Doações são indispensáveis para as ações da Igreja em favor das pessoas em situação de rua

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28 de março de 2020

Os comércios fecharam, boa parte das empresas mantém os funcionários em regime de trabalho home-office, mas, para os que não têm teto, a rua continua sendo a única morada. E neste tempo de quarentena, com menos pessoas circulando pelas ruas, conseguir um prato de comida ou uma esmola para comprar algum alimento ficou quase impossível.

Em mensagens e homilias, o Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo Metropolitano de São Paulo, tem insistido que neste período, em que também as igrejas católicas estão fechadas para evitar a proliferação do novo coronavírus, os cristãos não abandonem os mais pobres e doentes. É isso que têm feito, por exemplo, a Casa de Oração do Povo da Rua, mantida pela Arquidiocese; a Missão Belém e o Arsenal da Esperança.

Na sexta-feira, 27, a reportagem do O SÃO PAULO visitou esses três locais e constatou que, sem a continuidade do envio de doações para estas instituições, será cada vez mais difícil garantir o socorro às pessoas em situação de rua.

NA CASA DE ORAÇÃO: REFEIÇÃO E KITS DE HIGIENE

Devidamente espaçadas para a evitar a proliferação do novo coronavírus, as mesas montadas para o café da manhã na Casa de Oração do Povo da Rua, no bairro da Luz, estavam todas ocupadas naquela manhã.

Para Luiz Carlos Pereira, uma das mais de 90 pessoas em situação de rua que tomavam café da manhã no local, aquela era a única refeição assegurada do dia. “Cortaram a alimentação que a gente recebia de doações na rua, e a gente precisa se alimentar de algum jeito. Talvez até dê para conseguir alguma refeição agora de dia, mais de noite não. O pessoal que fazia doação à noite não está vindo mais para as ruas do Centro. É uma situação torturante. A gente já não tem emprego nem moradia e agora vem o coronavírus”, disse à reportagem.

Pereira contou que não tem encontrado sabão para lavar as mãos, exceto nos terminais de ônibus. Essa também foi a realidade descrita por José da Silva: “Só vejo álcool em gel aqui na Casa de Oração. Na rua está complicado, com tudo fechado agora, fica difícil para a gente; arrumar dinheiro também está complicado. Se não fosse a Casa de Oração estaria ainda mais difícil para a gente”.

Para evitar aglomerações, as pessoas permanecem no local apenas durante o horário do café, porém ao saírem recebem um kit de higiene pessoal, com sabonete, creme e escova dental e aparelho de barbear, além de uma flanela de TNT e um pedaço de sabão de coco.

Nas paredes da Casa de Oração, há muitos cartazes que informam sobre a importância da lavagem das mãos e do uso do álcool em gel neste período. Também alguns agentes do consultório na rua do Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto (Bompar), instituição vinculada à Igreja Católica, orienta as pessoas sobre a forma correta de higienização das mãos.

Urgência de doações

“Tem aumentado todos os dias o número de pessoas que têm procurado ajuda aqui. Não temos dado conta de entregar os kits de higiene, precisamos quase fazer um ‘milagre’ com o pouco que há de álcool em gel, mas estamos distribuindo muito sabão e detergente que também matam o vírus”, afirmou Ana Maria Alexandre, uma das responsáveis pelos trabalhos na Casa de Oração.

De acordo com Ana Maria, antes da pandemia de COVID-19 também era servido almoço para cerca de 70 pessoas no local, mas para evitar as aglomerações, agora estão sendo feitas entre 150 e 250 marmitex diárias, que são distribuídas para pessoas em situação de rua na Cracolândia, no Brás e outros locais onde mais seja preciso.

Diante do aumento da demanda de atendimentos, a Casa de Oração do Povo da Rua precisa de doações, especialmente de alimentos para fazer as marmitas – “de preferência, daqueles que deem sustância para eles, como carne e frango, porque essas pessoas precisam aumentar a imunidade”, diz Ana Maria – e de itens para higienização, como álcool em gel, álcool líquido 70%, cloro e detergente, além de luvas e máscaras. “Se não houver higienização do chão e das mesas e alguém estiver com o vírus, acaba passando para outra pessoa”, lembra Ana Maria.

A Arquidiocese de São Paulo já colocou a Casa de Oração do Povo da Rua à disposição das autoridades para que abrigue, em quarentena, pessoas com a COVID-19, mas por enquanto o espaço não foi usado para tal.

Doações à Casa de Oração do Povo da Rua podem ser entregues diretamente no local – Rua Djalma Dutra, 03, Luz – ou feitas por meio de depósito bancário: Banco Bradesco – Ag: 0124 - CC: 0053148-0. Outras informações podem ser obtidas pelos telefones (11) 3228-6223 e (11) 99427-9070, com Ana Maria.  (DG)

 

MISSÃO BELÉM: PARA QUE A RESTAURAÇÃO DE VIDAS CONTINUE

Fundada há 15 anos, a Missão Belém tem em São Paulo a missão de resgatar a vida daqueles que se perderam nos vícios do álcool e das drogas e vivem pelas ruas da maior metrópole do país.

Muitos dos que aceitam iniciar este caminho de mudança de vida passam cerca de sete dias em um retiro de espiritualidade no Edifício Nazaré, na Praça da Sé, antes de serem encaminhados para um dos sítios da Missão Belém no interior do estado de São Paulo.

No entanto, o avanço do novo coronavírus pelo Brasil mudou um pouco a rotina de atividades no edifício de 11 andares.

“Diante dessa situação de pandemia, os sítios estão em quarentena com aqueles que já vivem neles. Foi uma medida para não haver riscos de infecção. Se continuássemos acolhendo todo mundo, uma hora ia superlotar; então, preferimos acolher agora só os mais debilitados da rua, os mais doentes. Estamos indo todos os dias para a rua para procurar aqueles que estão doentes – diabéticos, hipertensos, pessoas com HIV, sífilis, tuberculose – além de cadeirantes”, explicou Caio Ferreira, responsável pela comunicação da Missão Belém.

Atualmente, há aproximadamente 70 acolhidos no Edifício Nazaré e ainda restam 30 camas vazias. “Por isso, ainda estamos indo à rua procurar esses doentes para trazer para casa”, complementou Caio.

Plena atenção aos acolhidos

Todo acolhido que chega ao edifício é recebido por um grupo de outros irmãos que tira dúvidas e lhes dá suporte. Há também atenção médica para os doentes. No momento da visita da reportagem, equipes de saúde, formadas por voluntários e membros da Missão Belém, conversavam com os acolhidos individualmente para saber sobre suas condições clínicas.  

