Uma receita de empatia

Por
01 de mai de 2020

O fluxo acrescido de moradores de rua em busca de refeição no restaurante “Duas Terezas”, localizado no número 514, da Alameda Lorena, no Jardim Paulista, zona Oeste da capital, com o início da quarentena na cidade de São Paulo, há pouco mais de um mês, chamou a atenção da proprietária e chef de cozinha Mariana Pelozio.

A primeira atitude tomada por ela foi estabelecer que todos os que fossem ao seu restaurante pedir por comida recebessem alimentação. Contudo, ela sentia o desejo de contribuir de outras maneiras.

Paroquiana do Santuário São Judas Tadeu, na Região Episcopal Ipiranga, juntamente com o marido, Diego Ciarrocchi, Mariana tem tido contato com a população de rua desde que conheceu o Arsenal da Esperança.

Em 2014, ao participar do curso de expressão viva, da Oficina Viva Produção, da cantora Ziza Fernandes, ela fez parte do elenco do musical “Caminhos da Esperança”, que contou a história da entidade.

A chef de cozinha soube, por seu esposo, que a sede do Arsenal da Esperança, no bairro da Mooca, desde o dia 23 de março se tornou o local onde mil moradores de rua permanecem em quarentena ininterruptamente, como forma de protegê-los dos riscos de contágio pelo novo coronavírus.

“O Arsenal da Esperança está fazendo algo inimaginável, um milagre. Se nós pensarmos em um café da manhã, falamos de mil pães e mil copos de café com leite, mas isso cresce e, em uma conta rápida, por refeição, são gastos 280kg de arroz, fora o jantar”, comentou em entrevista ao O SÃO PAULO.

INGREDIENTES

Mariana sabia que não conseguiria fazer uma doação suficientemente capaz de atender as necessidades atuais: “Eu tinha que fazer com que outras pessoas também ajudassem  [o Arsenal da Esperança]. Precisava de um mutirão, mas como fazer um na quarentena? Foi quando eu pensei em juntar as pessoas na internet”, contou.

Inspirada nas lives de outros profissionais da Gastronomia e áreas diversas, ela decidiu utilizar sua influência nas redes sociais e ministrar uma aula de culinária on-line, em que os futuros alunos pagam o quanto podem pelo ingresso e todo valor angariado será destinado ao centro de acolhida.

A oficina gastronômica “Cozinha e Solidariedade” acontecerá no sábado, 2, às 20h, e não ficará disponível posteriormente: “A ideia é cozinhar com o que as pessoas têm em casa, para que possam fazer comigo”, explicou a chef, completando que o propósito da aula, além, das doações, é ensinar como utilizar os alimentos em sua totalidade.

Ela adiantou, ainda, que o prato principal da live terá panqueca de berinjela e arroz temperado com o talo do legume para que nada seja desperdiçado.

Os interessados devem acessar o site do restaurante “Duas Terezas” e preencher um formulário. Os organizadores farão o contato com a confirmação da inscrição e informando os ingredientes que serão usados no preparo das receitas. O pagamento deve ser feito pelo aplicativo Ame Digital (disponível para Androide e IOS). Com o aplicativo instalado, basta escanear o QR code e pagar no débito ou crédito o valor desejado.

QUEM DIVIDE MUTIPLICA

“Eu sei que nenhum valor será suficiente para bancar o Arsenal, são mil pessoas, precisa de muito dinheiro. O que eu espero conseguir é que mais pessoas se sensibilizem, saibam que o Arsenal existe, que tem mil pessoas que estariam nas ruas, sendo contaminadas e contaminando, mil pessoas que não teriam o que comer e que estão sendo alimentados e têm um teto para dormir”, manifestou Mariana.

Com a aula, ela deseja que mais pessoas se perguntem: ‘eu estou em casa de quarentena e quem não tem casa, onde dorme essa noite?’ E que com este questionamento transformem o pensamento de suas prioridades: “Se cada um faz um pouco, nós conseguiríamos mudar tudo. Esse é o pouco que eu posso fazer”.

A cantora Ziza Fernandes, diretora-geral da Oficina Viva Produções, apoiadora do projeto e que apresentou o Arsenal da Esperança a chef de cozinha, afirmou: “como um corpo docente, nunca teremos noção sobre o impacto do que nós fazemos se amplifica dentro das pessoas. É um privilégio ver como a Mariana multiplica em amor, em atos concretos, em compromisso com a humanidade em um momento tão delicado, em que precisamos cada vez mais entender que nossa missão é sermos pontes uns para os outros”.

