Dom Cristóbal López Romero: ‘A igreja Católica existe no Marrocos, e é samaritana’

Por
03 de abril de 2019

A universalidade da Igreja Católica torna-se palpável em muitos lugares onde o Cristianismo é uma minoria, incluindo o Marrocos, País com 37 milhões de habitantes, 99,9% dos quais muçulmanos e apenas 0,08% católicos.

Uma pequena, mas grande Igreja, realiza seu trabalho pastoral entre os fiéis católicos no País. A Igreja apoia os mais desfavorecidos entre a população marroquina e os milhares de jovens que atravessam o deserto da África Subsaariana à procura de um futuro na Europa idealizada.

No último fim de semana, dias 30 e 31, o Papa Francisco viajou para a região situada na fronteira entre a África e a Europa. Em resposta a um convite do rei Mohammed VI e dos bispos do País, o Pontífice visitou as cidades de Rabat e Casablanca.

 

VIVER E TRABALHAR NO NORTE DA ÁFRICA

Em uma entrevista televisiva à Ajuda à Igreja que Sofre (ACN, na sigla em Inglês), Dom Cristóbal López Romero, Arcebispo de Rabat, falou sobre o que significa viver e trabalhar nesta nação norte-africana.

“A Igreja Católica existe no Marrocos”, disse orgulhosamente o Arcebispo no começo da entrevista. “É uma Igreja vibrante e jovem, abençoada com misericórdia e com um forte desejo de testemunhar.”

O País do norte da África tem duas catedrais, uma em Tânger e uma segunda em Rabat. A primeira foi construída durante o tempo do protetorado espanhol, a segunda durante o tempo do protetorado francês. Dom Cristóbal, salesiano de Dom Bosco, continuou: “Mais jovens do que pessoas idosas vêm a nossas igrejas, mais homens que mulheres, mais negros que brancos”.

Os membros da Igreja no Marrocos são, em sua maioria, estrangeiros, fiéis de mais de cem países diferentes. Eles geralmente trabalham em empresas que operam subsidiárias no Marrocos. Além disso, muitos vêm de países ao sul do Saara, como o Congo, o Senegal ou a Costa do Marfim. Eles se mudam para o Marrocos para prosseguir seus estudos e encontrar o “sentimento de segurança” que estão procurando com a Igreja Católica.

Os religiosos católicos que lá estão são de mais de 40 países diferentes. Dom Cristóbal explica: “Ser católico significa ser universal, global”. Essa universalidade exige que as pessoas deixem de lado aquilo que as torna distintas e se concentrem no que é compartilhado. “Nós procuramos o que é importante, essencial. As diferenças nos enriquecem. Nós somos abertos uns com os outros e vemos as diferenças como uma oportunidade, não um problema.”

 

É COMO UMA IGREJA SAMARITANA

A Igreja marroquina e as instituições de caridade com que trabalha recebem e ajudam quem é mais fraco, independentemente do seu passado. Principalmente, eles são ativos dentro da sociedade marroquina e para os imigrantes vindos de países ao sul do Saara, que estão tentando alcançar a Europa ou permanecer no norte da África. “A Igreja aceita e cuida dos necessitados, ou seja, é uma Igreja samaritana”, disse o entrevistado.

Por meio da Caritas local, o Marrocos cuida de milhares de migrantes que atravessam o Saara e, depois de completarem essa difícil travessia, “permanecem presos” no País, sem poder continuar para a Europa. “Essas pessoas precisam de cuidados e de um ouvido solidário. A maioria delas está doente quando chegam e muitas mulheres estão grávidas. A Igreja os “absorve, protege, promove e integra, assim como o Papa Francisco nos pediu”, afirma o Bispo. O trabalho da Igreja no Marrocos é tão importante que “até as autoridades muçulmanas apreciam seus esforços”.