Claudionor Bento da Silva, 49, chegou à Missão Belém em 16 de março em estado de drogadição (dependência física e psíquica de drogas). Seguindo um itinerário de orações e cumprimento de propósitos diários, além de ter alimentação, uma rotina de sono e cuidados de higiene, ele já se diz revigorado. “Na rua não tem como se cuidar. O negócio é tomar cachaça e, para quem gosta de usar crack, usar. Com álcool e droga na cabeça, você acha que a doença nunca vai pegar você”, conta o homem que hoje auxilia na lavanderia da Missão Belém.

Sebastião Mendes Martins, 59, está na Missão há dois anos e meio. “Graças à Missão, consegui sair da rua. Dou esperança para minha família, estou mudando de vida e larguei as drogas. Falo para os irmãos que assim como eu consegui mudar, eles também podem mudar. Eu aconselho que mudem de vida”, afirmou.

Todas as atividades da Missão Belém são mantidas com doações de pessoas e de algumas instituições. “Temos recebido doações, mas há itens que acabam rápido: luvas, álcool em gel, produtos de limpeza e de higiene pessoal. Por exemplo, escova de dente está em uma urgência muito grande. Alimentos também, principalmente carne e frango. Também precisaremos de ajuda financeira, porque as contas de água, luz, gás vão dobrar”, explicou Caio Ferreira.  

Um dos exemplos desse aumento de gastos é com a higienização do local: banheiros e corrimãos têm sido limpos com maior frequência do que antes para evitar que alguém seja infectado com o novo coronavírus. As maiores urgências desses itens são de papel higiênico, hipoclorito, desinfetante e sabão em pó.  

Os interessados em colaborar com a Missão Belém podem entrar em contato pelo telefone (11) 93459-8191 (com Caio Ferreira), pelo e-mail contato@missaobelem.org ou entregar os itens diretamente no Edifício Nazaré (Praça da Sé, 47). Há ainda a possibilidade de doações on-line em www.missaobelem.org/doacao ou por conta bancária: Banco Itaú (Ag: 2866 – CC: 02440-5), Banco Bradesco (Ag: 1749-3 – CC: 12868-6), para a Associação Menino Jesus – Missão Belém - CNPJ 11.413.244/0001-12 (DG)

 

EM QUARENTENA, ARSENAL DA ESPERANÇA DOBRA SUA DEMANDA DE ALIMENTOS

Instituição que acolhe diariamente cerca de 1.200 homens em situação de rua, o Arsenal da Esperança, na Mooca, também teve sua rotina alterada por causa da pandemia da COVID-19.

Na porta da instituição foi afixado um cartaz informando que não há mais vagas para pernoite. Na verdade, desde segunda-feira, 23, o Arsenal entrou em quarentena. “Não autorizamos mais a entrada de novos acolhidos e aqueles que ingressaram não podem sair durante esse período e caso saiam, não podem mais retornar”, explicou o Padre Simone Bernardi, um dos missionários da Fraternidade Esperança, mantenedora da instituição.

Essa medida visa à proteção dos cerca de mil acolhidos, impedindo que eles tenham contato com o novo coronavírus. “Nós intensificamos os cuidados com a higiene do ambiente e também orientamos os atendidos a seguirem as medidas preventivas recomendadas pelas autoridades de saúde, acrescentou o Missionário. Constantemente, os acolhidos recebem orientações preventivas sobre o cuidado com a higiene pessoal.

Os missionários também estão providenciando uma área reservada da hospedaria para ser feito o isolamento daqueles que eventualmente forem infectados pelo vírus. No entanto, Padre Simone não esconde a preocupação, pois sabe que o espaço é insuficiente para o número de doentes que pode haver. “Nesse espaço reservado, nós temos dez quartos onde, normalmente, dormem de sete a oito pessoas em cada quarto. No entanto, para o isolamento recomendado, esse número de pessoas não seria possível”, disse.

Abastecimento

Outra grande preocupação dos responsáveis pelo Arsenal é com o abastecimento de alimentos e produtos de higiene pessoal. Antes, a maioria dos acolhidos apenas pernoitava na instituição e, durante o dia, saíam a procura de algum trabalho. Agora que estão permanentemente na casa, o impacto é maior. “Todos esses acolhidos tomavam café e jantavam aqui. Agora, todos eles também almoçam”, explicou o Padre.

Se antes eram consumidos 220 kg de arroz por dia, hoje essa quantidade dobrou, assim como o uso da água e da energia elétrica. “Nós estamos apenas no quarto dia de quarentena e precisamos rezar muito, pois estamos navegando no escuro, não sabemos até quando vai durar isso e até quando teremos condições de realizar esse trabalho”.

Por isso, o Arsenal da Esperança lançou um apelo nas redes sociais para que as pessoas ajudem a instituição a continuar o seu trabalho, seja por meio do envio de alimentos não perecíveis, produtos de limpeza e de higiene pessoal.

Refúgio e proteção

Márcio José da Silva, 55, frequenta o Arsenal há 11 meses. Para ele, ter um lugar para se abrigar nesse período de risco é fundamental. “Na rua, é impossível se proteger da doença. Não há como se prevenir, manter a higiene e nem como se alimentar”, afirmou.

Júlio José Muniz, 35, encontrou no Arsenal não apenas um lugar para se proteger do coronavírus, mas também para alimentar a fé e enfrentar esses tempos difíceis. “Não há mais trabalhos nas ruas, nem perspectivas de quando a situação vai se normalizar. Aqui eu tenho um abrigo, alimentação e segurança, inclusive para a minha saúde”, relatou.

No entanto, Júlio afirma que ainda há muitos amigos seus que não têm um abrigo e estão expostos aos riscos. “Há um clima de insegurança muito grande na rua, pois ninguém sabe para onde ir para evitar o contágio ou onde buscar ajuda caso fique doente. É uma situação muito difícil”, concluiu.

Caridade fraterna

Padre Simone enfatizou que essa é uma ocasião para os muitos grupos e instituições que já realizam trabalhos voltados ao povo da rua possam se articular. “Há muitos grupos de paróquias e comunidades que costumam ir às ruas para levar refeições à população de rua. Porém, como são orientados a ficar em casa, eles não podem mais realizar esse trabalho, até para também não correrem riscos de contágio. Esses grupos, contudo, podem auxiliar não somente a nós, no Arsenal, mas a tantas outras instituições que continuam realizando seu trabalho”, ressaltou.