O ARSENAL DA ESPERANÇA

Transformar a casa de acolhida em um espaço de quarentena, significou um grande desafio institucional, de acordo com Padre Simone Bernardi, atual administrador do Arsenal. Atualmente, são oferecidas 3 mil refeições diárias. Acrescenta-se a isso o crescimento com os gastos de água, luz e outros insumos.

“O Arsenal tentou responder desta forma a população de rua que é muito grande. A nossa parte foi tentar preservar uma parcela de mil pessoas e até agora parece que esse esforço serviu, pois não tivemos casos graves de adoecidos. Eu considero isso um pequeno milagre, pois são pessoas com a saúde muitas vezes precária e uma história de vida difícil, com dependências. O fato de termos oferecido essa quarentena protegeu essas pessoas até agora e espero que continue assim”, celebrou Padre Simone.

O responsável define que a inciativa da chef de cozinha beneficiará a entidade de duas formas: a primeira, concretamente, por meio dos valores que irão custear parte das despesas. A segunda, com a inspiração de novos gestos de fraternidade: “Isso mostra que a solidariedade é possível em qualquer circunstância, isto é um grande sinal!”

Segundo o sacerdote, a população de rua sempre esteve, de certa forma, isolada socialmente e, por isso é louvável a atitude da chef de cozinha, “que poderia estar pensando apenas nos problemas que vem enfrentando, pois é evidente de que quem tem uma atividade está sofrendo também, mas está pensando nos outros mais desfavorecidos. Por meio da comida que ela ensina, está fazendo com que pessoas que não teriam comida também possam se alimentar. Em tempos tão difíceis, isso um sinal de bondade muito grande”, concluiu.

Acompanhe o trabalho do Arsenal da Esperança

 

 

Comente

Harmonia de arte, música e culinária japonesa

Por
09 de abril de 2019

Quando a porta se abriu, o barulho dos carros da grande metrópole deu lugar ao som das risadas do grupo de amigas que almoçava em uma das mesas de madeira, material predominante na construção e mobiliário do restaurante de comida japonesa JAM. A música ambiente, os quadros expostos nas paredes do mezanino e o aroma agradável que se espalha pelo ar também dão um aspecto especial ao local.

O ambiente encontrado pela reportagem do O SÃO PAULO no restaurante localizado no Itaim Bibi, na zona Sul de São Paulo, e que se repete na unidade do bairro dos Jardins, é o que sempre foi imaginado pelo empresário Rodrigo Fróes Coelho, 45, proprietário.

“O maior intuito era fazer um lugar onde as pessoas pudessem abrir a porta, entrar e deixar São Paulo para trás. Um lugar praiano, de madeira, com arte, música, descontraído. Eu queria oferecer a oportunidade de a pessoa ter um entretenimento, não é só entrar e comer. Sem saber que era impossível, eu fiz”, comentou.

 

SUPERAÇÕES EM BUSCA DE REALIZAÇÃO

Graduado em Administração pela FGV, com especialização em Investimento e Administração na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, Rodrigo Fróes fez carreira no mercado financeiro, mas não se sentia realizado profissionalmente. No fim dos anos 1990, decidiu investir na construção da primeira unidade do JAM, no Itaim, que seria inaugurada em 2002. O sucesso do empreendimento levou à inauguração de mais um restaurante, nos Jardins, em 2009.

Apaixonado por mar e por peixes, Rodrigo seguiu firme em seus propósitos, mesmo diante das fortes marés das crises financeiras globais da década de 2000. Quando tudo parecia caminhar bem, a construção de um prédio nas proximidades do JAM Itaim, em 2012, prejudicou severamente a estrutura da unidade, que precisou ser fechada por 14 meses. Os funcionários, no entanto, não foram demitidos.

“Conseguimos reconstruir o restaurante com um ambiente mais saudável e dinâmico do que antes. Quando o reinauguramos, vimos que toda a crise pela qual passamos, na verdade, era uma oportunidade de crescimento e de melhoria”, afirmou o empresário, que hoje também é dono de uma distribuidora de pescados.

COMIDA, ARTE E MÚSICA

Quem chega ao JAM pela primeira vez, em poucos minutos, percebe o tripé que explica o sucesso do restaurante: comida japonesa para diferentes paladares, música e arte.

