A experiência de Nova York

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16 de junho de 2017

Locais que concentram usuários e traficantes de drogas são uma realidade em grandes cidades pelo mundo, não apenas em São Paulo. Em Bucareste, capital da Romênia, por exemplo, os becos para consumo de entorpecentes são os antigos túneis do sistema de aquecimento da cidade e as estações de tratamento de esgoto desativadas.

Nos anos 1980, Nova York, nos Estados Unidos, também passou a enfrentar problemas com o tráfico e consumo de crack, que a partir dos bairros periféricos, como o Bronx, se espalhou para os prédios abandona- dos e ruas de Manhattan, o mais antigo distrito daquela cidade.

Inicialmente, houve o reforço do efetivo policial para dispersar os usuários das ruas e prender traficantes. Contudo, tais medidas se mostraram ineficientes diante do surgimento das “crack houses”, prédios onde aconteciam o comércio e consumo de crack. Posteriormente, o foco foi o combate às organizações criminosas nos bairros, com policiais infiltrados entre os usuários para comprar drogas e identificar os traficantes. Houve, também, com o auxílio dos moradores, o monitoramento policial das regiões com maior incidência de usuários. Além disso, adotou-se maior rigor na aplicação de penas para quem fosse flagrado com drogas, como parte de uma política de tolerância zero com qualquer tipo de ilícito, como pichações, por exemplo, medida polêmica, que angariou críticos e adeptos.

O passo seguinte, já na segunda metade dos anos 1990, foi a instituição dos “drugs courts”, tribunais voltados a atender casos envolvendo usuários de drogas, com membros jurídicos, especialistas em serviço social e saúde mental. Às pessoas flagradas com uma pequena quantidade de drogas, era dada a possibilidade de frequentar um programa de internação voluntária para se tratar. Em troca, tinham sua sentença reduzida e, em alguns casos, até a ficha criminal era cancelada, caso não tivessem cometi- do delitos graves.

Hoje, locais como o Bryan Park, antigo reduto do comércio e consumo de drogas a partir dos anos 1970, são total- mente seguros à visitação pública.

 

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(Com informações da Veja, UOL e TV Globo)

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Entre as ruas, a linha férrea e a antiga rodoviária

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13 de junho de 2017

Mais do que se localizar em ruas específicas, a Cracolândia tem sua história em diferentes ambientes dos bairros dos Campos Elísios, Luz e Santa Ifigênia, no chamado centro velho de São Paulo.

Esses bairros tiveram desenvolvi- mento impulsionado com a instalação das estações de parada da estrada de ferro que passou a ligar, em 1867, os cafezais do Oeste paulista ao Porto de Santos.

Segundo reportagem da revista aU- Arquitetura e Urbanismo, de junho de 2005, já no fim do século XIX, começaram a ser construídos nestes bairros hotéis e pensões para viajantes e imigrantes, cortiços, cômodos para aluguel e algumas residências para fazendeiros de café. Nos anos 1950, houve a ampliação da quantidade de cortiços. Nos anos 1960, o número de habitações precárias no entorno aumentou com a instalação da estação rodoviária de São Paulo, na Praça Júlio Prestes, que ficaria neste espaço da cidade até 1982, quando foi transferida para o Terminal Tietê.

Nesse ambiente de habitações precárias, carente de serviços públicos e envolto por grandes avenidas, como a Rio Branco e Duque de Caxias, usuários de crack – droga que chegou ao Brasil na segunda metade dos anos 1980 – encontraram um “refúgio” no início dos anos 1990. Muitos iam ao que inicialmente se chamou de “Quadrilátero do Crack” - ruas Guaianases, Vitória e Mauá e a avenida Duque de Caxias – após contraírem dívidas impagáveis com traficantes ou cometerem pequenos delitos nos bairros onde moravam nas regiões periféricas da cidade.