O missionário também recordou que não apenas a população de rua merece atenção, mas também as famílias carentes que vivem nos cortiços ou em moradias populares, que dependem de trabalhos informais para sobreviver e no cenário atual sofrem sem ter como se sustentar.

“Vemos o quanto as paróquias estão se mobilizando para se manter vivas ao transmitir suas celebrações e atividades. Isso é muito bonito. No entanto, também precisamos continuar mantendo o serviço da caridade. Por isso, peço que, nas missas, não deixem de incentivar as pessoas a ajudar, a não se esquecer dos pobres de sua comunidade”, pediu o Missionário.

As doações ao Arsenal da Esperança podem ser entregues diretamente no local – Rua Almeida Lima, 900, Mooca – ou por meio de depósito bancário – Banco Santander, Ag: 0144 – Conta: 13-003147-6 – CNPJ: 62.459.409/0001-28 (FG)

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Testemunho que agrada a Deus e converte o coração

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30 de março de 2019

Unida à prática do jejum e da oração, a esmola sempre foi um meio de santificação dos fiéis aconselhado pela Igreja. O Catecismo da Igreja Católica ressalta que “a esmola dada aos pobres é um testemunho de caridade fraterna; é também uma prática de justiça que agrada a Deus” (nº 2462).

No entanto, esse termo muitas vezes é compreendido como o simples fato de ofertar dinheiro às pessoas necessitadas, sem valorizar as virtudes necessárias para que este seja um ato genuinamente cristão.

 

NA BÍBLIA

São muitas as passagens das Sagradas Escrituras que ressaltam o valor da esmola: “Quem se apieda do pobre empresta ao Senhor, que lhe restituirá o benefício” (Pr 19,17); “Dá esmola de teus bens, e não te desvies de nenhum pobre, pois, assim fazendo, Deus tampouco se desviará de ti” (Tb 4,7); “A esmola será para todos os que a praticam um motivo de grande confiança diante do Deus Altíssimo” (Tb 4,12); “Encerra a esmola no coração do pobre, e ela rogará por ti a fim de te preservar de todo o mal. Para combater o teu inimigo, ela será uma arma mais poderosa do que o escudo e a lança de um homem valente” (Eclo 29,15-16).

No Novo Testamento, também se encontram citações dessa prática: “Quem tiver duas túnicas, reparta-as com aquele que não tem, quem tiver o que comer, faça o mesmo” (Lc 3,11); “Dai o que tendes em esmola, e tudo ficará puro para vós” (Lc 11,41); “Se um irmão ou uma irmã não tiverem o que vestir e lhes faltar o necessário para a subsistência de cada dia, e alguém dentre vós lhes disser: ‘Ide em paz, aquecei-vos e saciai-vos’, e não lhes der o necessário para manutenção, que proveito haverá nisso?” (Tg 2,15-16).

 

OBRAS DE MISERICÓRDIA

As chamadas obras de misericórdia são as ações caritativas pelas quais o cristão socorre o próximo em suas necessidades corporais e espirituais.

Em sua mensagem para a Quaresma de 2016, no contexto do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, o Papa Francisco ressaltou que as obras corporais e as espirituais nunca devem ser separadas. O Pontífice acrescentou que “é precisamente tocando, no miserável, a carne de Jesus crucificado, que o pecador pode receber, em dom, a consciência de ser ele próprio um pobre mendigo”, isto é, necessitado da misericórdia de Deus.

 

CONTRA A AVAREZA

O ato de “abrir as mãos” ao dar esmolas é considerado um remédio eficaz contra o vício da avareza. Quanto mais apegado alguém for ao dinheiro, tanto mais deve fazer o exercício de “dar” boas e generosas esmolas.

Segundo São João Crisóstomo, quem dá esmola, como convém, aprende a desprezar as riquezas. “Quem aprende a desprezar as riquezas arranca a raiz de todos os males. Desse modo, não tanto faz o bem quanto recebe, não somente em consideração do proveito e recompensa da esmola, mas, também, porque sua alma se torna sábia, elevada e rica”, continuou.

 

DOM DE SI

A prática da caridade cristã também implica renúncia e abnegação, isto é, dar a vida, dar-se aos outros. “A abnegação cristã não se limita em fazer sacrifícios [...]. São abnegados os que se entregam ao próximo com alegria, sem dar importância à sua dedicação. Este é o espírito de Cristo”, explica o Padre Francisco Faus, em seu livro “A sabedoria da Cruz”.

São João Paulo II, na Carta Apostólica Salvifici Doloris, de 1984, apresentou a parábola do bom samaritano como um paradigma da caridade cristã, quando ele põe todo o seu coração, sem poupar nada, para socorrer o homem ferido à beira da estrada. Em outras palavras, dá a si próprio ao outro. “O homem não pode encontrar a sua própria plenitude a não ser no dom sincero de si mesmo”, disse o Santo.

Pode-se também dar esmolas, ou oferecer qualquer sacrifício, pelas almas do purgatório, por exemplo.

 

AMOR AO PRÓXIMO

Nesse aspecto, a prática quaresmal da esmola vai além da oferta material. “Se realmente nada podemos dar, mostremo-nos, pelo menos, afáveis para com os pobres. Deus premia o coração quando não há algo para dar. Ninguém diga: ‘Não tenho nada; a caridade não é só pão’”, afirmou Santo Agostinho.

Já São João Maria Vianney ressaltou que “a esmola não consiste somente em dar de comer a quem tem fome e em vestir o que está nu; mas são todos os favores que se prestam ao próximo, seja para o corpo, seja para a alma”, quando feitos “com espírito de caridade”.

O cristão não pode perder de vista que o critério da caridade deve ser sem pre o bem absoluto, a salvação eterna do necessitado. Nesse sentido, a caridade nunca deve ser feita para agradar o outro custe o que custar, mas para fazer o bem ao outro.

Por essa razão, muitos optam por, em vez de dar esmola diretamente às pessoas que pedem nas ruas, ajudar instituições e obras que promovem a caridade de maneira organizada na sociedade.

 

OLHAR E TOCAR

Em uma mensagem em vídeo enviada em 2013 para os argentinos, por ocasião da Festa de São Caetano, o Papa Francisco chamou a atenção para a maneira como as pessoas dão esmolas.

O Pontífice indagou os fiéis se, quando dão esmola, olham nos olhos da pessoa ou simplesmente jogam a oferta e vão embora. Para ele, é importante olhar, tocar e encontrar a pessoa.