“A culinária japonesa, principalmente no nosso caso, tem um lado artístico muito trabalhado. É uma coisa feita à mão, desenhada. Então, a arte está presente na culinária e na arquitetura”, comentou Rodrigo, também destacando que nos mezaninos das unidades, a cada mês, são expostas obras de artistas diferentes, enquanto no térreo há um acervo permanente que compõe a ambientação dos restaurantes.

Não falta também música de qualidade, seja com a playlist composta por rock, pop rock e MPB, seja com apresentações de artistas ao vivo, no almoço e no jantar.

FIDELIZAÇÃO

O resultado dessa harmonia é que quem vai ao JAM uma vez retorna ao restaurante, normalmente para um jantar romântico ou para um momento de confraternização com os amigos.

 

A DECISÃO FINAL É DO CHEFE

Com opções de pratos tradicionais da culinária japonesa e de criações assinadas pelo renomado chef Alexandre Tanamate, o JAM está entre os restaurantes de comida japonesa que não oferecem apenas pratos da culinária tradicional.

“Temos pratos muito condimentados: por exemplo, usamos cebola roxa, os japoneses não; usamos pimenta, azeite trufado. Nós pegamos muitos elementos de uma alta gastronomia e conseguimos combiná-los. Eu acho que a culinária japonesa começou de uma forma bem tradicional aqui no Brasil e teve seu sucesso e abrangência maior de público quando ela começou a se tropicalizar”, avaliou o empresário, destacando, ainda, que, no JAM, a voz final sobre os pratos é a do cliente.

“Nosso restaurante é extremamente customizado, porque sabemos que, se não fizermos isso, perdemos a nossa clientela. Em vários restaurantes, principalmente nos mais tradicionais, às vezes não se pode nem pedir mais shoyu. O cliente não pode mexer no que é servido, porque há um respeito ao tradicional. Já aqui, adotamos três correntes: tradicional; fusion, que permite uma abrangência um pouco maior de amplitude de sabores e de aparências; e o chef selection, que é aquilo que o chef acha o melhor. A decisão final é do cliente”, assegurou.

(Colaborou: Flavio Rogério Lopes)
 

 

Japanese Food.Arts & Music Reservas e informações:

(11) 3473-3273

 

Japanese Food.Arts & Music

Reservas e informações:

(11) 3473-3273

www.jam.com.br 

UNIDADES

Itaim (rua Lopes Neto, 308) Almoço: De segunda a sexta-feira (exceto feriados), das 12h às 15h. Jantar: Todos os dias (incluindo feriados), a partir das 19h.

Jardins: (rua Bela Cintra, 1.929) Almoço: De terça-feira a domingo, das 12h às 15h. Aos fins de semana e feriados, das 13h às 16h. Jantar: Todos os dias (incluindo feriados), a partir das 19h.

* Nas duas unidades, o expediente noturno aos domingos se encerra às 23h30, às segundas-feiras, às 0h, e de terça-feira a sábado, à 1h

 

 

LEIA TAMBÉM: Sabor milenar que une gerações

Comente

Crianças carentes participam da 1ª edição do projeto ‘Pequenos Chefs na Catedral’

Por
13 de dezembro de 2018

A Catedral Metropolitana de São Paulo, localizada na Praça da Sé, abriu suas portas no dia 5, para acolher 80 crianças carentes de abrigos e projetos sociais assistidos pela Pastoral do Menor da Arquidiocese. Elas participaram da 1º edição do projeto “Pequenos Chefs na Catedral”. 

Na ação, crianças do Centro Educacional Comunitário (CEC) São Francisco de Assis, do Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto (Bompar), na zona leste, e do Centro de Crianças e Adolescentes (CCA) do Jardim Vista Alegre, na zona Noroeste, conheceram a igreja-mãe da Arquidiocese e aprenderam algumas receitas com o chef Anderson Clayton.

 

TOUR PELA CATEDRAL

As crianças tiveram a oportunidade de conhecer a cátedra, altar, torres, cúpula, cripta e também toda história da Catedral da Sé. Muitas foram à igreja pela primeira vez e ficaram impressionadas. 

“Gostei de visitar as alturas. A Praça da Sé é linda, tem bastante árvores. A Catedral Metropolitana de São Paulo tem muitas imagens bonitas, e gostei muito de conhecer a Cripta.”, disse Dan Josué Chiara, 11, do CEC São Francisco de Assis, boliviano, filho de imigrantes, que visitava a Catedral da Sé pela primeira vez. 

