pela justiça e pela solidariedade na opção preferencial pelos enfermos. Para ser agente evangelizador, com renovado espírito missionário, deve-se estar disposto e preparado para trabalhar no mundo da saúde”, disse o Padre. 

Sobre as visitas domiciliares, o Camiliano afirmou que, independentemente de onde forem realizadas as atividades, a formação é obrigatória. “Ao visitar um enfermo, é preciso envolver toda a família para levar conforto, esperança e consolo no momento”, comentou.

“Não há receita pronta para nosso trabalho, não existe um manual de como agir diante de situações específicas, afinal, trabalhamos com pessoas. Além disso, é preciso respeitar as demais religiões. A Pastoral da Saúde é uma atividade que valoriza o ecumenismo e o diálogo inter-religioso. Nos hospitais, as atividades são realizadas em parceria com diversas denominações religiosas; afinal, entendemos que trazer esperança e conforto não é uma atividade isolada, mas um encargo de todos aqueles que têm fé”, continuou Padre Maurício. 

Padre Palmiro Carlos Paes, 58, é Capelão do Hospital do Servidor Público Estadual e Assessor Eclesiástico da Pastoral da Saúde na Região Episcopal Ipiranga. O Sacerdote disse que esta tem sido uma experiência muito enriquecedora no seu ministério e que, em cada doente, percebe a face de Deus.

“No Hospital, encontramos famílias, enfermos, médicos, pessoas de outras denominações religiosas... em todas as circunstâncias, devemos ser sinal da misericórdia de Deus para com todos. Nunca esquecer que o doente não é um coitado, mas o meu irmão, imagem e semelhança de Deus, mesmo desfigurado pela doença”, concluiu Padre Palmiro.

 

O QUE DIZ A LEI? CONFIRA AQUI 

 

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