Ao longo dos anos, diferentes intervenções policiais e programas da Prefeitura e do Governo do Estado de São Paulo (veja histórico de ações abaixo) foram realizadas para tentar acabar com a Cracolândia ou diminuir seus impactos negativos para a cidade. No entanto, a maioria das intervenções resultaram apenas na mudança do fluxo de usuários e traficantes.

“É possível notar que a ação da polícia os leva a sair rapidamente das calçadas onde estão situados, migrando para outro local próximo; por fim, em intervalos de tempo variáveis, retornam aos pontos anteriores de concentração. Alguns seguranças privados também fazem, em menor escala, algum tipo de ação quanto à permanência e à circulação desses usuários. A maior parte deles consome o crack nas calçadas (vários ocultam a prática sob cobertores), embora haja também o uso de hotéis e pensões do entorno para tanto, além dos mocós em casas, sobrados ou prédios abandonados ou lacrados pela Prefeitura”, detalham, no artigo “Territorialidades da(s) Cracolândia(s) em São Paulo e no Rio de Janeiro”, Heitor Frúgoli Junior, professor do Departamento de Antropologia da USP, e Mariana Cavalcanti, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getulio Vargas, com base em visita realizada na região da Cracolândia no ano de 2007.

Após a mais recente ação da Prefeitura e do Governo do Estado na Alameda Dino Bueno e na rua Helvétia, em 21 de maio, traficantes e usuários passaram a se concentrar, principalmente, na Praça Princesa Isabel.

(Com informações da Folha de S. Paulo e revista aU)

 

Histórico de tentativas para o fim da cracolândia

 

1995 Governo de SP cria delegacia específica para tratar das questões do crack;

1997 Governo de SP lança Operação Tolerância Zero, para prender traficantes na Cracolândia, mas o resultado foi dispersão de usuários para região central;

1999 e 2000 – Intensificação da ação da PM no fechamento de pontos de tráfico e uso de drogas na região central;

2001 Prisão de 5 policiais envolvidos com o tráfico na região da Cracolândia;

2005 Prefeitura lança o Projeto Nova Luz, com a meta de revitalizar a Cracolândia, em parceria com a iniciativa privada. Projeto foi extinto em 2013;

2008 –2012: Ação Integrada Centro Legal – Parceria do Governo de SP e da Prefeitura propunha atendimento a dependentes químicos que quisessem sair de tal situação. No decorrer dos anos, houve intervenções da Polícia, com megaoperações para prender traficantes e dispersar usuários;

2013 Governo de SP lança o programa Recomeço, prevendo tratamento ambulatorial para os usuários de drogas. Foco da ação são as pessoas na Cracolândia;

2014 Prefeitura de São Paulo lança o programa Braços Abertos, após ação de limpeza e retira- da de usuários da Cracolândia. Meta era que gradativamente as pessoas deixassem o vício. Em contrapartida, ganhariam moradia e capacitação profissional;

2015 Ação integrada do Governo de SP e da Prefeitura dispersa usuários e traficantes, mas cenário volta ao que era antes poucas semanas depois.

2016 Operação policial prendeu 32 pessoas em agosto na região central, incluindo traficantes no Cine Marrocos e na Cracolândia.

2017 Prefeitura lança o programa Redenção, para recuperar os usuários a partir de tratamento clínico. Uma das ações da iniciativa foi a retirada de usuários e traficantes da Cracolândia, em 21 de maio, com uso de força policial. Tráfico e consumo de drogas estão espalhados pela região central da cidade, principalmente na Praça Princesa Isabel.

Fontes: Reportagens publicadas na imprensa entre 1995 e 2017 (Pesquisa: Daniel Gomes)

 

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A pedra que escraviza

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13 de junho de 2017

A megaoperação policial realizada na região conhecida como Cracolândia, no centro de São Paulo, em 21 de maio, e a migração do fluxo de consumo de crack para os arredores do bairro nos dias sucessivos, trouxeram novamente à tona, em toda sua complexidade, esse problema social, que existe há três décadas na cidade.