Depois de realizar o tour pela igreja, as crianças tiveram a oportunidade de se tornar pequenos chefs de cozinha, com direito a diploma, mas antes aprenderam receitas mais saudáveis de brigadeiro com aveia, musse de chocolate e suco verde. 

“Estou adorando a experiência. Antes eu fazia brigadeiro normal, agora aprendi que com aveia é mais saudável. Gostei de saber sobre os bispos enterrados na Cripta. É a primeira vez que entrei nessa igreja”, disse Luciana Vitória, 12, do CCA Vista Alegre.

 

PEQUENOS CHEFS 

O chef Anderson Clayton, idealizador do projeto “Pequenos Chefs” contou que o principal objetivo da iniciativa é, por meio do aspecto social, levar a cultura e a gastronomia para as crianças, em parceria com a Arquidiocese de São Paulo e a Catedral da Sé. O evento contou com o apoio da Sabesp e do Governo do Estado de São Paulo. 

“É gratificante poder abrir as portas para a comunidade, pois é em volta da mesa que acontecem um dos maiores exemplos, um dos atos mais lindos da Igreja, que é a Santa Ceia. Por meio disso, conseguimos levar gastronomia, história e cultura às crianças.” disse Anderson ao O SÃO PAULO.

O Chef recordou que a expectativa de sua equipe foi grande, pois tudo foi preparado com muito carinho, com o principal objetivo de “fazer um fim de ano com mais esperança, pois é disso que as crianças precisam.” 

“Com esperança, podemos ter um país diferente, pois olhando para as crianças, olhamos para a educação; quando olhamos para as crianças, olhamos para o futuro. Então, levando amor, a gente terá um futuro melhor e é isso que a gente espera com esse projeto”, concluiu Anderson. 

 

IGREJA ACOLHEDORA 

Sueli Camargo, coordenadora arquidiocesana da Pastoral do Menor, falou sobre a importância do projeto, que reuniu crianças de várias realidades. Ela reiterou que muitas estavam entrando na Catedral pela primeira vez, ficaram impressionadas e interagiram bastante.

A Coordenadora destacou a alegria em ver a igreja-mãe da Arquidiocese abrir as portas para as crianças e adolescentes, que participaram de todos os momentos propostos, inclusive da oração no altar e antes da partilhar dos alimentos, conduzida pelo Padre Luiz Eduardo Pinheiro Baronto, Cura da Catedral. 

“É perceptível a alegria das crianças por serem acolhidas, e no momento da culinária, serem protagonistas da preparação do seu café da manhã. São crianças carentes da periferia, e na proximidade do Natal é muito importante essa questão de acolher e abrir as portas.”, concluiu.

 

 

Comente

Cozinhar não é, necessariamente, algo sofisticado

Por
23 de mai de 2017

Carolina Fiorentino é a última entre seis irmãos e escolheu a Gastronomia porque desde sempre a cozinha foi um de seus lugares preferidos no mundo. Ela formou-se na Universidade Anhembi Morumbi, depois de escolher o curso entre outras áreas como Cinema ou Filosofia. “Acabei fazendo Gastronomia porque eu sempre gostei de cozinhar e, em casa, a gente sempre cozinhou”, disse, em entrevista ao O SÃO PAULO, que ela concedeu no apartamento onde mora com a mãe, no bairro Jardins. Ali, na cozinha da sua casa, ela grava os programas para o canal que mantém no YouTube e no qual ensina receitas fáceis e, como ela mesma disse, “que todos podem fazer”.

Carol é chefe de cozinha, jurada no programa “Bake Off Brasil”, no SBT, que começará sua terceira temporada em agosto e, como autora, está prestes a lançar seu primeiro livro pela Editora Planeta. “Com o livro, pretendo ajudar as pessoas a fazerem diferentes massas, recheios e coberturas de bolos e não somente copiar as receitas, mas elaborar suas próprias combinações”, explicou.

 

O SÃO PAULO – Como surgiu seu interesse pela culinária?

Carol Fiorentino – O gosto pela cozinha e minhas primeiras lições culinárias vieram da minha avó e da minha mãe. A primeira coisa que eu aprendi a fazer, provavelmente, foi o básico arroz. Minha avó cozinhava muito bem, minha mãe cozinha igualmente. E, cozinham não somente em datas especiais, mas todos os dias, com frequência. Na minha família, cozinhar não é um evento, é algo cotidiano.

 

Por isso você escolheu a faculdade de gastronomia?