“Isto é aquilo que Jesus ensina: ir ao encontro dos mais necessitados, como Jesus que ia sempre ao encontro do povo. Ele ia para encontrá-lo; ir ao encontro dos mais necessitados”, afirmou o Papa.

 

FRUTOS

A esmola atrai a bênção de Deus e produz frutos abundantes: cura as feridas da alma, que são os pecados; é “escudo da esperança, suporte da fé, remédio do pecado; está ao alcance de quem quiser praticá-la, e é tão grande como fácil; constitui a coroa da paz sem risco algum de perseguição; é o verdadeiro e o maior dom de Deus; é necessária aos fracos e cumula de glória os fortes. Por meio dela, o cristão recebe a graça espiritual, ganha méritos diante de Cristo juiz, e passa a ter a Deus como seu devedor”, destaca São Cipriano.

AS OBRAS DE MISERICÓRDIA

OBRAS CORPORAIS

Dar de comer a quem tem fome;

Dar de beber a quem tem sede;

Vestir os nus;

Dar pousada aos peregrinos;

Assistir os enfermos;

Visitar os presos;

Enterrar os mortos.

 

OBRAS ESPIRITUAIS

Dar bons conselhos;

Ensinar os ignorantes;

Corrigir os que erram;

Consolar os tristes;

Perdoar as injúrias;

Sofrer com paciência as fraquezas do próximo;

Rogar a Deus por vivos e defuntos.

 

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Missão Belém amplia projetos no Haiti e acolherá, diariamente, 3 mil crianças

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07 de fevereiro de 2019

“Quando chegamos, não havia nada em pé e o bispo local tinha morrido, vítima do terremoto, bem como a Doutora Zilda Arns. Então, foi-nos apresentada a região de Wharf Jeremie, que significa ‘Porto de Jeremie’. No início, ficamos três dias numa tenda oferecida pelo exército. Foi uma experiência muito difícil. Já se passaram quase nove anos a partir daqueles três dias. Desde então, muita coisa já mudou.”

Padre Gianpietro Carraro, fundador da Comunidade Missão Belém, foi ao Haiti em 2010, logo após o terremoto que devastou o País. Com a Irmã Cacilda da Silva Leste, iniciadora da Missão Belém ao lado do Padre Gianpietro e um voluntário, eles começaram um projeto que hoje atende 1.800 crianças de segunda-feira a domingo, durante dez horas diárias.

A inspiração para a ida da Comunidade ao Haiti veio a partir de uma frase dita pelo Cardeal Odilo Pedro Scherer, em fevereiro de 2010. “Por que vocês não vão ao Haiti? Com esse carisma de união e mergulho na realidade dos pobres, poderiam dar uma grande ajuda àquele povo sofrido”, disse o Cardeal, durante visita a uma das casas da Missão em São Paulo. Em novembro, a Missão Belém completa nove anos de missão no Haiti.

 

PROJETOS DESENVOLVIDOS PELA MISSÃO BELÉM

O Centro Zanj Makenson, mantido pela Missão Belém, desenvolve atividades e projetos na área da educação, saúde e profissionalização para os jovens.

A escola atende 1.800 crianças e adolescentes de 0 a 15 anos, desde o nascer até o pôr do sol. Além da catequese diária, os alunos têm atividades pedagógicas, esportivas e lúdicas, incluindo cinco refeições diárias.

Um prédio de dois andares está sendo construído e acolherá mais 700 crianças em dois turnos, com atividades pedagógicas e cursos profissionalizantes para jovens. “No conjunto, esperamos alcançar com o centro-escola 3 mil crianças/adolescentes nos próximos três anos, com idades entre 0 a 18 anos”, explicou Irmã Cacilda, em entrevista ao O SÃO PAULO.

Além disso, há um centro nutricional e uma enfermaria que acompanha cerca de 60 crianças com desnutrição. “Há muitas crianças que são encontradas nos barracos em situação de desnutrição grave. No centro, recebem cuidados médicos, alimentação e higiene. As mães têm orientações para o cuidado das crianças. Após ganhar peso e sair do quadro de desnutrição, vão para o berçário e jardim no centro- -escola”, explicou Irmã Cacilda.

O projeto mais recente é o hospital, que terá pelo menos 1.500 m2 , e vai compreender um pronto socorro, um bloco operatório para internação e uma maternidade.

CARA, CORAGEM E FÉ

Aos 45 anos, a missionária brasileira morou no Haiti durante um ano. “Voltei várias vezes para acompanhar o andamento e ampliação da evangelização e dos projetos. Vi a evolução das crianças. 1800 crianças não passam mais fome e se desenvolvem a cada dia, de maneira impressionante”, afirmou Irmã Cacilda.

“Andando pelas vielas no meio do labu (lama do esgoto), entrando nas kay tol (minúsculos barracos de lata), vendo um mar de crianças lambuzadas de esgoto e sem ter o que comer, roendo latinhas enferrujadas como vimos o pequeno Richinè aos três anos e que, hoje, aos 11 anos, estuda feliz aqui no centro; lembro-me de quando viemos aqui, há nove anos, com a cara, a coragem e a fé”, disse Irmã Cacilda.

Entre os dias 29 de janeiro e 2 de fevereiro, o Cardeal Scherer esteve no Haiti, onde visitou todos os projetos da Missão Belém, além de presidir a missa todos os dias da visita e rezar a oração da Via-Sacra com as crianças atendidas pelo Centro e seus familiares nas vielas da favela (leia mais nas páginas 3 e 12). Dom Odilo encontrou-se com autoridades civis e religiosas e abençoou a primeira pedra do novo hospital e do centro-escola.

Ao refletir sobre o Evangelho em que Jesus compara o Reino de Deus com uma pequena semente, o Cardeal afirmou que o trabalho da Missão Belém é como essa semente, lançada ao coração das crianças. “Essa semente, um dia, vai produzir frutos. Por isso, semear com coragem e esperança. Tenham a certeza de que o Espírito de Deus fará frutificar essas sementes”, afirmou o Cardeal, durante a homilia da missa por ele presidida na sexta-feira, 1º, transmitida ao vivo pelas redes sociais da Missão Belém.

 

DA ITÁLIA AO HAITI

Daniele Bruschi, 43, é italiano e está no Haiti desde abril de 2015. Responsável pela administração e economia do Centro, Daniele realiza atividades como a compra de alimentos, pagamento de salários e manutenção das máquinas.