 

MIGRAÇÃO E DESIGUALDADE

Quando perguntado por que os jovens estão fugindo da África, Dom Cristóbal explicou que as razões econômicas são o principal impulso para a maioria dos jovens migrantes. Eles estão fugindo da pobreza e do desemprego, mas muitos também estão fugindo de guerras, hostilidades, perseguições ou desastres naturais. De acordo com o Arcebispo de Rabat, o problema da migração na África será impossível de resolver, contanto que “30% dos alimentos produzidos continuem a ser jogados fora na Europa”, e as pessoas continuem a viver “em excessos e grandeza”, enquanto que, ao mesmo tempo, esperam que aqueles “que vivem em circunstâncias miseráveis aceitem passivamente seu destino” e a sociedade permaneça inconsciente de seu comportamento. “Certamente, não é cristão e pode até ser chamado de desumano que a Europa proteja suas fronteiras para que não tenha que compartilhar o que pertence a todos e o que a Europa se apropriou”, expressou sua indignação.

O Arcebispo lembrou as palavras do Papa Francisco: “O capitalismo mata”. “Em vez de fornecer ajuda, devemos pagar pelas matérias-primas que exploramos. Devemos ter certeza de que as corporações multinacionais pagam os impostos que devem.” Ele acredita que a África não pode ser ajudada com “migalhas, mas com planos de justiça e desenvolvimento. Nós não somos nada sem amor, somos menos ainda sem justiça.”

Ainda segundo Dom Cristóbal, “o jovem marroquino está preso em seu próprio País”. O Marrocos está sofrendo por causa de sua localização geográfica, pelo fato de não haver uma maneira realista de deixar o País. Para o sul está o vasto deserto do Saara; para o oeste, o Atlântico; para o leste, a Argélia – e a fronteira para esse País está fechada devido à guerra – e para o norte, a Europa. “Muitos jovens do Marrocos apontam para a Espanha e perguntam: ‘Por que eles podem vir aqui, mas eu não posso ir lá?’”.

 

LIBERDADE RELIGIOSA?

Uma questão totalmente diferente, com a qual o Papa Francisco foi confrontado, durante sua viagem, é o status da liberdade religiosa no País. Como a fundação pontifícia ACN concluiu no Relatório Liberdade Religiosa no Mundo de 2018, de acordo com a sua constituição, o Reino do Marrocos é um Estado soberano muçulmano. O Artigo 3 diz: “O Islã é a religião do Estado, com a garantia a todos ao livre exercício de crenças”. No entanto, a Constituição proíbe partidos políticos, parlamentares ou emendas constitucionais que infrinjam o Islã. O Parlamento Europeu reconhece que a liberdade religiosa está consagrada constitucionalmente no Marrocos, mas acrescenta que “os cristãos e especialmente os muçulmanos que se converteram ao Cristianismo enfrentam numerosas formas de discriminação e não podem pisar em uma igreja”. Sob o Código Penal marroquino, proselitismo para os não muçulmanos, isto é, “abalar a fé” da população muçulmana, é ilegal. A distribuição de materiais religiosos não islâmicos também é restringida pelo governo.

 

As opiniões expressas na seção “Com a Palavra” são de responsabilidade do entrevistado e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do jornal O SÃO PAULO.

Comente

Papa vai ao Marrocos e reforça os laços entre cristãos e muçulmanos

Por
10 de abril de 2019

Em uma viagem de dois dias durante o fim de semana, 30 e 31 de março, o Papa Francisco celebrou a maior missa na história do Marrocos, para 10 mil fiéis. Na ocasião, o Pontífice encontrou-se com migrantes, assinou uma declaração conjunta com o rei do País, Mohammed VI, sobre o valor religioso da cidade de Jerusalém e reforçou os laços de amizade e irmandade com a comunidade muçulmana.

 

MISSA NO GINÁSIO MOULAY ABDELLAH

Ao refletir sobre o Evangelho que narra a história do “filho pródigo”, no domingo, 31, na cidade de Rabat, o Santo Padre apontou para a frequente incapacidade de as pessoas perdoarem os irmãos, assim como falhas em garantir “que ninguém fique de fora”. No entanto, conforme a parábola, o pai é misericordioso com o filho que esteve distante, pecador, mas que resolve voltar e se reunir à família.