Eu tinha dúvidas sobre a faculdade, pois embora tivesse, entre as minhas opções, áreas que têm relação com as ciências humanas, sempre fui muito exata. Nas escola, as matérias em que eu tinha melhor aproveitamento eram Química, Física e Matemática. Com o curso de Gastronomia, consegui compreender melhor como funciona a cozinha e hoje entendo a matemática da comida e o porquê de determinadas combinações.

 

E, quais são suas inspirações?

Eu gosto muito da culinária brasileira e acho que, muitas vezes, temos uma tendência de valorizar excessivamente cozinhas como a francesa ou a italiana. Amo risoto, mas acredito que precisamos nos apropriar mais do que é nosso, dos nossos ingredientes, dos nossos grãos, das nossas frutas, do modo de cozinhar específico de um estado ou região e da grande diversidade de receitas que existem no Brasil. Pouco se fala, por exemplo, da cozinha caiçara, que é riquíssima, mas pouquíssimo conhecida pelos brasileiros. Somos muito generalistas quando o assunto é comida.

 

Quando você começou a cozinhar profissionalmente?

Quando saí da faculdade, minha coordenadora me convidou para trabalhar com ela numa confeitaria a ali trabalhei por dez anos. Foi muito importante, pois a faculdade me deu o conhecimento da técnica, da parte teórica, mas você só aprende mesmo quando está na cozinha, com erros e acertos. Todo mundo me pergunta: ‘Carol, devo fazer um curso?’ E eu respondo sempre: ‘Depende da sua necessidade. Se você quer somente fazer bolos, deve fazer um curso técnico de bolos; se quer compreender a fundo a questão alimentar, faça Nutrição; tudo depende do que você pretende atuar’.

 

Você tem grande envolvimento com projetos sociais. Poderia falar um pouco mais sobre isso?

 O trabalho social é o que eu gosto, é o que realmente me alimenta como pessoa.

Ao sair da confeitaria e me dedicar mais intensamente ao trabalho social, descobri o quanto eu sou feliz realizando esse tipo de trabalho. Atuei em diferentes instituições e, principalmente, em projetos com crianças, como a “Movere” [institutomoreve.org.br], instituição de prevenção à obesidade infantil.

 

Como é a experiência de ser jurada em um programa de culinária em TV aberta?

Ser jurada no “Bake off Brasil” foi um convite que eu resisti um pouco para aceitar no início, pois sempre fui muito tímida. Mas, tem sido uma experiência muito boa, porque eu não preciso atuar em um papel que não é o meu. Ali sou eu, Carol, que devo aplicar os conhecimentos que eu tenho e julgar a partir da minha experiência.

 

E o Canal “Carol Fiorentino”, no YouTube, como surgiu?

O canal no YouTube surgiu como uma tentativa de ajudar as pessoas a se aproximarem da cozinha e perceberem que elas podem cozinhar com o que têm em casa. O objetivo é desmistificar a cozinha. Isso porque percebo que essa tendência de sofisticação acaba por afastar as pessoas da cozinha, porque elas acham que, se não tiverem uma faca específica ou uma tábua “x” ou “y”, não vão conseguir. O público adorou o canal e eu tenho tido retornos fantásticos como o de pessoas que disseram que meu canal e o exercício de cozinhar as ajudaram a, por exemplo, vencerem quadros de depressão.

 

Qual sua opinião sobre uma espécie de obsessão moderna pela comida saudável?

Um dia fui num supermercado orgânico com uma amiga e lá encontrei uma sopa em pó orgânica. Confesso que fiquei muito surpresa, pois se a proposta é consumir alimentos orgânicos, precisamos aprender de onde eles vêm, como são. Penso que seja preferível uma sopa com legumes comuns a uma sopa em pó orgânica. Acho que tudo em excesso faz mal. Há pouco tempo, o ovo era praticamente proibido, hoje o ovo já é considerado saudável; o doce também é frequentemente visto como um vilão, mas acredito que deve haver equilíbrio, não proibição. Por outro lado, é óbvio que embutidos e bebidas como refrigerantes não fazem bem para a saúde. O mais importante é que as pessoas tenham consciência do que estão consumindo, que se informem e saibam o que estão colocando na boca. Com o avanço da tecnologia, às vezes, a gente nem mesmo vê o que está comendo, pois estamos constantemente ligadas na televisão ou no celular. Precisamos nos informar e, para isso, é essencial ouvirmos nossos pais e nossos avós.