 

Sensação Imediata

Forma solidificada da base da cocaína misturada com bicarbonato de sódio e água, o crack é uma substância psicoativa, cuja ação no cérebro é quase que instantânea. “A sensação de prazer e euforia causada por ela é tão imediata e intensa que torna essa experiência muito mais impactante do que a da cocaína”, explicou, ao O SÃO PAULO, o psicólogo Ivanildo Andrade, especialista em Saúde Pública, com ênfase em dependência química e que acompanha há muitos anos a situação da Cracolândia.

Segundo o especialista, a euforia causada pela droga alcança rapidamente um pico elevado e na mesma velocidade leva à sensação de ausência do prazer experimentado. “Assim, se desenvolve a dependência química. Essa busca constante de alívio de uma sensação ruim causada pela falta da droga se transforma em compulsão. É uma condição de escravidão”, ressaltou o Psicólogo.

 

Danos

O crack traz danos irreversíveis ao usuário, que acabam interferindo no padrão de funcionamento do cérebro, deixando-o condicionado à substância. Desse modo, independentemente da condição social ou cultural do usuário, as degradações humanas e sociais serão as mesmas.

A compulsão pela droga faz com que o dependente perca a capacidade crítica e o controle das emoções e desejos, sem perceber os efeitos negativos causados. Por esse motivo, o dependente de crack acaba se habituando a ambientes extremamente insalubres, com condições mínimas de higiene, chegando a ficar dias sem se alimentar e exposto a doenças como tuberculose e sífilis. “Hoje, por exemplo, existe um surto de sífilis, uma doença do século XIX entre os usuários de crack”, alertou Ivanildo.

Em igual rapidez, o crack rompe os vínculos afetivos e sociais do dependente. “Trabalho, vida social e familiar... De fato, o dependente abandona tudo e a todos em função do crack. Os vínculos são menos prazerosos que a própria experiência da droga”, completou o especialista.

 

Tratamento

A dependência química é uma síndrome que não possui um único sintoma ou característica, mas traz prejuízos na saúde física, emocional e social. Por isso, seu tratamento requer igual complexidade. “O tratamento exige a utilização de todos os métodos possíveis e inimagináveis à disposição”, enfatizou Ivanildo Andrade.

A primeira forma para o tratamento contra o crack é a desintoxicação. “Muitos desses dependentes devem passar por uma avaliação clínica, às vezes com a utilização de algum fármaco”, explicou o especialista, frisando a importância dessa avaliação para que todo o projeto terapêutico seja realizado de modo que contemple a visão integral da pessoa.

Em seguida, depois de estabilizado emocionalmente, o dependente químico é encaminhado para a internação em clínicas ou comunidades terapêuticas. A partir daí, começa a etapa de ressocialização. Indica-se sempre que possível que a família seja inserida nesse processo para ajudar a compreender o histórico da pessoa e a sua ressocialização.

A reinserção na sociedade também precisa ser acompanhada com a prevenção de recaídas, entrada no mercado de trabalho e um ambiente familiar que favoreça sua permanência longe da droga. “Quando não há esse ambiente, é preciso criar equipamentos que permitam a essa pessoa fazer tal transição, a chamada moradia assistida, por exemplo”, destacou Ivanildo, sem deixar de lembrar que “o dependente químico está sempre em processo de recuperação”.

 

Instituições Religiosas

São muitas as organizações religiosas que atuam junto aos dependentes químicos da Cracolândia e oferecem tratamento.  Uma dessas comunidades é a Missão Belém, que atualmente acolhe 2,2 mil pessoas em 167 casas. A primeira acolhida da maioria delas é feita no Centro Guadalupe, no Belém, na zona Leste. Por semana, passam em média 120 pessoas pela casa, onde permanecem temporariamente até serem encaminhadas para uma das unidades da comunidade para tratamento.