“Não escolhi ser missionário no Haiti, foi um chamado de Deus, uma vocação. Minha conversão começou há cerca de um ano e meio antes de partir para o Haiti, quando comecei a acreditar verdadeiramente na existência de Deus e entendi que a vida que eu levava não correspondia à vontade de Deus para mim. Durante uma peregrinação a Medjugorje, em agosto de 2013, senti um forte chamado de Deus pedindo-me para deixar tudo e segui-lo. Em outubro de 2014, deixei meu trabalho, minha casa, minha família e saí para visitar a Missão Belém na Itália, depois fui para o Brasil e, finalmente, vim para o Haiti, onde moro”, contou Daniele à reportagem.

Ao ser perguntado sobre como percebe a Missão Belém no Haiti, o Voluntário enfatizou que “a Palavra de Deus causará uma grande mudança na sociedade haitiana”. Além disso, ele citou as crianças atendidas no Centro e as 220 pessoas que trabalham e, portanto, podem manter suas famílias com o salário recebido.

“Todos os dias percebo a presença e ação de Deus em nosso Centro. Ver crianças brincando no canal de esgoto me dói muito, mas também me motiva a trabalhar com mais esforço e dedicação. São as crianças que me dão forças para continuar dando minha vida por elas todos os dias. Lembro-me de uma menina suja e desnutrida que me parou um dia perto do centro pedindo-me para deixá-la ir à escola. Depois de alguns meses, era outra pessoa, bem vestida e limpa. Ela não estava mais desnutrida e está alcançando excelentes resultados na escola”, contou Daniele.

SOBRE O PAÍS

Daniele Bruschi explicou que, atualmente, no Haiti, não há água encanada, eletricidade, saúde, comida e trabalho. “Há também enormes problemas com o gerenciamento de resíduos, as estradas são constantemente invadidas pelo lixo que, em seguida, atinge o mar durante as chuvas. Outro problema grave diz respeito à corrupção. É um problema de tais dimensões e tão enraizado que impede o desenvolvimento econômico e social do País. As estradas são muito irregulares e isso causa acidentes que são frequentemente graves ou mortais. A pobreza é grande e, muitas vezes, as pessoas não podem comer regularmente todos os dias. Em particular, as crianças são as que mais sofrem com essa situação de miséria”, disse.

O Voluntário italiano enfatizou também que, nos últimos tempos, há dificuldade em encontrar diesel e gasolina para geradores, além do gás para cozinha e até mesmo água. “As maiores lojas de alimentos permaneceram fechadas, aparentemente por um confronto com o governo. Há uma grande instabilidade política e econômica que leva a um aumento de episódios de violência”, afirmou Daniele.

Ele salientou, também, o fato de que ainda existem tantas pessoas analfabetas. “Sem educação, não é possível formar pessoas que possam trabalhar e construir uma família e uma sociedade melhor no futuro”, disse, recordando também a necessidade de que se estabeleça um sistema de saúde pública que permita aos haitianos tratarem a si mesmos e não morrerem “por uma simples infecção ou disenteria não tratada”

Nicola Casarin, engenheiro voluntário, salientouque o Haiti precisa, em primeiro lugar, de uma reforma política e cultural. “A sociedade vive contradições inimagináveis que levam a uma miséria e tiram a esperança e a possibilidade de vida de centenas de milhares de crianças em todas as partes do País. É necessário ajudar pessoas para que elas possam encontrar em si mesmas recursos e sair da pobreza.” Ele falou também sobre a corrupção generalizada em todos os níveis da sociedade, que está impedindo o desenvolvimento de um sistema produtivo econômico que funcione.

UM PAI MISSIONÁRIO

Nicola Casarin, 45, italiano, visita o Haiti regularmente por cerca de 15 dias a cada dois meses para acompanhar os projetos e o canteiro das obras das novas escolas e do novo hospital “Paolo Valle”, além da ampliação da primeira escola

Voluntário e membro da Missão Belém, Nicola é casado com Enrica e pai da Maria Clara, que tem 6 anos de idade. “Minha escolha de trabalhar em tempo integral na missão é, na verdade, uma escolha da família, porque no meu trabalho para o Haiti, tanto no período em que estou na Itália, quanto no período em que estou no Haiti, minha família está sempre em meu coração. Maria Clara sempre me pede que construa um parque com belos jogos para as crianças no Haiti”, recordou.

Para Nicola, o trabalho da Missão Belém é muito maior do que o que pode ser percebido de fora. “Os missionários doam o tempo e o coração pela causa e, assim, veem a mudança também dos seus próprios corações. Do Haiti você nunca volta para casa como antes”, afirmou o Engenheiro.

 

HISTÓRIA DE UM JOVEM HAITIANO

Muscadin Djorgenly, 22, nasceu em Porto Príncipe e mora em Wharf Jeremie. Atualmente, ele coordena uma atividade pastoral com crianças e trabalha na equipe de caridade da Missão Belém, que tem a função de buscar as crianças ausentes da escola.

“Comecei a participar da Missão Belém assim que eles chegaram aqui, frequentava o grupo de oração, que acontecia, às vezes, perto da minha casa. Com a Missão, aproximei-me realmente de Deus. Além disso, a Missão me ajudou dando um trabalho para minha mãe, que, assim, conseguiu me sustentar”, contou Muscadin, que também teve uma oportunidade de trabalho após terminar o período escolar.

Todos os dias, Muscadin anda pelos barracos em busca das crianças e, aos fins de semana, ajuda no trabalho pastoral. “A Missão transformou muitas coisas em minha vida, me ajuda a amadurecer no conhecimento da Palavra de Deus. Sou muito grato por ter conhecido a Missão Belém e poder fazer parte dela”, disse o jovem.

 

 

 

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Da mesma massa do pão

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21 de julho de 2017

Eles vivem com a mão na massa, literalmente. Gilson Alves de Lima é o padeiro e auxiliado por Luiz Carlos da Silva fazem uma média de 1.300 pães por dia na padaria do Sítio São Miguel Arcanjo, que fica no município de Jarinu (SP). O Sítio é um dos cinco na região que acolhe e acompanha pessoas com dependências químicas, sobretudo o crack, idosos ou com alguma deficiência mental, encontrados em situação de rua pelos membros da Missão Belém.

Gilson tem 35 anos, dois filhos e, há seis meses, conheceu a Missão Belém. Trabalhou 18 anos em padarias na cidade de São Paulo e atualmente sua família mora no Itaim Paulista, bairro no extremo da zona Leste na capital. Sentado, com um caderninho quadriculado sobre a pequena mesa, Gilson marcava os pedidos de pão das casas onde moram os cerca de 420 internos do Sítio e logo mais iria para uma delas almoçar pontualmente ao meio-dia.