 

Bolo da vovó.

3 xícaras de farinha de trigo;

2 xícaras de açúcar;

1 xícara de chocolate em pó;

1 colher de sopa rasa de fermento em pó;

1 colher de sopa rasa de bicabornato

3 ovos;

¾ de xícara de óleo;

1 xícara e meia de água morna.

Para a cobertura

2 claras;

6 colheres de açúcar.

 

Modo de fazer:

Peneire todos os ingredientes secos em um recipiente (farinha de trigo, açúcar, chocolate em pó, bicabornato e fermento).

Misture bem. (Misture bem mesmo!)

Depois, acrescente os ovos e o óleo e mexa um pouco, acrescentando, em seguida, a água morna. Misture até obter uma massa homogênea – não é necessário mexer muito – e despeje em forminhas individuais de papel (aquelas utilizadas em receitas de cupcake) ou em uma forma individual untada e coloque no forno pré-aquecido a 180 ºC, por cerca de

20 minutos.

Para a cobertura, separe a clara da gema, junte o açúcar e leve ao fogo mexendo sempre até derreter o açúcar. Em seguida, bata na batedeira até obter uma mistura consistente.

 

Dicas da Carol:

• Os ingredientes devem estar em temperatura ambiente;

• Não abra o forno antes de 20 minutos de cozimento do bolo;

• Misture bem os ingredientes;

• Utilize duas formas de papel para os bolinhos, pois uma delas, provavelmente, vai soltar-se do bolo.

 

Leia também, a matéria sobre a culinária e seus significados.

 

Fotos: Luciney Martins/O SÃO PAULO

As opiniões expressas na seção “Com a Palavra” são de responsabilidade do entrevistado e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do jornal O SÃO PAULO.

Comente

Quando a vida é colocada à mesa

Por
22 de mai de 2017

É domingo e, um a um, filhos, netos, primos, cunhados e amigos vão chegando. O cheirinho, vindo da cozinha, desperta atenção, olhares e estômagos. O almoço em família foi e continua sendo um dos momentos marcantes e esperados para muitos, principalmente para as crianças. Para Fernando Tadeu Marco Teixeira, 36, e Carolina Fiorientino, 35, por exemplo, o interesse pela cozinha começou a partir das experiências vividas em casa, com seus pais e avós.

Tadeu, que trabalha como analista na Reitoria de Cultura e Relações Comunitárias da PUC-SP, lembra-se ainda hoje quando, aos 8 anos, com o caderno de receitas da sua mãe e acompanhado por ela, fez uma receita de pizza, que “ficou horrível”, disse ele, rindo da própria trapalhada.

Mais velho entre dois irmãos, Tadeu esquentava a comida que a mãe deixava para os dois quando ela ia para o trabalho, mas não se contentava com isso. “Eu sempre incrementava o que ela deixava, com algum molho ou acrescentando algo que meu irmão e eu gostávamos de comer, e assim, percebi o quanto era bom criar receitas diferentes na cozinha”.

Ele e a esposa, Noelle Lali Marco de Teixeira, dividem em casa a tarefa de cozinhar, mas é ela quem acaba fazendo “a comida que sustenta a família durante a se- mana”, enquanto Tadeu gosta de preparar pratos mais elaborados e ter liberdade para inventar novas combinações, até mesmo para ensiná-las depois no “Rango”, canal no YouTube que inaugurou em setembro de 2013, depois que deixou o trabalho que tinha como disc-jóquei (DJ).

Tadeu também gosta de cozinhar com a filha e, para ele, é sempre oportunidade de descontração e convivência. “É bonito quando a família participa de todo o processo, desde a preparação do alimento, até o comer à mesa, e todos desligam o celular ou a televisão e engatam uma boa conversa”, afirmou o youtuber, que tem mais de 120 mil seguidores.

 

NA PANELA, NOSSA HUMANIDADE

“Ao lado dos afetos, nada melhor do que a comida para revelar a nossa humanidade”. A afirmação é de Oscar Maldonado, 46, graduado em Filosofia e mestre em Teologia, que mora atualmente no Paraguai. Ao O SÃO PAULO, ele explicou que o alimento, o ato de cozinhar e o de comer, tornaram-se objetos de estudo de várias ciências e resultaram atrativos para a Antropologia, pois “a comida como símbolo é riquíssima, uma vez que expressa a criatividade humana de significar a realidade”.