Entre esses acolhidos está Reginaldo Assumpção, 46, que usou drogas por 26 anos, sendo 12 consumindo crack. Ele chegou à Missão Belém pela primeira vez em 2010, mas após três meses teve uma recaída e voltou para a Cracolândia. Nessa ocasião, contraiu sífilis e, por não fazer tratamento, a doença atingiu o sistema nervoso central, deixando-o paraplégico. “Mesmo doente, eu ainda fiquei quatro dias usando crack. Só quando acabou a minha droga, eu pedi para me levarem ao hospital”.

Há 16 anos sem contato com a família, Reginaldo encontrou na Missão Belém o ambiente familiar para se recuperar da dependência. “Aqui, eu tenho aprendido a cada dia a me restaurar com as orações e formações da casa, mas principalmente ao ver a recuperação de cada um. Mas é uma luta de todos os dias. Eu não quero voltar para aquela vida”, disse o rapaz, que está há quatro anos longe do crack.

Para Ivanildo Andrade é possível pôr fim à Cracolândia. Mas, para isso, são necessários muito investimento e trabalho. “É preciso fazer uma revolução social; criar oportunidades de trabalho, educação, serviços de saúde e assistência social de qualidade, prevenção, segurança pública. É preciso trabalhar em uma rede intersetorial, deixando de lado quaisquer ideologias, olhando numa perspectiva de longo prazo de um coletivo, em que todos possam viver em harmonia para que, de fato, a Cracolândia possa acabar”.

 

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A Cracolândia só mudou de endereço

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13 de junho de 2017

Pouco mais de uma semana após a megaoperação policial na região conhecida como Cracolândia, no centro de São Paulo, realizada pela Prefeitura de São Paulo e o Governo Estadual no dia 21, o que se constata é que o fluxo de usuários de crack disperso da Alameda Dino Bueno apenas mudou de endereço e agora se concentra na Praça Princesa Isabel, a apenas três quadras do ponto anterior.

Na sexta-feira, 26, Dom Sergio de Deus Borges e Dom Devair Araujo da Fonseca, bispos auxiliares da Arquidiocese de São Paulo, acompanharam o trabalho dos membros do Vicariato Episcopal para o Povo da Rua, que levaram alimentos e água para os dependentes químicos concentrados na região.

“O que nós vimos ali são pessoas numa condição de vida deplorável”, afirmou Dom Devair, em entrevista ao programa “Construindo Cidadania”, da rádio 9 de Julho. O Bispo que já havia visitado a região em outra ocasião, afirmou que, desde então, a situação só piorou.

A reportagem do O SÃO PAULO constatou que, sem se intimidar com a presença da imprensa e dos agentes públicos e mesmo da Polícia que circunda o quarteirão, o tráfico e consumo da droga continua acontecendo. Muitos usuários montaram barracas no meio da Praça Princesa Isabel, formando um cenário semelhante ao fluxo disperso pela operação, agravado pela falta de água, de banheiros e o acúmulo de lixo e dejetos humanos na praça, que fica ao lado de um do mais movimentados terminais de ônibus da cidade.

A Prefeitura e o Governo do Estado não informaram um número oficial de dependentes químicos concentrados na Praça Princesa Isabel, mas os agentes públicos e voluntários que atuam no local estimam 400 pessoas durante o dia, e entre 800 e mil à noite (antes da operação, o número de usuários permanentes na Cracolândia era estimado em 1.500).

Dom Devair ressaltou que a Cracolândia não acabou, apenas mudou de endereço. “Se fizermos uma definição geográfica do que é a Cracolândia, aquele lugar não existe mais, porque está protegido pela força policial para que as pessoas não voltem para lá... Mas, houve um deslocamento das pessoas de um lugar para outro. O fato é que elas continuam lá nas mesmas condições”, disse o Bispo.

Atendimento

Nas ruas “limpadas” pela operação, os únicos usuários vistos são os que voluntariamente procuram as unidades dos programas Redenção, da Prefeitura, e Recomeço, do Governo do Estado, onde agentes de saúde e de assistência social prestam atendimento. Nesses casos, quando manifestam o desejo, os dependentes químicos são encaminhados para a internação em comunidades terapêuticas ou hospitais.