Disciplina, partilha de vida, trabalho e momentos de espiritualidade fazem parte da rotina daqueles que desejam se recuperar de um vício que, na maioria das vezes, os afastou da família e da profissão. A Missão Belém, que no dia 1º de outubro completou 10 anos em São Paulo, começou ali, naquele lugar escondido em Jarinu, a partir da inspiração do Padre Giampietro Carraro, que reuniu um grupo de moradores de rua e, com muitas doações, iniciou a construção de uma casa.

Além do São Miguel Arcanjo, há o Sítio Pai Ernesto, com atividades exclusivamente agrícolas, a Vila São Pedro e Santa Marta, o Rainha da Paz e o Nossa Senhora de Fátima, este último para as mulheres. Ao todo são mais de mil internos homens e cerca de 80 mulheres. Logo na entrada, a reportagem foi acolhida com um cafezinho e um lugar para se abrigar da chuva, que aquele dia não deu trégua em São Paulo. Ainda assim, todos trabalhavam em alguma das diversas oficinas do Sítio.

Maicon Lourenço Carmona estava na marcenaria terminando de fazer a réplica em miniatura de uma igreja com a qual iria presentear a esposa. Ali são feitos ou reformados todos os móveis utilizados nas casas, a maioria a partir de madeiras doadas. Logo à frente, estavam Moracy Moraes, mecânico, e Antônio Souza, funileiro na Oficina Mecânica, onde vão para o concerto os carros da instituição. Na serralheria, Francisco José Ramos trabalhava na produção de mais um beliche. Ele tem um filho e está no Sítio há quase um ano, mas pretende voltar para Mauá (SP), onde mora a família, após seu processo de recuperação.

A vida do Márcio, após sete anos

A reportagem foi acompanhada na visita às oficinas por Márcio Antônio dos Santos, que tem 52 anos e, aos 45 anos, conheceu a Missão Belém quando estava em Santos (SP). Márcio nasceu no interior de Minas Gerais, mas veio ainda bem pequeno para São Paulo com a família que era muito pobre. Aos 15 anos, ele começou a usar maconha e após a morte da mãe, passou também traficar, até que, com 25 anos, conheceu o crack. Aos 21, ele tinha conhecido uma moça e com ela chegou a se casar e ter uma filha. “Quando minha esposa soube do meu vício, tentou me ajudar, mas eu não aceitei”, contou. Ele, então, se afastou da família e entrou para o crime. Fez parte de uma quadrilha que roubava as estações de metrô de São Paulo e, em um dos assaltos à bilheteria da estação Trianon, foi preso.

Condenado a 20 anos, Márcio conseguiu a liberdade após oito anos cumprindo pena, quando resolveu morar em Santos. Lá, depois de um ano trabalhando, foi convidado por algumas pessoas que conheceu na prisão a roubar terminais de carga. “Era um tempo de muito perigo e dinheiro também. Às vezes, saía de um assalto com 50, 60 mil reais. Gastava todo o dinheiro com boates, drogas e prostitutas. Depois, partia para novos assaltos. Fui perseguido e baleado pela polícia, mas não conseguiram me prender novamente.”

Uma manhã, porém, após três dias em um hotel com uma mulher, Márcio sentiu que aquela vida não tinha mais sentido para ele. Pediu que a mulher fosse embora e levasse com ela a pedra de crack que eles estavam usando. Ele começou a rezar. Pediu a Deus que o ajudasse. “Saí sem rumo e comecei a perambular pelas ruas de Santos. Foi quando entrei numa igreja. Vi alguns irmãos limpando a Igreja, mas não tive coragem de falar com ninguém. Eles saíram e voltaram e eu ainda estava lá. Então, um deles se aproximou e me chamou para conhecer a Missão Belém. Relutei no início, mas acabei aceitando, com o objetivo de voltar logo. Quando cheguei à casa, começaram a me oferecer roupa, comida, me convidaram para rezar com eles. Fiquei impressionado, pois nunca os tinha visto antes.”

Márcio resolveu ficar e nunca mais voltou para a rua. Desde lá, já são sete anos. Hoje ele é o coordenador e responsável jurídico de todos os sítios da Missão Belém que estão em Jarinu e também daquele das mulheres, em Jundiaí (SP). Reaproximou-se da esposa e da filha, tem quatro netos e pretende continuar sendo voluntário na Missão Belém em Jarinu ou em outro lugar que precisarem dele.

O almoço com arroz, feijão, linguiça e salada da horta foi preparado por um dos acolhidos voluntários da casa onde Márcio mora atualmente. Do Sítio São Miguel, a reportagem seguiu para Jundiaí, para visitar o sítio feminino. Logo mais Gilson e Luiz iriam recomeçar a preparar a massa do pão que eles colocam no forno mais ou menos às duas horas da manhã. Juntos, eles fizeram um enorme bolo para o aniversário de 10 anos da Missão. “Estou aprendendo muito com o Gilson”, comentou Luiz. “Eu tinha feito um curso de auxiliar de padeiro, mas nem se compara à experiência vivida aqui. Da mesma massa, ele faz mais de sete receitas, apenas acrescentando mais ovos, leite ou açúcar. É incrível”, continuou o paulista, que está há sete meses no Sítio e pretende trabalhar como padeiro quando sair.

Percursos desconhecidos

De Jarinu até Jundiaí, onde está localizado o sítio Nossa Senhora de Fátima que acolhe mulheres, a reportagem do O SÃO PAULO foi acompanhada por Joana D’arc Silva de Oliveira, que aos 27 anos decidiu doar seu tempo e seus conhecimentos como voluntária para a Missão Belém. Ela formou-se em educação física e mora em Itatiba (SP) com a família, mas todos os dias, com uma ajuda de custo, se desloca até as casas em Jarinu para desenvolver atividades de ginástica com os internos, sobretudo os idosos e pessoas com deficiência.

Durante o percurso, Joana indicou uma barraquinha na estrada. “Essa banca de verduras é de responsabilidade dos internos do Sítio Pai Ernesto. Eles plantam, colhem e vendem aqui”, explicou. Lá estava Carlos Eduardo Dias da Silva, com suas hortaliças fresquinhas. Por causa da chuva, a conversa com Carlos foi interrompida e a viagem prosseguiu até Jundiaí por mais 40 minutos.