Nesse sentido, pode-se afirmar que há no alimento elementos que ultrapassam a dimensão do saciar-se, e que o comer vai além da necessidade humana de sobrevivência. É comum as pessoas sentirem saudade da comida da avó ou da mãe, por exemplo. Isso acontece não simplesmente porque aquela determinada comida não pode ser encontrada em um restaurante ou mesmo refeita com os mesmos ingredientes, mas porque na família a descoberta dos sabores e dos gostos preferidos de cada um, ou mesmo a recorrência de determinado alimento, acaba-se por tornar-se uma demonstração de carinho e um caminho realizado em conjunto. Ali acontece a partilha de experiências que deram certo ou errado, de segredos, medos e decisões importantes, como um pedido de casamento ou a chegada de um novo membro. A mesa é, ao mesmo tempo, guardiã de alegrias e dores, e é isso que a torna tão preciosa para a trajetória humana. “Sem o alimento, o ser humano morre, de modo que a princípio ele se alimenta para sobreviver, mas acontece que somos criaturas que não se contentam apenas com a saciedade. Nós humanizamos os nossos atos, procuramos significar o que fazemos. O simples saciar-se exige algo mais, isto é, um significado que ultrapasse o ato de comer. Somos seres rituais, de modo que a mesa ganhou um simbolismo afetivo de extraordinária riqueza. Eis a comensalidade, cujo significado provém justamente do estar à mesa, não apenas em vista da nutrição, mas da alegria do encontro que a mesa propicia. Assim, a cozinha e a mesa passam a ser lugares de relações afetivas”, comentou Oscar.

E é também por isso que há, na cozinha, segredos que são guardados ‘a sete chaves’ e que, em geral, não pertencem a quem teve mais oportunidade de estudar ou cursar uma faculdade. Quando o assunto é cozinha, quem dita as regras é a experiência, é o suceder dos anos e, como diz o ditado popular, ‘a barriga de quem se esquenta a beira do fogão’, que pode, com mais propriedade, ensinar uma receita e os caminhos para que ela dê bons resultados, seja na comida em si, seja em outras questões do dia a dia.

Tadeu, por exemplo, disse que mudou sua relação com a cozinha depois do canal no YouTube e percebeu que seu comprometimento com a receita aumentou significativamente. “Hoje me preocupo com as pessoas que querem aprender comigo, me preocupo se os ingredientes indicados são de fácil acesso em todo o país e também em manter uma linguagem simples”, contou ele, que começou a gravar os vídeos de maneira muito espontânea e só depois, a partir do retorno do público, percebeu que podia ampliar o projeto.

 

Cozinhar é fácil

No YouTube, Carol Fiorentino começou um canal há cerca de dois anos, ao mesmo tempo em que foi convidada para ser jurada no programa “Bake Off Brasil”, do SBT, que começará sua terceira temporada em agosto. Para ela, o canal foi também uma tentativa de aproximar a cozinha das pessoas e mostrar que cozinhar não é uma tarefa só para chefes renomados. “Os chefes são essenciais quando se trata da cozinha profissional, mas é importante que as pessoas compreendam que é possível cozinhar com o que se tem em casa, sem utensílios especiais ou sofisticados”, disse Carol, que formou-se em gastronomia na Universidade Anhembi Morumbi.

Essa tendência de tornar a cozinha “gourmet”, ou seja, de apostar na alta culinária, tem ganhado cada vez mais adeptos e, se por um lado, pode despertar as pessoas para o ato de cozinhar, por outro, pode também afastá-las.

Oscar recordou que, historicamente, as mudanças acompanharam os diferentes estágios evolutivos da humanidade. “Os nossos antepassados, antes da domesticação das sementes ou da revolução da agricultura, eram essencialmente caçadores. A caça exigia o fogo, e o fogo sempre foi excelente aliado do ser humano, pois ao redor dele aconteciam as grandes festas e eram narradas extraordinárias histórias sobre a vida, a morte, Deus e as origens. Mais tarde, o agricultor procurará transferir esse espaço simbólico para a cozinha, onde assará os pães e os demais produtos do seu esforço. Com o advento da vida urbana, é impossível ter um fogão à lenha dentro de um apartamento. A vida moderna nos obriga à adequação, e desse modo surgem as comidas rápidas, enlatadas, instantâneas. Infelizmente, fomos perdendo cada vez mais o significado da mesa partilhada.”