Na segunda-feira, 29, em um evento no Palácio dos Bandeirantes, o governador Geraldo Alckmin informou para a imprensa que, desde o dia 21, foram realizados 1.100 atendimentos, e que cerca de 10% dos atendidos foram encaminhados para a internação.

Uma agente da Secretaria de Saúde que não quis se identificar informou para a reportagem que nos primeiros dias após a operação, a aproximação aos usuários de crack era muito difícil, pelo fato de muitos estarem sob o efeito da abstinência da droga ou assustados com a presença da polícia.

Internação compulsória

No final da sexta-feira, a Prefeitura de São Paulo havia conseguido autorização judicial para abordar usuários de drogas e conduzi-los compulsoriamente para uma avaliação médica. Porém, no domingo, 28, a pedido do Ministério Público de São Paulo (MP) e da Defensoria Pública, o Desembargador Reinaldo Miluzzi, do Tribunal de Justiça de São Paulo, derrubou a autorização. A Prefeitura informou que vai recorrer da decisão.

A Prefeitura chegou a instalar, no fim de semana, uma tenda na esquina da rua Helvetia com a alameda Cleveland, que seria usada como um centro de triagem para as internações compulsórias. Mas, como com a suspensão da liminar, a estrutura está sendo usada para atender os dependentes que procurarem ajuda.

Inserção da Igreja

Em meio ao clima de desconfiança dos usuários, a Igreja é uma das poucas instituições que consegue manter um vínculo com os dependentes químicos.

Missionários das fraternidades O Caminho, Voz dos Pobres, Missão Belém, Aliança de Misericórdia e agentes da Pastoral do Povo da Rua atuam há muitos anos na região, abordando os dependentes químicos e oferecendo ajuda.

“Nós nos aproximamos, conversamos com eles e, aqueles que nos pedem ajuda, nós encaminhamos para nossas casas”, relatou Frei Tarcísio da Santíssima Virgem Maria, da Fraternidade O Caminho, que atua na Cracolândia desde 2013. “Nós acreditamos muito que é preciso estabelecer vínculos com eles. Foram necessárias várias vindas e conversas para que muitos dos irmãos que estão em tratamento se decidissem a sair daqui conosco”.

Padre Gilson Frank dos Reis, da Missão Belém, informou para O SÃO PAULO que, nos primeiros dias após a operação policial, o número de usuários que procuraram as casas da comunidade aumentou significativamente. Mas, com a concentração do fluxo na Praça Princesa Isabel e a volta da oferta de crack, a procura voltou ao número anterior. “Por semana, passam na nossa casa por volta de 90 a 120 pessoas”, informou o Padre.

O Tráfico continua

A reportagem, enquanto acompanhava os bispos e agentes de pastoral, foi abordada por uma espécie de líder do grupo que, segurando um cachimbo de crack, pediu para que todos se afastassem e os deixassem fazer “a correria”, isto é, comercializar e vender a droga, “em paz”.

Frei Tarcísio alertou que os usuários muitas vezes são usados como escudo por parte dos traficantes, para impedir o acesso da Polícia. “Já ouvi relatos de que o próprio traficante oferece drogas para as pessoas, para que possam enfrentar a força pública num primeiro momento”.

Segurança Pública

Em nota enviada ao O SÃO PAULO a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo informou que desde a megaoperação o policiamento na região continua reforçado com equipes das polícias Civil e Militar. A nota também cita que no dia 21 foram presas 53 pessoas e apreendidos 12,3kg de crack, 6,5kg de maconha, 655 gramas de cocaína, 6 gramas de haxixe, 18 gramas de ecstasy, dois micro-pontos de LSD, 2kg de lança-perfume, além de R$ 49.611,35, dois revólveres e três pistolas.

