Evolucionismo e criacionismo: um diálogo entre fé e ciência

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03 de novembro de 2017

“Como conciliar evolução e Criação?” e “Paulo [o Apóstolo] compara Jesus a Adão. Sendo assim, podemos dizer que Adão realmente existiu?”, foram perguntas que surgiram após a palestra “Evolucionismo e criacionismo: um diálogo entre fé e ciência”. O evento foi promovido pelo Vicariato para Educação e a Universidade, o Núcleo de Fé e Cultura da PUC-SP e a Pastoral Universitária, e aconteceu na noite de 25 de outubro, no campus Perdizes da PUC-SP.
Eduardo Rodrigues da Cruz, Professor da PUC-SP, Doutor em Teologia pela Universidade de Chicago e dedicado à pesquisa sobre as relações entre Teologia, Religião e Ciências Naturais, e Padre Bruno Muta Vivas, formado em Ciências Biológicas pela USP e graduado em Teologia pela PUC-SP, apresentaram o tema e responderam às dúvidas dos participantes, que, em sua maioria, eram membros de paróquias e comunidades que queriam conhecer ou aprofundar o tema.
Como Biólogo, Padre Bruno declarou que “em suma, podemos definir a evolução como o processo de substituição, ao longo de numerosas gerações de certas variações genéticas por outras. Se não aceita, por qualquer motivo, a teoria da evolução como algo válido cientificamente, procura-se propor algo em seu lugar: justamente isso é o Criacionismo”, explicou.
Padre Bruno lembrou, também, que, de uma leitura da Criação a partir do relato do Gênesis, poderia surgir a pergunta se a Igreja não é criacionista. “Porém – continuou ele –, “a Igreja propõe a Criação como ato divino de conferir a existência aos seres, mas não diz nada sobre o como os seres passaram a existir, nem muito menos sobre os meios pelos quais a diversidade de espécies se deu. Ela simplesmente afirma que qualquer forma que tenha surgido e evoluído à vida foi por um ato divino”.
O Professor Eduardo, por sua vez, explicou que ambas são apenas teorias, hipóteses apresentadas por cientistas e teólogos, e lembrou que houve um histórico conflito entre as teorias e até mesmo entre diferentes pontos de vista dentro do criacionismo ou evolucionismo. Ele ressaltou, ainda, que “muitas vezes, a Igreja não aceitou de início alguma teoria científica, por não estar preparada ou esclarecida sobre o tema naquele contexto histórico, e não por ter restrições contra a ciência”.
Em entrevista ao O SÃO PAULO, Dom Carlos Lema Garcia, Vigário Episcopal para a Educação e a Universidade, salientou que o Vicariato, desde o seu início, pretende promover momentos para fomentar o diálogo entre a fé, ciência e cultura. “Esta é uma das missões da universidade. A universidade foi criada para a busca da verdade, para o encontro da verdade, para luta pela verdade. Nós não temos nenhum preconceito com relação à ciência, nem com a fé. Se um cientista trabalha com seriedade e profundidade, ele não vai chegar a conclusões contrarias à fé. Pelo contrário. Tanto a fé quanto à ciência provêm do mesmo princípio segundo nós entendemos, que é Deus. Deus criou o mundo e a ele se revelou. Se fizermos um trabalho cientifico sério, chegaremos a conclusões compatíveis com à fé”, disse o Bispo.
“Nós queremos aprofundar cientificamente diferentes temas, e, com isso, também chamar esses universitários a ter razões positivas para fundamentarem sua fé. Por isso, o Vicariato tem realizado, com frequência, esses encontros, aproveitando o apoio do Núcleo Fé e Cultura e da PUC-SP, que é uma universidade católica, sendo, portanto, um âmbito natural para a realização desses eventos”, declarou.

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Um pouco mais sobre a Evolução

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28 de mai de 2017

Na coluna da semana passada, escrevemos sobre a Teoria da Evolução e sua compatibilidade com a fé cristã: como desde o Papa Pio XII, na Encíclica Humani Generis, foi deixado em aberto a possibilidade de um cristão aceitar o evolucionismo como uma hipótese científica válida sem ter de abrir mão de sua fé num Deus Criador.

Quase 50 anos depois da publicação desta Encíclica, São João Paulo II, numa mensagem dirigida à Academia Pontifícia de Ciências, em 1993, trata o evolucionismo não como uma mera hipótese, mas como aquilo que é hoje: um consenso científico, bem fundado em descobertas e aprofundamentos de diversas disciplinas, e que constitui a explicação mais provável de como a vida foi se desenvolvendo. E é aqui que encontra-se a pedra de toque para a compreensão da teoria da evolução sob um prisma cristão, pois em ambos pronunciamentos os papas fizeram clara a reserva que recai sobre o evolucionismo: trata-se de uma teoria que explica a origem e desenvolvimento da vida enquanto matéria, mas que é incapaz de explicar o porquê da vida e, mais especificamente, qual o sentido e dignidade da vida humana. Isso seria tarefa e missão da Filosofia e da Teologia.