Cicatrizes e sentimentos

Ali, naquele espaço amplo e bonito funcionava uma granja. Mas o dono decidiu doar para que crescesse algo mais que o alimento do corpo. São mais de 70 mulheres no Sítio Nossa Senhora de Fátima em cinco casas independentes uma da outra. Cada uma tem sua coordenadora e monitora, assim como nos alojamentos masculinos. Em uma delas, o milho estava sendo cozido no fogão de lenha e o chá de erva cidreira espalhava seu cheiro por todos os lados. As mulheres estavam lá, ao redor do fogão

O atual espaço da igreja estava com as horas contadas, pois no dia seguinte seria derrubado para a construção de uma nova. Outras três casas também estão sendo construídas, o que ampliará o número de vagas para cerca de 150. Sheila de Jacinto é a responsável pelo Sítio. Aos 36 anos, por causa do vício do álcool, ela se afastou da família e dos filhos e hoje pretende continuar como missionária na instituição. “Quando cheguei aqui, fiquei responsável pela casa onde estão as idosas e no início foi muito difícil, pois eu não tinha nenhuma paciência. Mas com o tempo, fui me afeiçoando tanto por elas que, quando saí, senti muita falta”, contou.

No Sítio, há também uma pequena padaria, mas as mulheres ganham uma doação do pão já feito e só é necessário assar. Além da horta, elas estão montando uma oficina de costura, que ensinará o ofício para as mulheres que desejarem e, naquela tarde, estava acontecendo também uma formação para coordenadoras e monitoras. Adriana de Lima é coordenadora da Casa Maria Mãe de Deus e está no Sítio há três meses. “Fiquei 20 anos na Cracolândia e fui presa durante seis meses por uma tentativa de homicídio. Foi na cadeia que eu conheci a Missão Belém. No fim de 2014, cheguei a vir para cá, mas voltei para rua e foi pior do que antes. Tive uma amnésia e até hoje não me lembro onde morava”, disse.

Ela tem três filhos, uma menina com 23 anos, outra de 15 e um menino que tem 10 anos, mas há sete meses não tem notícias dos filhos. “Dou graças a Deus que não estou morta, pois fui ameaçada muitas vezes, inclusive pela polícia.” Adriana nasceu em Campinas (SP) e foi a terceira criança a ser achada no lixão da cidade, em 1986. “Fui desencantada pelos médicos, mas depois de um ano, fui adotada pelos próprios médicos que fizeram o parto da minha mãe. Vivia numa grande família, mas quando cheguei à adolescência, queria sair, conhecer o mundo e minha mãe não permitia. Comecei, então, a fugir de casa e a usar drogas. Primeiro cola, depois tíner e benzina e fui direto para o crack. Tudo isso com menos de 15 anos.”

Ela ficou na rua durante cerca de oito anos. “Sofri estupro, aborto e minha vida é cheia de fatos ruins. Aos 38 anos, nunca consegui ficar em pé, sempre indo e voltando, mesmo com apoio da minha família. Ultimamente, tinha até uma barraca para vender crack na Cracolândia; mas agora, sinto que estou recomeçando porque eu quero. A pessoa precisa querer recomeçar. Se amo meus filhos e minha família, tenho que me cuidar primeiro”, reconheceu Adriana, enquanto mostrava as cicatrizes do último conflito com a polícia, e um quadro pequeno que pintou durante a permanência no Sítio. “Aqui, descobri que pinto e ganhei telas e tintas para desenvolver meu dom”, disse sorrindo a paulista que, enquanto estava cumprindo sua pena participou de um concurso de música e ganhou um violão, roubado após dois dias que ela deixou o cárcere.

Nos alojamentos masculinos, a permanência chega a 63%, mas no feminino esse percentual é significativamente menor. Todos os dias, chegam e vão embora meninas do Sítio Nossa Senhora de Fátima. Sheila acredita que um dos motivos é a maior facilidade que a mulher tem de sobreviver na rua. A vida delas em Jundiaí está em constante transformação, mesmo que algumas feridas demorem a cicatrizar. Lá, se pode ver as construções que uma a uma vão dando ao lugar uma cara nova. O pão para o lanche da tarde tinha acabado de sair do forno quando deixamos o lugar. Belém em hebraico significa “casa do pão”, e assim, as portas das casas da Missão Belém, seja no interior do Estado ou na Capital, estão sempre abertas para quem quer colocar a mão na massa, sobretudo naquela massa que faz modificar o coração e o desejo para crescer a liberdade.

Publicado originalmente no jornal O SÃO PAULO, edição 3075, de 28 de outubro a 3 de novembro de 2015.

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‘Uma família para quem não tem família’

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20 de julho de 2017

O fundador da Missão Belém, Padre Gianpietro Carraro, que se encontra em missão no Haiti, divulgou nesta quarta-feira, 19, uma mensagem na qual esclarece notícias sobre as recentes mortes de pessoas atendidas em uma das casas mantidas pela comunidade, em Jarinu (SP).

De acordo com reportagem publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo também publicada na quarta-feira, ao menos 14 pessoas que viviam no Sítio Rainha da Paz, em Jarinu, morreram nos últimos 30 dias. Pelo menos nove delas apresentavam quadros de diarreia e vômito, acompanhados de desnutrição, desidratação ou intoxicação alimentar. As certidões de óbitos mostram que as vítimas morreram por causas variadas, como sepse (infecção generalizada), insuficiência cardíaca, edema agudo do pulmão e pneumonia.

Padre Gianpietro explicou que a maioria dos doentes graves (cerca de 150) se encontram no sítio em Jarinu. “O processo para ajuda-los é sempre o mesmo. Depois de uma internação hospitalar, normalmente em São Paulo, são acolhidos na nossa casa de Jarinu, onde tem um clima mais salutar para poder melhorar”, disse.

Muitas das pessoas acolhidas pela Missão Belém já chegam com graves problemas de saúde causados pela dependência química e que, como o Padre Gianpietro afirmou, são “irmãos que não podíamos deixar morrer nas ruas”. “Nós oferecemos tudo o que podemos, como uma boa família faria para o seu próprio pai que está morrendo. Como mostram os óbitos que temos na mão, as causas da morte são ligadas a problemas cardíacos, respiratórios, HIV e mais...”, acrescentou.

O Fundador informou, ainda, que normalmente essas pessoas são levadas aos hospitais, mas, depois de receberem alta, continuam vivendo na Missão Belém porque não têm aonde ir. “Hoje, 600 se encontram nas nossas casas e são cuidados como se fosse um parente próximo que precisa de ajuda. Pelos nossos princípios humanos e cristãos não podemos deixar que uma pessoa morra na rua abandonada e doente”, reiterou o Padre.