“A PM também continua atuando na região com 212 policiais, sendo 92 da Caep (Companhia de Ações Especiais de Polícia) e do Choque – Cavalaria e Rondas Ostensivas com Apoio de Motocicletas (Rocam), além dos 120 PMs que já atuam regularmente na área. A Polícia continua prestando apoio às equipes de saúde e assistência social, que providenciam o acolhimento dos usuários”, diz a nota.

A Secretaria, no entanto, não informou o que está sendo feito para coibir o fluxo de usuários e de tráfico de drogas constatado na Praça Princesa Isabel.

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É o fim da Cracolândia?

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24 de mai de 2017

Foto: Eduardo Ogata/Secom/PMSP“As respostas precisam ser humanizadas e não padronizadas”, disse o Padre Julio Lancellotti, vigário episcopal para a Pastoral do Povo da Rua da Arquidiocese, em entrevista ao O SÃO PAULO, sobre as ações que têm sido feitas pela Prefeitura e o Governo do Estado na região da Cracolândia, desde o domingo, 21, para desarticular o tráfico de drogas e revitalizar o bairro da Luz, no centro da capital paulista.

Muitos vídeos e fotos circularam pelas redes sociais e mostraram a chegada de 500 homens das polícias civil e militar no domingo pela manhã. Eles utilizaram força e bombas de efeito moral para desmontar diversas barracas de tráfico de drogas e dispersar a população que estava na região, a maioria usuária de crack.

A Prefeitura, por meio da Secretaria Especial de Comunicação Social, informou à reportagem que 500 pessoas foram acolhidas e dessas, “28 com problemas de saúde foram encaminhadas para hospitais e AMAs do entorno; duas foram encaminhadas para tratamento no Centro de Apoio Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD), uma foi internada para desintoxicação e outra retornou para a sua família. Além disso, 12 dependentes químicos foram internados voluntariamente no Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod), da Secretaria de Estado da Saúde”.

Ainda segundo a Secretaria, 600 profissionais da Prefeitura e do Governo do Estado estiveram nas ruas para triagem, diagnóstico e acolhimento dos usuários de drogas que circulavam na região.

Na segunda-feira, 22, o Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (Denarc) divulgou o balanço da operação na Cracolândia. Foram detidas 53 pessoas, dessas 48 eram traficantes; duas foram detidas pela Polícia Militar por roubarem uma padaria e três são adolescentes que foram apreendidos por tráfico.

Segundo o diretor do Denarc, Ruy Ferraz Fontes, 80% dos presos integram uma facção criminosa e dois deles eram os líderes do tráfico. “O objetivo principal era atingir o escalão, os atacadistas – que vinham abaixo do escalão que administrava a distribuição de drogas na região – e os varejistas”, explicou.

Para o Padre Julio existem muitas questões que ainda não foram respondidas. “Quem são os traficantes que foram presos? Porque os grupos que estão espalhados continuam sendo abastecidos [com o crack e outras drogas]? O tráfico – e isso já dissemos várias vezes para as autoridades – funciona naquela região e também em toda a cidade, com base numa corrupção muito forte, do crime organizado com a participação de agentes do poder público”, denunciou.

Dispersão

Ana Maria da Silva Alexandre, agente de pastoral e colaboradora da Casa de Oração do Povo da Rua, afirmou que “ninguém quer que a Cracolândia exista. É uma situação muito triste, mas é importante que a questão seja considerada um problema de saúde pública e não somente de segurança”. Para ela, que acompanha diariamente a situação na região, a ação foi muito violenta e inesperada.

Ela e o esposo, Luiz Carlos Pietro Alexandre, que também é missionário, se mobilizaram e, junto ao Padre Julio Lancellotti, recolheram cobertores para levar às pessoas. “Vi uma média de quase 300 pessoas que foram se abrigar em baixo de um posto de gasolina. Na noite fria de domingo, sem cobertores ou roupas de frio e sem lugar para ficar. Estavam numa situação muito triste”, recordou.