“São tantas as circunstâncias que podem alimentar divisão e confronto, são inegáveis as situações que podem nos levar a nos dividirmos”, pois “a experiência nos diz que o ódio, a divisão e a vingança só conseguem matar a alma dos nossos povos, envenenar a esperança de nossos filhos e levar consigo tudo o que amamos”.

 

COM OS IMIGRANTES

Os cristãos chegaram ao Marrocos pela primeira vez entre o segundo e o terceiro séculos, mas hoje restou apenas uma pequena minoria no País, que é majoritariamente muçulmano.

Logo depois de ter sido acolhido pelo rei marroquino, o Papa se reuniu com migrantes acolhidos por centros da Caritas no País. A maioria dos migrantes provém de outros países africanos, visto que o Marrocos está localizado no norte da África. Muitos partem dali na travessia do Mediterrâneo rumo à Europa.

Na ocasião, o Papa agradeceu aos missionários que ajudam os migrantes no Marrocos e ouviu testemunhos. Francisco chamou o fenômeno das migrações de “uma grande ferida” do século XXI. “Não queremos que a indiferença e o silêncio sejam a nossa palavra”, disse.

O Papa lembrou, ainda, da Conferência de Marrakesh, realizada em dezembro de 2018, na qual adotou-se um pacto global, após 18 meses de negociações, para que as migrações sejam “seguras, ordenadas e regulares”. Ele insistiu: “O que está em jogo é o rosto que queremos dar a nós mesmos, como sociedade, e o valor de cada vida [humana]”.

 

JERUSALÉM, CIDADE SANTA

Também no sábado, Francisco assinou uma declaração conjunta com o rei Mohammed VI, na qual ambos reconhecem o inigualável valor religioso da cidade de Jerusalém para as três principais religiões monoteístas: o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo.

“Consideramos importante preservar a cidade santa de Jerusalém/Al Qods Acharif como patrimônio comum da humanidade e, sobretudo, para os fiéis das três religiões”, diz o texto, demonstrando o desejo de que a cidade permaneça sendo local “de encontro e símbolo de coexistência pacífica”. Por sua riqueza histórica, cultural e religiosa, Jerusalém é tida como uma cidade de “peculiar identidade”. O Papa e o rei muçulmano pedem que o acesso à cidade seja garantido a todos os fiéis das três religiões.

 

OUTROS ENCONTROS

Como de praxe, o Santo Padre se reuniu com autoridades locais, civis e religiosas, membros do clero e pessoas consagradas que atuam no Marrocos. Ele também visitou uma obra social administrada pela Congregação das Filhas da Caridade.

Aos consagrados, recordou a importância de difundir a fé cristã não só por meio do convencimento ou proselitismo, mas especialmente por meio do testemunho de vida. Entre os missionários que cumprimentou, estava o monge trapista Jean-Pierre Schumacher, o único sobrevivente do famoso massacre de Tibhirine, na Argélia, quando sete monges foram assassinados brutalmente dentro do mosteiro, durante a guerra civil, em 1996.

 

CONSTRUIR PONTES, NÃO MUROS

Durante o voo de retorno a Roma, no domingo, o Papa concedeu a tradicional coletiva de imprensa. Conforme transcrição publicada por Andrea Tornielli no site Vatican News, Francisco comentou a relação entre cristãos e muçulmanos, a questão migratória, o problema dos abusos sexuais e de poder cometidos por membros do clero, e os riscos do surgimento de novas ditaduras políticas.

A frase que mais repercutiu na imprensa internacional diz respeito à fraternidade entre cristãos e muçulmanos. “Ainda há dificuldades”, reconheceu, dizendo que em todas as religiões há grupos extremistas. Porém, “quem constrói muros terminará prisioneiro dos muros que construiu. Em vez disso, aqueles que constroem pontes seguirão em frente”, declarou.

 

LEIA TAMBÉM: ‘Cristo vive’: jovens são o destaque em nova exortação apostólica de Francisco

 

 

Comente

Para pesquisar, digite abaixo e tecle enter.