São João Paulo II concluiu, assim, sua intervenção: “É por virtude da sua alma espiritual que a pessoa na sua totalidade possui tal dignidade, até no seu corpo. Pio XII focava este ponto essencial: se o corpo humano toma a sua existência a partir de matéria viva pré-existente, a alma espiritual é imediatamente criada por Deus”.

E se isso é ponto pacífico para um católico, como expusemos na coluna anterior, diversos outros cristãos têm dificuldade para compreender tal realidade exposta pelos papas. E foi aí que surgiu a teoria do Criacionismo. Ela tem como grande corolário a interpretação literal do livro bíblico do Gênesis, para fundamentar uma teoria científica, o que chega a ser uma deturpação daquilo que o autor sagrado pretendia ao escrever o texto. O antigo astrônomo-chefe do Vaticano, Padre George Coyne, SI, expressa tal atitude com certa apreensão: “na América, o Criacionismo veio a significar uma espécie de interpretação científica, fundamentalista e literal, do livro do Gênesis. A fé judaico-cristã é radicalmente criacionista, mas num sentido totalmente diferente. Ela está enraizada na crença de que tudo depende de Deus, ou melhor, de que tudo é dom Dele!”

Assim, vemos que há dois tipos de Criacionismo: um deles, de fundo, que parte da crença em um Criador, e que dá sentido a toda a existência; e outro, mais superficial, que busca fazer uma espécie de ciência, que parte não da realidade, de fatos observáveis, mas de pressupostos já assumidos. É esse tipo de Criacionismo que é errado, que é contrário à Revelação Cristã.

Nesse sentido, o Criacionismo não passa de uma mera pseudociência, justamente por ignorar o método científico comumente aceito, como apontam diversos relatórios e estudos de prestigiosas instituições, como a National Academy of Science e a Universidade de Illinois, em Chicago, nos Estados Unidos. Em suma, o Criacionismo, como hipótese científica, não passa de uma explicação mitológica revestida de termos acadêmicos.

Para contornar esse problema, os proponentes do Criacionismo elaboraram uma nova teoria, a do Design Inteligente, que busca amalgamar os dois extremos desse cabo de guerra: aceitam algumas partes da teoria da evolução, ao mesmo tempo em que propõe intervenções diretas de Deus na sua criação. O mais famoso livro que explica tal hipótese é “Of Pandas and People” (sobre Pandas e Homens, sem tradução para o português), publicado em 1989, nos Estados Unidos. Ainda que a ideia inicial pareça boa, de juntar o que a ciência descobriu e elaborou sobre a evolução com a concepção cristã de um Criador, o livro (e toda a hipótese do Design Inteligente) revela-se um desastre: ao buscar explicar as lacunas produzidas pelo método científico com uma intervenção divina direta, os proponentes de tal hipótese revelam-se maus cientistas, pois buscam explicações extraordinárias para fatos ordinários, e, ao mesmo tempo, maus conhecedores de Deus, uma vez que pressupõem um Deus incapaz de criar algo com perfeição e, por isso mesmo, deve intervir em sua obra a todo momento para deixá-la mais perfeita.

Sobre isso, a comunidade científica reagiu à criação do Núcleo de Estudos focado no Design Inteligente na Universidade Mackenzie, no início deste mês. Dr. Fábio Raposo do Amaral, professor da Universidade Federal de São Paulo e vice-chefe do Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva, explica que “o design inteligente é uma explicação pseudocientífica para a complexidade de estruturas que encontramos na natureza. A evolução – mudança na frequência das características herdáveis ao longo das gerações – por si só explica o que vemos na natureza, independentemente da complexidade, em todos os seus níveis hierárquicos – desde moléculas a ecossistemas”.

Talvez seja desnecessário reafirmar o quanto a Igreja não endossa tais teorias (pseudo)científicas e que não é necessário crer nelas para ser um bom cristão, mas vale lembrar as palavras do Papa Francisco contrárias às hipóteses científicas criacionistas (sejam elas puras, sejam com a roupagem do Design Inteligente), quando, em mensagem à Pontifícia Academia de Ciências, disse: “Ao lermos no Gênesis o relato da Criação, corremos o risco de imaginar que Deus fosse uma espécie de mágico, e que com sua varinha fosse capaz de fazer tudo. Entretanto, não foi assim que se deu... e assim a criação percorreu por séculos e séculos, milênios e milênios até chegar ao que conhecemos hoje, justamente porque Deus não é um demiurgo ou um mágico, mas, sim, o Criador que dá o ser a todas as coisas [...] A evolução na natureza não se opõe à noção de Criação, justamente porque a Evolução pressupõe a Criação de seres que possam evoluir”.

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