Segundo Ana, vários usuários de crack que estavam concentrados na Luz simplesmente se dispersaram. “Tem um grupo na Marechal Deodoro, um grupo no Parque da Luz, outro em frente ao Metrô Luz e no Metrô Armênia. A Cracolândia se dividiu em diversas ‘pequenas Cracolândias’. Dispersar as pessoas não resolve. Sabemos que há uma limpeza do local e que haverá também investimentos imobiliários na região”.

Cena que se repete

Ana ressaltou que a gestão anterior também não tinha programas efetivos para ajudar as pessoas na Cracolândia; e Padre Julio lamentou que ano após ano ações como esta se repetem. Sobre a operação do domingo, em particular, ele disse que foi feita “com muita pressa e que não levou em conta os seres humanos. As pessoas estavam muito agitadas, foi uma situação muito triste. Conseguimos acolher alguns que pedem acolhimento na Missão Belém, mas tememos que, com a dispersão, haja uma onda de violência contra eles, porque a ação da polícia no domingo, indiretamente, autorizou a população em geral a agredir as pessoas que forem vistas usando crack”.

Missão!

Grupos da Igreja Católica atuam de forma constante tanto na região da Cracolândia quanto com pessoas em situação de rua. Ana Maria afirmou que somente a “Missão Belém” mantém mais de 2.200 pessoas em suas casas de acolhida, e há iniciativas também da “Voz dos Pobres”, “Aliança de Misericórdia”, “O Caminho”, a Associação Franciscana de Solidariedade (Sefras) e a “Comunidade Emaús”.

“Se a Igreja parasse de atuar na Cracolândia, esta provavelmente seria cinco vezes maior. Além da atuação presencial, vários grupos de pastoral fazem o acompanhamento das famílias dos usuários de drogas. Quando você trata o usuário de drogas, você precisa tratar as famílias também”, afirmou Ana Maria.

Desarticular o tráfico

Ivanildo de Andrade, psicólogo especialista em Saúde Pública com ênfase em dependência química, acompanha há muitos anos a situação da Cracolândia e apresenta o programa “Tocando em Frente”, sobre dependência química, na rádio 9 de Julho. Ele afirmou à reportagem que a ação policial do domingo foi inevitável e necessária, uma vez que a região era dominada por traficantes que impediam, inclusive, o acesso dos agentes públicos aos usuários de crack. “Não há como ocupar aquele espaço e desmobilizar todo aquele cenário de uso de crack sem uma intervenção da Segurança Pública, identificando os traficantes e desarticulando a ação criminosa que existe ali”, disse.

O Especialista, no entanto, acrescentou que a ação da Prefeitura e do Estado não deve se limitar e essa operação, mas deve haver um acompanhamento dos dependentes. “Acabou momentaneamente aquele fluxo de uso de crack, mas o problema da Cracolândia, da dependência química e do tráfico não foi solucionado. Precisa haver uma ação a médio e longo prazo, perene e contínua, tanto da Segurança Pública quando de ações de Saúde, Assistência Social, Cultura e Lazer”, opinou.

Ivanildo recordou, ainda, que a dependência química é uma doença complexa, cujo combate exige ações igualmente complexas. “Se para recuperar um único dependente químico é necessário muito trabalho e envolvimento de profissionais e projetos terapêuticos distintos, não há como trabalhar com uma população de 2 mil usuários de crack se não houver um planejamento de saúde pública permanente, que não se limite a uma única gestão”.

Reurbanização

O processo de urbanização da região rebatizada de Nova Luz conta com um programa de utilização dos espaços públicos, construção de moradias populares e investimentos privados. De acordo com a Prefeitura, o programa será realizado paralelamente com os trabalhos de assistência social e saúde aos dependentes químicos.

Após a ação do domingo, foi iniciada a demolição dos imóveis abandonados que, segundo a Prefeitura, eram usados para o consumo de drogas. No local, serão construídas habitações de interesse social, uma creche, uma escola pública e um Centro Educacional Unificado (CEU). Num primeiro momento, a região dessas futuras obras será cercada por tapumes e ocupada para evitar o retorno da movimentação de dependentes químicos ao local.

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