 

Cultivar, conhecer e comer

Existe hoje a preocupação de que as pessoas tenham consciência do que estão consumindo e invistam em uma alimentação o mais saudável possível. Multiplicam-se instituições, blogs e páginas nas redes sociais que incentivam o cultivo de hortas em casa e ensinam como plantar e colher legumes e verduras em pequenos espaços. Tais atividades podem colaborar para que se mantenha uma dieta equilibrada, bem como as propriedades nutritivas dos alimentos.

“Sempre que posso, cozinho, pois para mim tanto a cozinha quanto a mesa são um ritual, um modo de humanização. O lado bom da moda gastronômica que estamos vendo é a possibilidade de resgatar a importância da cozinha como espaço familiar e da mesa como lugar de encontro. Contudo, a comida não pode passar por um processo de glamourização, pois tudo o que é glamour acaba por ser fonte de lucro desmedido”, lamentou Oscar.

Outra característica interessante é a diversidade de receitas e diferentes tipos de frutas e verduras que dependem do clima e que mudam em cada região. No Brasil, por exemplo, o alimento oferece identidade. São Paulo é conhecido pelo pastel, Minas Gerais pelo pão de queijo e a Bahia pelo acarajé, enquanto o chimarrão é típico do Rio Grande Sul. Mas, existem ainda culturas desconhecidas e um vasto campo a ser estudado e divulgado no que se refere à culinária brasileira.

 

 

Comida invisível

Um grande desafio quando o assunto é comida é a distribuição dos alimentos de maneira justa – há hoje no mundo quase 800 milhões de pessoas que ainda passam fome. Por outro lado, estima-se que haja um desperdício de mais de 40 mil toneladas de alimentos por ano no Brasil. Uma possível solução seria, portanto, distribuir os alimentos ainda bons para consumo, porém inaptos para comercialização. Na prática, entretanto, isso pode ser um problema para hortifrútis ou restaurantes.

Pensando nessa realidade, e após uma experiência que fez com o filho adolescente numa visita até a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), foi que Daniela Leite começou o projeto “Comida Invisível”, que pretende ajudar as pessoas e negócios a se conscientizarem sobre o desperdício de comida no Brasil.

Entre os focos do “Comida Invisível” está o de conectar possíveis doadores de alimentos a organizações não governamentais e instituições que precisam de doações para projetos sociais, bem como ajudar as pessoas a mudarem seus hábitos no dia a dia, como o de utilizar também as cascas de determinadas frutas e dos legumes.

 

Uma ceia mais que especial

“Quem já teve que comer só, sabe que a comida perde o gosto, mesmo que tenha sido preparada com cuidado e o sabor seja muito bom. Sem alguém para partilhar, a refeição resulta insossa e sem graça. Mas, poder compartilhar o alimento com um ser amado, por mais simples que seja, torna o momento extraordinário. A mesa é uma experiência maravilhosa”, disse Oscar na entrevista à reportagem.

Ele explicou que, além disso, a comida tem relação direta com as religiões: “Para o Cristianismo, a mesa é essencial. Não esqueçamos que Jesus Cristo quis nos deixar a sua maior herança numa ceia. Chama a atenção que o Senhor tenha desejado celebrá-la numa casa e não na sinagoga ou outro recinto religioso. Ele privilegiou uma casa com uma cozinha e um refeitório. E alguém deve ter preparado o banquete, pães, cordeiro assado, saladas, frutas secas e vinho. Não é muito comum pensarmos nas mãos que prepararam tais iguarias. E a comunhão foi completa. O Senhor disse ‘comam, bebam, sirvam uns aos outros, e amem, assim como eu vos amo’. Tudo isso aconteceu durante uma ceia. Até hoje, fazemos memória daquele gesto, e ainda nos alimentamos daquele espírito, ao afirmarmos com fé que comungamos o Corpo e o Sangue de Cristo. A mesa é sagrada, merece reverência. Comer em companhia é certamente uma experiência de comunhão. Quanta alegria numa mesa partilhada num domingo qualquer, espaço de encontro, diálogo, partilha e amor fraternal”.

 

As receitas da coxinha e do sushi burguer (hamburguer de sushi) podem ser vistas no canal do YouTube "Rango" do Tadeu (novas receitas são colocadas às quintas-feiras,19).

Leia também, a entrevista com Carol Fiorentino, onde se encontra a receita do "bolinho da vovó".

Fotos: Luciney Martins/O SÃO PAULO e Fernando Tadeu/Rango

Comente

Para pesquisar, digite abaixo e tecle enter.