O Sacerdote salientou que a Missão Belém não é um abrigo, hospital ou clínica de recuperação de dependentes químicos, mas “uma família para quem não tem família”, referindo-se às mais de 50 mil pessoas acolhidas nos 12 anos de atuação da comunidade. Atualmente, a comunidade acolhe 2,2 mil pessoas em 167 casas. “Dos que aceitaram a caminhada de restauração religiosa e humana, cerca de 40% se recuperaram totalmente e agora estão trabalhando, construindo sua família”, completou o Fundador.

Padre Gianpietro reforçou, ainda, que todo o trabalho realizado pela Missão Belém é completamente gratuito. “Sem dúvida estamos fazendo uma parte que caberia aos órgãos públicos. Esperamos que essa situação seja uma ocasião para refletir profundamente sobre esse problema”, afirmou.

Por meio de nota, a Arquidiocese de São Paulo também manifestou pesar pelas mortes e recordou que nesses anos de atuação, a Missão Belém tem acolhido pessoas que muitas vezes são “rejeitadas pela sociedade e pelas próprias famílias, oferecendo a estas moradia, alimentação, dignidade, ambiente familiar, mantendo-os longe das ruas, das drogas e da influência dos traficantes, contando com a ajuda de benfeitores e voluntários, sem contar com verbas dos poderes públicos”.

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Crack, a pedra que escraviza

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Missão Belém, 6 anos de solidariedade no Haiti

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13 de julho de 2017

Irmã Renata Lopes é missionária da Missão Belém e está há seis anos no Haiti. Pelo WhatsApp, ela conversou com a reportagem do O SÃO PAULO sobre a situação do país após o furacão da última semana e sobre as atividades da comunidade na capital, Porto Príncipe. O texto a seguir, narrado em primeira pessoa, transcreve o relato enviado pela Irmã.

 

 

O ciclone passou perto de nós

O ciclone passou perto de nós, mas não nos atingiu. Estamos num bairro bem próximo do mar e também cor- ríamos risco. Nesse momento, a gente percebe o país num estado muito complicado. As pessoas perderam parentes ou seus parentes estão desabrigados. Muitos têm familiares em [Warf ] Jérémie, uma das cidades que mais sofreu com o furacão.

Estamos em missão no Haiti há seis anos, viemos depois do terremoto de 2010 e nos instalamos num bairro muito pobre, Warf Jérémie. O bairro carece de tudo: água, luz, banheiro. As pessoas sofrem muito com a miséria, a fome, grande parte das crianças não vai à escola. Desde que chegamos, queríamos trabalhar com a evangelização, pois aqui não havia nenhuma igreja e, por isso, atuamos junto à Paróquia. No espaço da nossa missão há uma capela e temos a missa, Catequese para crianças e adultos, preparação para o Matrimônio etc. Nossa ação tem sido também com a educação. Nosso centro educacional tem 1.100 crianças que iniciam no berçário e vão até o 5º ano. As crianças passam o dia todo conosco e têm direito a atendimento médico, odontológico, três refeições diárias e a oportunidade de ter e sonhar com uma vida melhor.

 

‘Vim aqui para ajudar

Sempre digo que é um grande privilégio estar aqui, mesmo com tantas dificuldades. Mesmo estando num bairro e num país com muitos e graves problemas sociais, vejo que Deus tem me ajudado nas minhas dificuldades, pois o mais importante é não parar nelas. Uma das lições que tenho aprendido é justamente essa, não olhar para minhas dificuldades, mas para as dificuldades das crianças que não tiveram oportunidade de ir à escola ou não conseguem aprender a ler, devido à malformação que começou por falta de alimentação adequada, ainda no ventre da mãe, ou ainda para aquelas que morrem por desnutrição, por exemplo. Eu sinto que, ao olhar todo esse contexto, consigo ir em frente e não parar nas minhas dificuldades, pois vim até aqui para ajudar, por pouco que seja, a melhorar a vida dessas pessoas. Assim, nossa missão é levar a Palavra de Deus também por meio da educação, e perceber que temos conseguido resultado ao longo destes anos me deixa muito feliz.

Ao chegarmos aqui, não tínhamos muitos recursos financeiros. Tínhamos, contudo, um projeto de construir uma escola para no máximo 150 crianças e começamos numa casa emprestada, que depois alugamos. Ao longo do tempo, foram chegando ajuda de tantos voluntários e, com a nossa luta e a ajuda de Deus, hoje temos um centro com 33 salas, 1.100 alunos e 75 professores. Para mim, isso é um grande milagre que se construiu ao longo destes anos. Tenho vivido a experiência de acreditar. O projeto no Haiti é um grande sonho de Deus realizado por meio da Missão Belém, e por isso estamos doando nossa vida aqui. Agradeço às pessoas que nos ajudam com o apadrinhamento e com as orações.

 

A situação das crianças

Presenciamos centenas de casos de crianças mortas aqui em Jérémie. Des- de que nos mudamos, víamos pessoas com caixas de madeira na cabeça e depois as víamos cavando buracos no chão. Só depois de alguns meses, entendemos que estavam enterrando as crianças aqui no bairro, que é, na verdade, um grande aterro. E o lugar escolhido para o enterro era um espaço com lixo e muitos por- cos. Quando percebemos que as crianças eram enterradas ali, no lixo, ficamos chocados. Depois disso, tentamos ajudar a enterrar essas crianças com dignidade; mas são muitas as que morrem de desnutrição, desidratação por diarreia, porque as crianças sofrem bastante com a diarreia, decorrente da sujeira. O bairro não tem saneamento básico, e isso atrai diferentes doenças.

Para tentar mudar essa situação, o nosso centro educacional funciona de segunda-feira a sexta-feira, das 8h às 17h, e aos sábados e domingos, das 13h às 17h, e, quando não temos aulas, no período das férias, nos organizamos para dar refeições às crianças que só comem aqui no centro educacional, pois se as crianças não comerem aqui, não comerão em casa. Isso porque antes, quando fechávamos nas férias, percebíamos que as crianças não retornavam às aulas. Quando íamos investigar, descobríamos que elas tinham morrido de fome ou de desidratação, porque a mãe não dava água ou a criança estava com alguma doença e ninguém percebeu. A morte de crianças é uma realidade muito dura neste lugar. Por isso, dentro do nosso centro, temos uma enfermaria e conseguimos atender cerca de 30 crianças desnutridas, que é pouco, mas é o que conseguimos fazer e, na medida do possível, vamos tentando ajudar.

 

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